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Ramonet: chavismo está pagando dívida histórica da Venezuela com o povo

Em entrevista exclusiva para a colaboradora do Nocaute Aline Piva, o escritor e jornalista Ignacio Ramonet fala sobre o que é o chavismo e analisa os avanços do governo Nicolás Maduro, em um contexto de duros ataques da oposição golpista dentro e fora do país. Para ele, a proposta da Constituinte é uma aposta em um “grande debate nacional, visto que há um descontentamento por parte da oposição, [para] evitar que essa posição da crítica da oposição se traduza em enfrentamentos violentos, como está ocorrendo nesse momento na Venezuela”.
Ramonet é autor de, entre outros livros, “Hugo Chávez – Minha primeira vida” e “Fidel Castro, biografia a duas vozes”. É diretor do Le Monde Diplomatique em espanhol, e fundador e presidente honorário do movimento internacional altermundialista ATTAC. É também um dos criadores do Fórum Social Mundial.

 
Bom, o chavismo, digamos, está muito ligado evidentemente ao comandante Hugo Chávez que, em certa medida, traduz uma síntese de experiências. Primeiro, o presidente Chávez recompila experiências da história de seu país, o que ele chama de “a árvore de três raízes”, ou seja, a experiência de Bolívar – soberania nacional, anti-hegemonismo; a experiência de Zamora – união cívico-militar, o projeto de fazer uma grande reforma agrária; e o projeto de Simón Rodríguez Robinson, com uma ideia de educação, de um povo educado, um povo consciente. Essas são as raízes, em certa medida, do chavismo. Raízes nacionais, raízes latino-americanas.
Mas também é um relato, é uma narrativa. O chavismo propõe ao venezuelano responder a perguntas que são feitas, por exemplo, em termos de identidade, o que é ser venezuelano, que significado tem precisamente a pátria. Quer dizer, é também em grande medida um tema, uma resposta dada às interrogações de porque o país vive uma crise, quem são os responsáveis da crise, uma explicação do que é Venezuela.
E, terceiro, o chavismo também é um relato de esperança, evidentemente. O chavismo é, em termos políticos, poderíamos dizer, é uma política da libertação. Assim como dizemos, quando falamos em termo da Igreja Católica, certo, que há no seio da igreja católica uma teologia da libertação, o chavismo é uma política da libertação, que tem como objeto prioritário, a opção preferencial, como dizem os católicos, são os pobres, são os humildes.
Trata-se de um grande projeto de justiça social, de devolver ao povo o que Chávez chamava a dívida social – o Estado venezuelano tem uma dívida social com sua sociedade porque construiu a riqueza de Venezuela, e só uma parte, uma pequena parte da sociedade, se aproveitou dessa riqueza. É preciso devolver essa dívida social ao conjunto da sociedade. Esse conjunto de elementos, em termos de patriotismo, de soberania, e também um projeto de justiça social, quer dizer, todo um programa de justiça social popular, essa articulação constitui a essência do chavismo.

 
Bom, em termos de prolongamento do chavismo, claro, ao desaparecer a figura que era o manancial, a fonte evidentemente do chavismo, que é ao mesmo tempo a teoria e a prática do presidente Chávez, no exercício de suas funções, alguns podem pretender que já o chavismo não tem vigência. Mas o chavismo na Venezuela, agora, quer dizer, quase 20 anos depois de sua chegada ao poder pela primeira vez, em 1999, o chavismo não é só uma realidade política, quer dizer, não está encarnado em um partido ou em um governante. O chavismo é uma realidade sociológica na Venezuela.
Uma realidade sociológica que faz com que um número muito importante de cidadãos tenha como um agradecimento histórico às leis sociais levadas a cabo pelo chavismo, o que Chávez chamou de “socialismo do século XXI” etc. Então digamos que o chavismo é maior que o próprio Chávez, em certa medida, e maior que qualquer governo que venha depois de Chávez.
O presidente Maduro – evidentemente, não há ninguém mais fiel à herança de Chávez que o presidente Maduro, simplesmente porque foi Chávez quem definiu o presidente Maduro como portador dos valores fundamentais de sua própria escola de pensamento, o chavismo. Mas, além disso, tem a legitimidade das urnas – o presidente foi eleito depois de uma batalha eleitoral, em abril de 2013, e por conseguinte tem a legitimidade de ter sido, em certa medida, designado pelo presidente Chávez, mas também de haver sido eleito pelo povo.
E, até agora, quatro anos depois de sua eleição, o presidente Maduro se manteve fiel às grandes linhas do que aqui do que aqui acabamos de definir como sendo o chavismo. E não somente isso, como também em muitos setores ele tem desenvolvido, prolongado, por exemplo, levando a cabo de maneira muito estrita o projeto da Misión Vivienda, levar a cabo o que o Chávez havia prometido, dois milhões de habitações para os venezuelanos modestos até 2019. Criou missões novas, que estão na prolongação dessa ideia, como Barrio Nuevo e Barrio Tricolor, por exemplo – lhes tem dado uma amplitude muito importante.
O próprio projeto constituinte do presidente Maduro é retomar a grande ideia de Chávez, quando colocou em causa as realidades da Quarta República, dizendo que, em realidade, só um grande debate, no marco da Constituinte, que teve lugar no ano de 99, poderia permitir resolver os problemas dos venezuelanos, que isso permitisse avançar – reformar a Constituição e avançar no sentido de uma realidade política nova.
Tudo isso indica que o presidente Maduro está na continuidade, e que, por outro lado, tem levado a cabo uma série – tem conhecido – uma série de êxitos, certo? Por exemplo, ainda que 2016 foi um dos anos mais difíceis da Revolução Bolivariana, pela queda do preço do petróleo, pelas dificuldades estruturais, devidas, por exemplo, à seca causada pelo El Niño, o presidente Maduro, sem dúvida, não só seguiu realizando a Misión Vivienda, mas também, por exemplo, conseguiu que os pensionistas fossem em maior número ao que havia existido até então. É o meio número que há na América Latina – o número de idosos que recebem uma pensão do Estado. Teve êxitos também em matéria de saúde. Teve êxitos em matéria de educação. Conheceu êxitos no âmbito internacional, com a Cúpula, evidentemente, do Movimento dos Não Alinhados, conseguiu que houvesse um acordo entre OPEP e não-OPEP para reduzir a produção e aumentar os preços…
Quer dizer, o presidente Maduro está na trajetória do presidente Chávez, e ainda que evidentemente uma parte da oposição não o aceite, conduz na direção do presidente e de suas políticas uma perseguição importante, isso não fez com que o presidente Nicolás Maduro se afastasse do projeto social da Revolução.
 

 
Como eu explico a questão da Constituinte. Por um lado, a atitude da oposição – e em particular desde o final de 2015, quando a oposição ganha as eleições parlamentais, a oposição adota uma atitude que é uma atitude que poderíamos qualificar como prepotente. E define como objetivo número um da oposição – com maioria na Assembleia Nacional – derrocar o presidente Maduro, o que não está no mandato recebido, o mandato de ter maioria na Assembleia Nacional e de propor um programa para resolver tal ou qual problema que pode ter o país. O fato de estarem obsessivos com a derrocada do presidente Maduro vai conduzi-los a cometer uma série de erros – em particular, não querem reconhecer que há três deputados cuja eleição foi invalidada pelo Conselho Nacional Eleitoral, o não-reconhecimento que o Tribunal Supremo de Justiça tem autoridade em matéria precisamente de funcionamento da Assembleia do Poder Legislativo.
Então, tudo isso fez com que, apesar dos esforços do presidente, que criou uma comissão internacional, para favorecer o diálogo, a discussão, a negociação com a oposição, uma delegação constituída por ex-chefes de Estado ou de governo, certo, tanto latino-americanos como europeus – como é o caso de Rodriguez Zapatero.
Então como isso não deu resultado até agora, eu acredito que a perspectiva do presidente é abrir um grande debate nacional, visto que há um descontentamento por parte da oposição, evitar que essa posição da crítica, da oposição, se traduza em enfrentamentos violentos, como está ocorrendo nesse momento na Venezuela, e, ao contrário, abrir ao debate político: se a oposição tem desejos de mudanças – ademais, a demanda de uma Constituinte foi feita durante um tempo por parte da oposição. Então, que saia um grande debate nacional, que haja um grande debate nacional, debate político, e que se resolvam as coisas mediante o debate, mediante a discussão, e mediante as eleições, que é o que deseja o presidente.

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  1. Avatar
    Francisco Roa Cuevas says:

    Gracias. es un excelente entrevista inmejorable e Ignacio Ramonet un testigo presencial del Chavismo y sus afluente y derivadas en Latino america, como siempre nos lleva con su lenguaje claro, preciso ahí a ese lugar de encuentros entre Bolivar, Martí, Fidel y Hugo Chavez, para mostrarnos porque el chavismo trasciende tiempos y fronteras y es más grande y profundo que el propio Chavez, porque igual que el es pueblo,
    El cabezal sin embargo no refleja el contenido del artículo y puede dar lugar a interpretaciones apriori para lectores apresurados,
    El Chavismo no le debe nada al pueblo. El Chavismo es un respuesta por fin encontrada para responder al pueblo sojuzgado aquí y allá donde los diferentes gobiernos han endeudado a los respectivos estados, por eso hoy se arguye abusivamente que en México Lopez Obrador sería un riesgo para el sistema por el simple hecho de mostrar simpatía por los que menos tienen como es el caso de la Revolución Bolivariana que si es real.
    Felicitaciones

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