Brasil

Democracia é a seiva vital da Universidade

Vídeo 2 – Ameaça de condução coercitiva
 
 
Por Roberto Leher*
 
Atualmente no país nós temos uma crise de legitimidade que alcança todos os poderes.
O ministro Lewandowski caracterizou o processo de impeachment, numa aula conferência na Universidade de São Paulo (onde ele é professor), afirmando que houve um tropeço na democracia brasileira. Esta foi a percepção do Conselho Universitário da UFRJ, a Universidade como instituição, ela é radicalmente independente e autônoma em relação a governos e a partidos. A Universidade não tem partido. A Universidade não tem lealdade a governos, paixão por governos. Nós nos relacionamos com o Estado como uma instituição de Estado, como uma instituição autárquica. Que faz parte do ordenamento legal do país e que compõe o rol do Estado com a peculiaridade da autonomia universitária. É desta maneira que nós interagimos com os diversos órgãos de governo, e com o Estado de uma forma mais ampla.
No processo de impeachment muitas coisas graves aconteceram no país.
Sem entrar no mérito específico de temas pontuais aqui e ali, estava evidente para a Universidade, pro seu Conselho Universitário, que vazamento seletivo de informação, que conduções coercitivas descabidas, isto tensiona e causa intranquilidade em relação a condição e aos pilares da democracia no Brasil. E foi motivado por estas preocupações generosas com a democracia, porque para a Universidade a democracia é o próprio oxigênio da vida acadêmica de uma instituição que faz pesquisa, a Universidade e a reitoria, neste caso específico, junto com seu corpo social, nós realizamos um ato em defesa a democracia.
Algo que a Universidade faz seguramente desde seus primórdios na Modernidade. A Universidade é uma instituição zelosa da democracia. Estranhamente, este ato acadêmico e de cidadania da nossa Universidade foi questionado no Ministério Público e recepcionou este questionamento exigindo, enfim, intimando a reitoria a fazer esclarecimentos. Estranhamente esta intimação não resultou de um processo dialógico com a instituição. Nós poderíamos prestar todos os esclarecimentos, embora não seja usual que tenhamos que explicar porque temos apreço pela democracia. Mas de toda forma, não temos nenhum problema em explicar porque nós entendemos que a democracia é a seiva vital da Universidade.
Agendaram uma ida ao Ministério Público, para prestar esses esclarecimentos, no dia do Conselho Universitário. É um dia em que a instância máxima da nossa instituição discute, delibera as questões do seu governo. É o espaço de decisão mais importante da vida universitária de uma instituição universitária. E marcaram justamente no dia do Conselho, sem nos consultar. E, obviamente, informamos que no dia, neste horário, o reitor esta presidindo o Conselho Universitário.
Nos causou muita preocupação, não à figura do reitor ou ao professor Roberto, mas à institucionalidade da Universidade, uma ameaça de condução coercitiva. Isto causou muita intranquilidade na comunidade científica brasileira, a comunidade acadêmica brasileira, a juventude. Enfim, nós argumentamos novamente com o Ministério Público, que de fato o reitor não pode se ausentar de uma sessão do Conselho Universitário. Em especial, porque sua vice reitora estava de férias. Isso significaria cancelar o Conselho, o que seria descabido. O MPF acabou, o procurador, acabou retrocedendo à ameaça de condução coercitiva.
Mas isso nos deixa diante de uma inquietação que é muito importante pro conjunto da sociedade brasileira, porque acontece em outras Universidades. Inclusive, há uma série de solicitações para a ida do reitor, para explicar porque os estudantes estão fazendo ocupação. Isso são assuntos do interesse interno da Universidade. O gozo da autonomia universitária não é algo formal na Constituição Federal. Significa que a Universidade é governada pelas próprias leis. Ela tem leis próprias que materializam a sua vida institucional. Estas leis próprias devem estar harmonizadas com os preceitos constitucionais. Nós não temos dúvida que o nosso estatuto está em harmonia com os preceitos constitucionais.
É muito negativo que haja um tensionamento permanente sobre o alcance da autonomia universitária. É fundamental em uma democracia madura uma convicção democrática afirma e reitera que a autonomia é um valor para um país. Que justamente são as condições como eu destacava na defesa da presença do professor Adlène. Aquilo que é próprio da instituição universitária, que é justamente encontrar condições para livre expressão dos espíritos, dos pensamentos, do ato criador, e sobretudo, de pronunciamentos e formas de expressão sobre o conhecimento produzido na sua relação com a sociedade.
A Universidade deve alertar se existe ou não uma crise política. Se temos ou uma não uma epidemia de dengue e chikungunya. Porque é um conhecimento científico sistematizado que permite que a sociedade possa conhecer melhor os processos sócio-históricos, ambientais, sociais, de uma forma geral, que estão acontecendo no país.
Então, novamente destacamos que é bom para a democracia, será muito positivo para as Universidades, para a Ciência no Brasil que a autonomia universitária seja plenamente compreendida por todas as esferas do Judiciário. E que possamos sim manter uma relação, como sempre mantivemos, com o Judiciário de interlocução sobre os grandes temas, sobre os grandes problemas, os grandes dilemas, que hoje marcam o próprio campo do Judiciário. Nós temos área de investigação sobre o Judiciário, sobre o campo do Direito de uma forma mais ampla. E nós sempre fazemos esse debate e interagimos com muito respeito, com muito prazer, com muita disposição de diálogo com o Judiciário em torno dos grandes temas. E esperamos que seja essa pauta do futuro da nossa relação com o Judiciário e com o campo do Direito.
 
*Roberto Leher é biólogo, pedagogo, professor e o atual reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

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