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Zé Dirceu: Temos que resgatar o pacto social rasgado pelos golpistas

Foto: Agência Brasil


Em artigo, o ex-ministro José Dirceu comenta os principais desafios da esquerda e dos movimentos sociais no Brasil depois do golpe que derrubou o governo da presidente eleita Dilma Rousseff e da condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em primeira instância.
“A certeza de nosso crescimento vem do fato que nunca antes nesse país um golpe como o que foi dado durou tão pouco tempo, sendo hoje repudiado por mais de 95% da população que exige eleições gerais e o fim das contra reformas. Essa é nossa maior vitória política. Mas atenção: não significa apoio a nós ou às nossas propostas a não ser que a conquistemos na luta e na disputa política e na ação política”.
Leia a íntegra abaixo:
“Companheiros da Disparada e do Balaio, jovens estudantes e alguns já profissionais, visitaram me em Passa Quatro no mês passado e passamos o dia pensando e sonhando com o Brasil e nosso povo, sua história e luta. Impressionado com a vontade política de luta e combate deles com suas vitórias no movimento estudantil, a dedicação ao debate, estudo e a pesquisa, me senti no dever de dialogar com eles expondo minhas angústias e dúvidas e minhas apreensões…
Para onde vamos e como? Eis uma pergunta que insiste em me atormentar nos últimos meses. Mesmo sabendo de minhas limitações políticas e pessoais, ouso responder com outras perguntas e algumas respostas.
Temos forças políticas e sociais para, no curto prazo, retomar o governo e realizar as reformas estruturais que o país demanda para sair da atual crise sem abrir mão da democracia, soberania nacional, projeto nacional e Estado de bem-estar social? E também sem regredir a um passado não muito distante onde o crescimento sempre foi sinônimo de concentração de renda e aumento da pobreza, do autoritarismo e conservadorismo, quando não da violência aberta e “legalizada” do Estado em nome democracia ou da luta contra o comunismo e a corrupção?
Sabemos o que fazer com o país e suas consequências, temos consciência do que são capazes as forças reacionárias e de direita? Aprendemos com a experiência do golpe contra a presidenta Dilma e da perseguição implacável e violenta contra o PT e Lula nos últimos três anos? O país tem condições de manter as políticas públicas sociais e a distribuição de renda sem realizar reformas estruturais como a do sistema bancário e financeiro, a tributária, a política, a do Estado e a sensível e explosiva dos meios de comunicação?
Teremos forças policias organizadas e mobilizadas, maioria parlamentar e hegemonia política na sociedade para realizar tais mudanças ou seremos constrangidos a administrar, para eles, a atual crise mesmo buscando manter determinadas políticas sociais – ao menos aquelas que restarem frente ao desmonte já realizado pelo usurpador?
Que vale a pena e devemos disputar o governo e Lula ser candidato, não resta dúvida. Mas essa não é a questão e sim com qual programa e com que objetivos, para além de resgatar seu legado e a democracia, o pacto constitucional e social rasgado pelos golpistas.
O que estamos fazendo para aumentar o nível político, cultural e de organização de nossas bases sociais e dos trabalhadores? Que mudanças estamos fazendo no PT e nos movimentos onde temos incidência para a nova conjuntura que enfrentamos? Avaliamos que nada mudou no Brasil e que teremos eleições normais em 2018 e o vencedor tomará posse e realizará sua política sem oposição ou teremos e esperamos novas tentativas de golpe e sabotagem aberta como a que levou a queda de Dilma e ao atual desastre econômica e social?
Por que não consolidamos a Frente Brasil Popular e criamos núcleos políticos e sedes, espaços para debates, mobilização, ações culturais e sociais, para ampliar a oposição ao golpe e ao governo Temer, as suas contra reformas e políticas visando retornar o Brasil a um simples país de linha auxiliar da política de Washington?
Como contrabalançar e contra-atacar a ofensiva liberal política, cultural e ideológica, via meios de comunicação? Qual perspectiva que apresentamos para a juventude mobilizada e na luta, para as inúmeras iniciativas de diferentes setores de oposição fora de nosso espaço sindical e social, da CUT, MST, MTST e tantos outros, como o Levante, a Consulta Popular, o Fora do Eixo, as Frentes Democráticas de Juristas e Advogados, as iniciativas culturais e o crescimento do movimento estudantil anti-Temer e Golpe?
O PT no seu recente congresso uniu-se em torno do Fora Temer, Diretas, Lula presidente, mas a realidade é outra: caminha para o fica Temer e eleições em 18. O que fazer?
Temos pouco tempo para as eleições de 18 e o suficiente para o médio prazo. A questão é combinar as duas tarefas e ações a curto e longo prazos, ir acumulando forças e elevando o nível político e de organização, inclusive para resistir à repressão e às ações paramilitares já presentes na atuação da direita, mudando nosso modo de agir e de organização, adaptando-nos para a essa nova fase da luta política no país e tendo consciência que não podemos e não devemos subestimar a direita ou desconhecer as mudanças no seu modo de agir e atuar. Ter ciência do ódio que a move e sua decisão de não apenas nos derrotar, mas sim nos destruir como força política e social, como partido e consciência política, memória histórica e, principalmente, como legado e conquista de direitos sociais e políticos pelo povo trabalhador e resgate da dignidade e soberania nacional.
Há outras questões não menos importantes, como nossas relações com a esquerda, os movimentos, as outras candidaturas – seja de Ciro Gomes ou outras que venham a surgir. Nossa experiência nos ensina que devemos, a partir de definições objetivas e claras sobre o que queremos, estarmos abertos ao diálogo e principalmente ao trabalho comum na Frente Brasil Popular e mesmo na Frente Povo Sem Medo. Isso independe do cenário de 2018, de uma possível candidatura de Guilherme Boulos ou ainda da criação ou não de um novo partido de esquerda com ou sem setores do PT. Temos força e experiência suficientes, já sofremos derrotas suficientes para não nos iludirmos sobre nossas reais forças e possibilidades, mas também para termos consciência de nosso papel e força e de nossa capacidade de luta.
Há uma plataforma comum que nos une contra Temer e o Golpe, pela democracia e um programa mínimo não apenas contra as atuais reformas, mas a favor de mudanças estruturais no país. Há consenso de que não podemos governar o país e atender as demandas populares sem quebrar os ovos do sistema financeiro, do rentismo, da concentração de renda, riqueza e propriedade, da estrutura tributária e da atual organização política e institucional do país. Ou será que não é consenso, daí a resistência de determinados setores ao programa da FBP e as idas e vindas dentro do parlamento de nossas bancadas nas relações com setores da situação e mesmo com o governo Temer ou com o presidente da Câmara no debate sobre diretas e das indiretas?
Nossa resistência ao Golpe e às reformas de Temer prova que temos capacidade de luta e mobilização, mas também expõe nossas limitações e fraquezas e nos convoca a superá-las, mesmo diante do tempo curto. Logo estaremos em plena sucessão presidencial e nos Estados, com todas as consequências de uma disputa eleitoral, agravadas pelo risco de Lula ser impugnado como candidato e o Congresso Nacional aprovar uma reforma política contra nós.
Devemos ter consciência que nossa vitória depende do crescimento de um amplo movimento de oposição pluralista, com total liberdade de iniciativas mas com um centro e uma direção orgânica, para a luta e o combate, com um sentimento e um impulso de dialogar e debater, enfrentar a ofensiva ideológica, cultural e política da direita, ir além da denúncia – mais do que necessária – das ilegalidades e arbitrariedades do aparelho policial-judicial e apresentando nossas propostas de mudanças e resgatando nosso legado.
A certeza de nosso crescimento vem do fato que nunca antes nesse país um golpe como o que foi dado durou tão pouco tempo, sendo hoje repudiado por mais de 95% da população que exige eleições gerais e o fim das contra reformas. Essa é nossa maior vitória política. Mas atenção: não significa apoio a nós ou às nossas propostas a não ser que a conquistemos na luta e na disputa política e na ação política que é, na essência, a razão de ser de um partido ou de um movimento e foi e deve ser a única razão de ser do PT, que foi criado exatamente para que os trabalhadores deixassem de ser objetos da política para serem autores e atores das transformações sociais, econômicas, política e culturais a seu favor.”

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  1. Avatar

    Muito lúcido o texto de Zé Dirceu ; visão do presente e futuro que temos que encarar. Ou as esquerdas se alinham em torno de estratégias capazes de encontrar saídas nessa realidade atual , ou essa vitória da rejeição de 95% da população ao golpe será perdida. Essa vitória é o que manteve o PT vivo, mas como disse Dirceu, muito bem observado, não quer dizer que se reverte em apoio ao partido, ou ao menos é pouco para o que precisamos pra ganhar a eleição em 2018. Mas é para conseguir fazer o que tem que ser feito no governo, caso ganhe a eleição, o que será talvez ainda mais dificil . O enfrentamento com a direita e as reformas necessárias que não foram feitas quando do PT esteve no governo de forma bem favorável, agora com essa ferida ainda sangrando nos dois lados fazer um pacto de governabilidade será quase impossivel, até porque dessa vez será preciso quebrar os ovos, e não mais ficar com a raposa dentro do galinheiro. Mudar tudo pra não repetir o erro que poderá levar a outro golpe. Muito complicado, uma tarefa quase impossível nesse contexto atual. Muito trabalho, muita reflexão para seguir na luta sem se abater com esse desmonte; pensar a frente , pensar e agir rápido intenso e sem parar. Como fazer para que as esquerdas se unam, trazer de volta os desiludidos, fazer com que eles voltem a crer e ter desejo de se mobilizar, se responsabilizar por essa luta? Tarefa de Hércules. Difícil, dificílima essas próximas etapas e tem que ter cabeças que pensem bem. Zé Dirceu tão focado acertou na veia; nos coloca com o olhar no que tem que se fazer e não ficar só em denúncias nas redes. já me deu outro ânimo e vontade de meter as caras no futuro, temos que seguir , se refazer, se reiventar, entender os erros e chegar perto da realidade atual. O futuro é logo, o tempo é curto, o Brasil mudou.
    Obrigada.

  2. Avatar

    Pacto social que impediu apuração das atrocidades cometidas pela ditadura, que impediu a auditoria da dívida, que possibilitou quebra de recordes de lucratividade do sistema financeiro, que permitiu empreiteiras pautando obras supérfluas e superfaturadas como o PAC Copa, que aliou-se ao pior da oligarquia corrupta nacional, que adotou mensalão ao invés de combate-lo… Não, obrigado. Chegamos onde chegamos em consequência desse pacto sinistro.

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