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Nobel da Paz vai para ativistas que combatem a violência sexual

Denis Mukwege, um ginecologista que atende vítimas da violência sexual na República Democrática do Congo, e Nadia Murad, ativista dos direitos humanos e sobrevivente da escravidão sexual pelo Estado Islâmico no Iraque, são os vencedores do Nobel da Paz de 2018.

Foi concedido nesta sexta-feira (5) o Prêmio Nobel da Paz a dois ativistas que dedicam suas vidas a combater o estupro e a violência sexual como uma arma de guerra: o ginecologista congolês Denis Mukwege, de 63 anos, e Nadia Murad, de 25 anos, da minoria yazidi, que se tornou uma importante voz das mulheres que sobreviveram à escravidão sexual praticada pelo Estado Islâmico (EI).

A premiação frustrou as apostas de muitos de que os ganhadores seriam o presidente americano Donald Trump, o líder norte-coreano Kimg Jong-un e o presidente sul-coreano Moon Jae-in, que iniciaram negociações para tentar desnuclearizar a Península coreana.

O Comitê do Nobel  — formado por cinco pessoas indicadas pelo Parlamento da Noruega e que desde 1901 escolhe o prêmio da Paz —  afirmou que os dois receberam a honraria “por seus esforços para acabar com o uso da violência sexual como uma arma em guerras e conflitos”.

A história de Mukwege

Mukwege trabalha num dos lugares mais traumatizados do mundo: a República Democrática do Congo.

Num hospital simples nas colinas perto de Bukavu — onde durante anos houve parca eletricidade e faltou anestesia — ele fez cirurgias em incontáveis mulheres e se tornou um ídolo para o povo congolês, bem como um defensor internacional pela igualdade de gêneros e pelo fim do estupro nos conflitos armados. O médico viajou por outras partes do mundo igualmente traumatizadas, ajudando a criar programas para as sobreviventes de estupro e escravidão sexual.

— Não é um questão só das mulheres, é da humanidade inteira — disse Mukwege numa entrevista. — Não é um problema só da África. Você vê a mesma coisa em lugares como Bósnia, Síria, Colômbia…

Em 2012, Mukwege fez um discurso na ONU criticando o governo congolês e os de outros países por não fazer o bastante para acabar com “uma guerra injusta que usa a violência contra as mulheres e o estupro como estratégias”.

Sua defesa das mulheres quase lhe custou a vida. Pouco depois do discurso, quando retornou ao Congo, quatro homens armados invadiram sua casa em Bukavu, tomaram seus filhos como reféns e esperaram que Mukwege voltasse do trabalho. No atentado que se seguiu, seu guarda-costas foi morto, mas ele se atirou ao chão e conseguiu sobreviver.

Depois disso, ficou mais de dois meses exilado, mas retornou ao hospital, mesmo correndo riscos.

— Eu trato as mulheres uma vez, duas vezes, e agora estou tratando de crianças nascidas após estupros — lamenta Mukwege. — Isso é inaceitável.

Mukwege dedicou o Nobel a todas as mulheres vítimas de estupro e violência sexual.

— A violência cometida contra seus corpos não acontece só em nosso país, a República Democrática do Congo, mas em muitos outros — disse, numa entrevista coletiva em seu hospital.

A história de Nadia Murad

Nadia, por sua vez, foi sequestrada pelo EI junto com milhares de outras mulheres e meninas da minoria yazidi quando o grupo terrorista invadiu sua terra natal, no Norte do Iraque, em 2014. Foi selecionada pelo EI para ser estuprada.

Diferentemente da maioria das mulheres que conseguiram fugir do EI, que preferem esconder suas identidades, Nadia, ao escapar, insistiu com repórteres que a identificassem e fotografassem. Ela embarcou numa campanha mundial, falando diante do Conselho de Segurança da ONU, no Congresso americano, na Câmara dos Comuns do Reino Unido e em outras casas políticas em várias nações.

Nadia se confessou exausta por ter que contar repetidamente sua história , mas sempre se lembrava de que outras mulheres Yazidi estavam sendo violentadas no Iraque.

— Só vou voltar à minha antiga vida quando as mulheres no cativeiro voltarem a suas antigas vidas — declarou. — Quando minha comunidade tiver um lugar para ela, e quando eu vir os responsáveis julgados pelos seus crimes.

Nascida e criada na vila de Kojo, no Norte do Iraque, Nadia e sua família se tornaram alvos da campanha de limpeza étnica do EI. Localizada no flanco sul do Monte Sinjar, Kojo foi uma das primeira vilas yazidi a serem tomadas pelo grupo terrorista, em 3 de agosto de 2014.

Os moradores foram reunidos na única escola da cidade, onde mulheres e meninas foram separadas dos homens. Estes, incluindo seis dos irmãos de Nadia, foram postos em caminhões, levados a um campo próximo e executados.

Em seguida, as mulheres e meninas foram levadas para ônibus. Nadia foi levada para um mercado de escravas, onde foi vendida para um dos juízes do EI. Ele a estuprou várias vezes, espancando-a se ousasse fechar os olhos durante o ato. Quando ela tentou pular uma janela, o homem ordenou que tirasse a roupa e a deixou com seus guarda-costas, que fizeram fila para violentá-la. No fim, Nadia conseguiu escapar.

— Nadia se recusou a ser silenciada — diz a advogada de direitos humanos Amal Clooney, que a representa e que escreveu o prefácio de sua biografia. — Desde que a conheci, ela não só encontrou sua própria voz, mas se tornou a voz de toda mulher yazidi que é uma vítima, de toda mulher que já foi agredida sexualmente, de todo refugiado que foi abandonado.

Em 2016, Nadia foi nomeada a primeira embaixadora da Boa Vontade da ONU para a Dignidade de Sobreviventes do Tráfico Humano . Contou sua história na autobiografia “The last girl” (“A última garota”), recém-publicada.

O título remete a uma frase no livro: “Eu quero ser a última garota no mundo com uma história como a minha”.

No mesmo ano, ela ganhou o Prêmio Vaclav Havel de Direitos Humanos, batizado em homenagem ao escritor tcheco e dissidente que foi presidente de seu país por 14 anos depois da queda do comunismo.

Em agosto deste ano, Nadia anunciou que estava noiva de um ativista Yazidi.

 com O Globo e  ‘New York Times’* 

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