Cultura

A literatura russa pós União Soviética

Até 1991, o cânone da literatura russa era um cânone cindido. Tinha literatura soviética e a literatura que se fazia fora da União Soviética. Quando cai o regime em 1991, muitos dos escritores emigrados puderam voltar fisicamente para a Rússia.

Aqui no Nocaute a gente tem falado bastante da literatura russa e muito da literatura do passado. Aí me lançaram um pedido, um desafio: como é a literatura na Rússia hoje?

Poderia ficar horas falando aqui, mas tentarei ser conciso. Essa literatura russa que foi toda criada à margem da censura. Não foram os comunistas que inventaram a censura. Vem desde o nascimento da literatura russa. Todos os escritores foram censurados. Se a gente for falar da literatura russa hoje, talvez seja a primeira vez na história do país que a literatura não é criada em ambiente de censura. Pelo menos censura explícita e específica.

Ano passado entrevistei um estudioso, um especialista russo Ievgueni Dobrenko. Ele me disse que a literatura russa hoje não é censurada porque ninguém mais lê. Será que ninguém mais lê? Não é que ninguém mais lê, obviamente. Vou mostrar os dados daqui a pouco. Mas é que a literatura na Rússia, justamente por causa dessa questão da censura, tinha uma centralidade. Porque era  a única arena de debates. Ela acabava cumprindo vicariamente as funções das outras ciências humanas. Então as revistas literárias russas traziam no seu bojo debates que transcendiam muito a questão literária.

Os escritores muitas vezes eram vistos como os gênios da raça, os profetas do país ou da geração. Hoje essa discussão partiu para outras mídias, TV, internet etc. E a literatura é apenas literatura. Coisa que na Rússia ela nunca foi.

Então, ninguém está mais lendo? Como é que é o mercado russo? Eu peguei uma pesquisa da firma alemã DFK em 2017 que coloca os russos como os segundos leitores do mundo, atrás apenas dos chineses. 59% dos russos leem todo dia. O mercado na Rússia depois de começar as sanções do ocidente, se enfraqueceu, deu uma retraída, mas mesmo assim o preço de livro na Rússia ainda é metade do preço da Europa. O mercado infantil responde por 25%. O faturamento cresceu 8% em 2016. O mercado vem se concentrando nas editoras grandes, o governo para incentivar reduziu o IVA sobre livro de 18% para 10%. Agora está fazendo um programa de incentivar a leitura no verão, que era um hábito que os russos tinham muito no tempo soviético. Estão tentando fazer com que os russos voltem a ler no verão agora também.

Do ponto de vista da produção, como é que é essa literatura pós-soviética? Até 1991, o cânone da literatura russa era um cânone cindido. Tinha literatura soviética e a literatura que se fazia fora da União Soviética. Quando cai o regime em 1991, muitos dos escritores emigrados puderam voltar fisicamente para a Rússia, o caso do Soljenítsin, ou pelo menos voltar a circular suas obras ou circular pela primeira vez, como no caso de alguns. Escritores como Nabokov, Brodsky e Dovlatov.

Além disso, o país pôde recuperar e descobrir esses escritores que tinham ficado na União Soviética, não tinham saído de lá, mas não podiam publicar. Talvez o caso mais espetacular seja o absurdista Daniil Kharms. Os escritos ficaram todos guardados numa mala que sobreviveu ao cerco de Leningrado, à Segunda Guerra Mundial e que veio aflorar depois do fim da União Soviética.
Tem também obviamente os escritores vivos, que estão já sob influência de literatura estrangeira e sob influência desse cânone em processo de unificação.

O que tem sido interessante na recepção da literatura russa no Brasil nos últimos anos é que esses escritores vivos russos começam a chegar. Está saindo daquele esquema que era só Tolstói e Dostoiévski. Por exemplo, na Flip já vieram três escritores russos. O primeiro que veio em 2014 foi o Vladímir Sorókin, que está com 63 anos. Ele veio porque foi traduzida uma peça dele “Dostoiévski-Trip”.

Dois anos depois veio a Svetlana Aleksiévitch, escritora bielorussa de nacionalidade, mas ela escreve em russo. Ela tem esses livros que ela faz coleta de relatos reais muito fortes e os estrutura quase como grandes reportagens. A Svetlana lá na Rússia não é muito bem falada, não é considerada uma escritora do primeiro time. O próprio Dobrenko disse: “sou muito simpático a ela politicamente, mas eu não entendo como ela ganhou o Nobel”.

De qualquer maneira, aqui no Brasil ela fez muito sucesso. Já foram publicados três livros e está saindo o quarto.

A última russa que veio para o Brasil foi a Lyudmila Petrushevskaya que veio para o Brasil agora, na Flip de 2018. Antes disso ela esteve no Rio, em São Paulo. Fez um karaokê (absoluta vergonha alheia), mas o fato dela não saber cantar não significa que ela não saiba escrever. Ela é uma autora de 80 anos.

Além disso, tem outros dois russos que ainda não vieram à Flip, mas que têm sido publicados aqui com uma certa frequência, por exemplo, o Vyacheslav Kupriyanov, o poeta, o pai do verso livre na Rússia. A Tatiana Tolstoi, que é da família do Tolstoi. O Victor Pelevin, enfim.

E tem outros autores que me parece que estão no radar das editoras. Mais cedo ou mais tarde vai chegar as obras dele aqui. Não quero ficar cuspindo aqui um monte de nomes eslavos, mas tem Dimitri Bykov, um gordinho muito debochado, muito midiático, aparece bastante na TV Russa. Tem o Viktor Jerofejev, ensaísta muito fino. E a Lyudmila Ulitskaya, que talvez seja a escritora russa de maior difusão internacional.

São nomes que vão aparecer no radar da gente, e conforme eles forem sendo trazidos para o Brasil a gente vai mostrando essas produções aqui no Nocaute aos poucos.

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