Brasil

O Parlamento brasileiro é um espelho da nossa grande mídia

Em sua vídeo-coluna semanal, Altamiro Borges comenta os desdobramentos do golpe parlamentar que destituiu a presidenta Dilma Rousseff e nesta semana completa dois anos.

Nessa semana, na sexta-feira, 31 de agosto, vamos ter dois anos da consumação do golpe que depôs a presidenta Dilma Rousseff, que foi aquela sessão dantesca, grotesca no Senado, que aprovou em definitivo o chamado impeachment.

Vários senadores mais sujos do que pau de galinheiro fizeram discurso em defesa da ética, contra a corrupção, e aprovaram uma ruptura democrática gravíssima no Brasil, o impeachment da presidenta.

De lá para cá, a impressão que eu tenho é que os golpistas perderam a batalha de narrativa na sociedade. Ninguém mais fala em pedalada fiscal, ninguém mais cita o que foi usado como argumento para o impeachment técnico da presidenta Dilma.

A cada dia que passa fica mais evidente no Brasil e no mundo que aquilo foi um golpe de Estado. Muitos estudiosos já tratam de definir melhor esse golpe. Trabalham com a formulação de que foi um golpe parlamentar, afinal de contas foi votado no Parlamento, judicial, porque teve como base o processo de judicialização da política no Brasil, seja da época do Mensalão, seja agora da época da midiática Lava Jato, e midiático. Então seria um golpe parlamentar judicial midiático.

Em certo sentido ele seguiu um roteiro que já vinha sido traçado aqui na América Latina. Em Honduras, em 2009, houve um golpe parlamentar judicial midiático. No Paraguai, em 2012, houve também.

Acho que essa caracterização é precisa. Inclusive diferencia dos golpes clássicos, militares, com canhão na rua, fechamento do Congresso, intervenção em sindicato. É um novo tipo de golpe. Eu só tenho um probleminha com essa definição: acho que ela não destaca o que é principal. Na minha opinião, o principal nesse golpe foi a mídia, ela foi a protagonista.

Sem essa mídia, não teríamos o Parlamento que temos no Brasil. Parlamento no Brasil é refém da mídia. A maioria dos parlamentares, com raríssimas exceções, morre de medo da mídia. Na verdade tem até uma esquizofrenia, um misto de sedução com medo. Vários adorariam aparecer no Jornal Nacional ou ser entrevistado nas páginas amarelas da decadente Revista Veja. É um processo de sedução. Acham que ao fazer isso garantem visibilidade na sociedade.

Ao mesmo tempo têm medo porque sabem que essa mídia monopolista, quando resolve bater no sujeito com muita virulência, a imagem dele se deteriora rapidamente. Mesmo que a acusação seja uma falsidade, depois vai ter uma erratinha que não vai adiantar nada. Vai ter um rodapé falando “erramos”.

Então a maioria dos parlamentares tem esse complexo de sedução e medo. Além disso, o Parlamento brasileiro não é só refém, é imagem, é espelho da mídia. Isso explica porque de 2010 para 2014, você teve o seguinte fenômeno: candidatos vinculados à luta sindical, a bancada reduziu pela metade, de 90 para 40 e poucos.

Em compensação, parlamentares vinculados à bala, à violência. Parlamentares vinculados à bíblia. E aqui eu não estou discutindo religiosidade popular. Estou discutindo mercadores de religião, são coisas diferentes. Seja a bancada da bíblia ou da bala, triplicaram.

Por que ocorreu isso? Porque o Parlamento é realmente espelho da mídia. Só se compreende porque a bancada da bala triplicou se se levar em conta os programas policialescos da televisão brasileira. E eu não estou discutindo os programas policialescos do eixo Rio-São Paulo.

Se você pega no Brasil inteiro a televisão brasileira, se você tropeçar nela, jorra sangue. É uma ode à violência. Então, você acaba criando e estimulando um ódio, uma insegurança muito grande. O que resulta na eleição desses parlamentares da bala.

E por que a bancada da bíblia, e volto a dizer isso não tem nada a ver com religiosidade popular, tem a ver com mercadores, por que ela também aumentou muito? Nós temos TV na aberta brasileira 5 horas e meia de programas religiosos. Onde pastores prometem curar todo o tipo de doença e te enriquecer.

É evidente que em um sociedade com tantas dificuldades, muitos desses são eleitos. E pastores que não têm nada a ver com a fé. São mercadores. É só ver como votaram todas as regressões de direitos trabalhistas, PEC da morte, nos últimos tempos.

Então, o Parlamento brasileiro é refém e imagem da mídia brasileira. E o Judiciário com essa sua escandalização com a judicialização da política. O Judiciário também é refém dessa mídia. Não é para menos que um juiz de primeira instância, sem grandes capacidades, questionado pelo meio jurídico, virou herói nacional.

Ele virou herói nacional, sem que a mídia questionasse um minuto sequer os métodos utilizados por ele em processos de evidente estado de exceção. Com vazamentos seletivos, ações coercitivas, com delações premiadas e premeditadas. Todos os abusos que foram cometidos contra o estado democrático de direito no Brasil não foram questionados pela mídia.

E um juiz virou herói nacional. Então se não fosse essa mídia, nós não teríamos esse judiciário no Brasil. Se não fosse essa mídia, nós não teríamos esse Parlamento no Brasil. É por isso que eu gosto da caracterização do golpe parlamentar judicial midiático. Mas acho que o principal papel coube à mídia.

A mídia é responsável por esse golpe que completa, no dia 31 de agosto, dois anos. Golpe que destruiu o Brasil, devastou a nação. E tem mal tratado tanto os trabalhadores e o povo pobre desse país.

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