Comportamento

Com quem estamos falando? Para quem estamos falando?


 
Por Ana Roxo
 
Hoje eu queria falar sobre uma questão de linguagem. A gente tem que retomar a inserção de todo mundo nas questões políticas. Acho que todo mundo acha que isso é importantíssimo e a gente não está conseguindo.
 
Então eu pergunto: porque a gente não está conseguindo? Será que é uma questão de linguagem? Será que a gente está conseguindo se comunicar com todo mundo? Principalmente, será que a gente está conseguindo se comunicar com aquele é o pobre de direita?
 
Existem pesquisas agora identificando o perfil do eleitorado ou o perfil de quem estava naquelas passeatas que a gente olha e acha meio pré-fascistas. E em geral, não são pessoas fascistas. São só pessoas que estão apartadas de um fazer político.
 
Será que elas não estão apartadas de um fazer político porque a gente não está se comunicando ou porque os jargões políticos, isto é, os jargões dos sindicatos, os jargões do movimento estudantil, os jargões dos parlamentares, não são complexos demais e cheios de siglas e cheios de palavras que as pessoas não sabem direito o que significa?
 
Ninguém sabe número de lei. As pessoas se referem a número de lei, gente, ninguém sabe número de lei. Só quem trabalha com isso, o cidadão comum não sabe. Mas o cidadão comum consegue entender discursos da direita que são discursos que usam ditados populares, que usam frases do senso comum numa linguagem popular, como: aquele ali pesa mais de sete arroubas.
 
Uma linguagem tosca, uma linguagem xucra, uma linguagem fácil. Como é que a gente facilita a linguagem sem emburrecer o discurso? Como é que a gente potencializa o discurso e potencializa o diálogo? O diálogo de igual pra igual, o diálogo importante atualmente. Como é que a gente consegue tirar as pessoas do transe neoliberal que elas estão, do transe fascista que elas estão?
 
Como é que a gente se comunica? A minha pergunta é: é uma questão de linguagem? A esquerda está nos lugares onde as pessoas precisam se apropriar do discurso da esquerda? A esquerda está nos presídios? A esquerda está na periferia? Ou estão as igrejas evangélicas? Não necessariamente com pensamento de esquerda, lembrando que religião é uma coisa, política é outra. Estão os pequenos empreendedores com suas ações privado-públicas, que não tem a exata dimensão do lugar privado e do público.
 
Quem está conversando com as pessoas? Porque a gente não está né? Como que a gente vai conversar? A sensação que dá é que a esquerda está dentro de ambientes altamente escolarizados com uma linguagem que, que sou uma pessoa, não altamente, mas bastante escolarizada, as vezes não compreendo, as vezes me sinto ignorante, as vezes, não consigo me apropriar.
 
Como a gente vai combater a burrice, se a gente não tem paciência com a burrice? Se a burrice é uma burrice imposta, uma burrice exclusória. Como a gente vai combater a exclusão se excluindo? Sem incluir o outro?
 
Eu acho que a gente podia começar pela linguagem. A minha tentativa nos vídeos é sempre falar mais básico possível. Como esse vídeo é básico. É um vídeo pra falar: acho que é uma questão de linguagem. Tipo, gente, vamos facilitar a linguagem.
 
Vamos ocupar os espaços que estão aí disponíveis e que estão sendo ocupados por gente com discurso conservador, discurso retrógado, discurso, em geral, racista, preconceituoso, homofóbico, misógino. Misógino, você sabe o que é? Misógino é assim contra a mulher, entendeu?
 
Vamos ocupar esses espaços.

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  1. Avatar

    Ana: vídeo formidável e muito importante, também. Compartilho dos seus questionamentos e peço licença para contar, aqui, uma experiência minha. Posso? Demorei três meses para compreender o texto da PEC 55; quando compreendi, adoeci. Depois que me recuperei, não suportei não fazer nada em relação a isso. Elaborei um panfleto simples, com linguagem cotidiana, tentando explicar o perverso mecanismo da PEC e saí pelas ruas, abordando pessoas, de forma personalizada, e conversando com elas a esse respeito. Percebi que algumas pessoas não compreendiam o texto, mesmo sendo simples. Então, construí a “Caixinha da PEC”, que é um jogo em uma pequena caixa de papelão que eu oferecia às pessoas para que elas pudessem entender o mecanismo de forma lúdica. Isso funcionou. A partir daí, consegui montar grupos com pessoas da comunidade em uma paróquia local e explicar o mecanismo da PEC por meio de uma dinâmica de grupo simples. Deu muito certo. As pessoas saíam de lá refletindo, se perguntando, às vezes indignadas. Nesse meu percurso, que durou de outubro de 2016 a janeiro de 2017, conversei com 3.500 pessoas e pude observar o seguinte:
    1) As pessoas não sabem o que é “esquerda” e o que é “direita”. Já tive oportunidade de dizer isso comentando outro vídeo seu. Elas simplesmente repetem jargões, mas não sabem, efetivamente, como se posiciona e qual a correlação de forças entre o Estado a iniciativa privada e o cidadão, na esquerda e na direita. Ao usar esses jargões, as pessoas conseguem se colocar, mecanicamente, em uma conversa e sentir que “estão por dentro”, o que lhes garante um sentimento de importância pessoal , que lhes basta.
    2) A possibilidade das pessoas compreenderem o que está acontecendo – mais especificamente, neste caso, o mecanismo da PEC 55 e seus nefastos efeitos a curto, médio e longo prazo – não depende, unicamente, do grau de escolaridade. Encontrei pessoas bastante escolarizadas e absolutamente alienadas em relação à situação surreal do país e, pasmem, encontrei pessoas sem nenhuma escolaridade, que não sabiam ler (precisei ler o panfleto para muitas pessoas analfabetas) que entendiam, raciocinavam e até se apavoravam com o conteúdo!!
    3) As pessoas não conseguem canalizar o ódio de outra maneira a não ser pela via oferecida pela direita, qual seja, as manifestações de rua organizadas para fazer o linchamento verbal de um suposto inimigo a ser combatido: “fora, fulano!” Esse ódio inunda o sujeito e impede que ele tenha condições de pensar a respeito do que ele escuta. Sem pensamento, resta repetir. Repetir o quê? Jargões.
    Em relação ao item 3, vou dar um exemplo: fui na manifestação do dia 04 de dezembro com os panfletos e uma cartolina pendurada no pescoço escrito assim: “Acordem, vocês são massa de manobra!” Eu estava, digamos, com o “sangue frio” e pude conversar e ouvir o que as pessoas pensavam. Entreguei um panfleto para um senhor, que estava indignado com tudo, xingando, vociferando, inclusive contra mim e contra meu panfleto. Perguntei a ele: “O senhor é a favor da PEC 55?” E ele: “Claro que sim! Tem que acabar os privilégios, tem que acabar a mamata!” E eu perguntei: “ O senhor não usa a saúde pública? “ Ele, com orgulho: “Eu tenho plano de saúde!”. E eu: “Ah, então está certo.”Conversa vai, conversa vem, ele me mostra a falta de seus dentes incisivos e diz: “Ó, estou banguela. Fui no postinho mas diz que só tem vaga para daqui há três meses! O jeito é esperar, né?” Veja a incoerência. Esse senhor nem sabe por que ou de quê ele está com ódio. Ele só estava lá, provavelmente, porque lhe foi oferecida uma via legal para descarregar esse ódio que o impede de pensar, de raciocinar e até de entender por que ele ficará banguela por mais três meses. Não preciso dizer que, no final da manifestação, quase apanhei e precisei me retirar do recinto, escoltada por três cidadãos.
    Suas perguntas são complexas, Ana; não é possível respondê-las frontalmente, mas precisamos muito pensar sobre isso.
    Grande abraço,
    Clá

    • Avatar

      Muitíssimo interessante e criativa a sua experiência. Reponde ao que Aninha (uma fofura,né? rs) diz e diagnostica no vídeo. Mas como fazer e tornar universal essa experiência e levar a todos os cidadãos? Lula e o PT, já escaldados, tiveram todas as condições de fazer uma comunicação de massa e legitimar suas ações no inconsciente dos brasileiros. Preferiu salvar a Globo em razão da participação do BNDES nos empréstimos. Além, é claro, da debilitada estratégia de Zé Dirceu em tratar o assunto. A comunicação de massa é que muda os padrões de conhecimento e reflexão das pessoas, pois é compartilhada com os vizinhos, amigos, família e por toda a sociedade. A questão da linguagem deve ser deixada a cargo de profissionais como você Clá (Clarice?). Gostei muito da sua postagem. Abraço.

  2. Avatar
    Sueli de Vasconcelos Pereira Nunes says:

    Claudia
    Considero correto e oportuno o tema do seu vídeo. Lembro que décadas atrás, o operariado que se filiava aos partidos de esquerda, através de cursos, debates conseguiam assimilar os grandes teóricos, ou no mínimo os pontos centrais do pensamento da esquerda e depois se reuniam com colegas de fabrica, pessoas simples e traduziam as grandes questões em uma linguagem , que todos entendiam. Uma vez assimilado, eles concluíam isso é inflação, isso é mais valia, isso é PIB, isso é ser da esquerda, e assim por diante. Acostumada com uma linguagem acadêmica eu me encantava da maneira como conseguiam passar conceitos e informações de uma maneira simples, quase infantil. Muitas vezes usei suas narrativas em sala de aula, para a garotada mais jovem. Foi um grande aprendizado. O papel e a atuação dos sindicatos eram fundamentais, pois nada como alguém do seu meio, que você vê como seu igual, que mora no mesmo bairro, trabalha na mesma fábrica, oficina, para encontrar a linguagem mais apropriada, para lhe explicar o que chega de forma tão complexa. Naquela época tínhamos uma militância engajada e atuante e com a Formação da CUT e suas Sedes Regionais, nelas se reuniam várias categorias profissionais o que resultava em uma troca muito rica e produtiva.isso tudo se perdeu no tempo e acredito que é momento de resgatarmos.Abraços!

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