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“Trumping Democracy” — Novo documentário esmiúça a vitória eleitoral de Trump

Quando Donald Trump perdeu por 3 milhões de votos mas ganhou no Colégio Eleitoral, o debate sobre o nosso sistema eleitoral tornou-se urgente.

Em 7 de novembro, o conselho editorial do New York Times publicou o artigo “Deixe o povo escolher o presidente”. Nele, propôs o pacto interestadual do Voto Popular Nacional como solução.

Agora, um novo documentário, “Trumping Democracy: Real $*Fake News*Your Data”, oferece insights que não apenas questionam o processo e a relevância do Colégio Eleitoral, mas também apontam para fatores perturbadores trazidos pela era digital.

O diretor Thomas Huchon, um jornalista e documentarista francês, mostra como informação não verificada – e desinformação – podem rapidamente viralizar na internet. Sua busca, pós-eleição, em entender como Trump chegou à Presidência o levou a examinar ferramentas digitais de última geração, dinheiro obscuro, e uma rede de atores inter-relacionados com objetivos ideológicos comuns.

No centro dessa configuração está o bilionário de hedge-fund e cientista de computadores Robert Mercer. (Sua filha Rebekah se tornou uma liderança no time de transição de Trump). Breitbart News, Steve Bannon, e KellyAnne Conway fazem parte, ao lado de David Bossie, conhecido por seu papel como presidente da Citizens United. Mercer foi um firme apoiador da alteração das regras para financiamento de campanhas eleitorais, que, por trinta e seis anos, restringiram doações individuais e corporativas.

Huchon divide sua história em três capítulos: Mentiras; Acobertamento; Manipulação (em tradução livre). As duas primeiras partes tratam de um material mais conhecido. É o último terço do filme que conecta os atores de uma forma reveladora e alarmante. Huchon dá voz a um grupo de especialistas das áreas de jornalismo, estratégia política, direito e tecnologia para chegar a conclusões inquietantes.

A narrativa começa com o retrato de um eleitor nova-iorquino de Trump, revoltado com a “mídia tradicional”. Ele recebe suas notícias de meios online, incluindo sites de “pseudo-notícias” que divulgam fake news como do suposto esquema de tráfico de sexo infantil conhecido como #Pizzagate.

Paul Horner, criador e divulgador de fake news, se dispõe a contar das histórias fictícias que publicou. Divulgado por veículos de direita, Horner fala sobre um post fictício que ele escreveu e que foi lido por Eric Trump, que retweetou com a hashtag #CrookedHillary.

A história de fundo do Breitbart News é delineada e definida como uma plataforma que promove o sentimento anti-imigrante e misógino, assim como conteúdo de supremacia branca. Um gráfico mostra como os leitores do Breitbart expandiram drasticamente em 2017 durante os meses de outubro e novembro, de 45 milhões de usuários únicos mensais para mais de 100 milhões.

Tad Devine, estrategista político, analisa a mudança na maneira como o público consome notícias, diferentemente da época em que três emissoras veiculavam o noticiário noturno. Ele enfatiza a “deslegitimação da grande mídia” por Trump. O pesquisador Ben Tulchin observa que os conservadores não acreditam no jornalismo do New York Times, do Washington Post ou da CNN.

Como candidato, Trump declarou que expressaria os fatos “clara e honestamente”. No entanto, o site não-partidário de checagem de fatos Politifact chegou a uma conclusão diferente. Mostrou que as declarações de Trump tinham uma taxa de veracidade de 4% e que 33% de suas afirmações eram na verdade falsas.

FoxNews e Breitbart ajudaram Trump a criar e propagar sua própria verdade. Trump pintou-se como a única pessoa que poderia “drenar o pântano” e tornar a América “vencedora” novamente.

Enquanto isso, por trás das cenas, o recluso Mercer aproveitou a oportunidade para colocar seus fundos ilimitados a serviço de sua visão extrema de governo limitado.

Esta parte é desenvolvida no segmento “Acobertamento”. Não por coincidência, as três entidades em questão compartilham o mesmo endereço em Los Angeles. São elas Breitbart News, Glittering Steel Productions e o hedge-fund Renaissance Technologies – onde Mercer era co-CEO. (Nota: Mercer renunciou na época).

Na RenTech, Mercer usou o algoritmo de negociação que ele inovou para fazer uma fortuna. Essa matemática se transformou em uma tecnologia para outros fins.

Mercer se tornou um dos principais bilionários no cenário político. Além de sua própria fundação familiar, ele financia uma série de think tanks conservadores. A jornalista do The Guardian Carole Cadwalladr dá a dica de como compreender a estratégia de jogo de Mercer: “Siga o dinheiro”.

Documentos fiscais mapeiam claramente os destinatários do apoio de Mercer. Sem surpresa, a Heritage Foundation, o Media Research Center, o Government Accountability Institute e o Heartland Institute estão na lista. Mercer também pagou por um anúncio contra a colocação de uma mesquita perto da localidade do World Trade Center.

Em 2011, Mercer investiu US$ 10 milhões no Breibart News, desenvolvendo um braço da mídia designado a promover seu ponto de vista. Steve Bannon assumiu o comando do Breibart e declarou publicamente seu objetivo de “desconstruir o governo dos Estados Unidos”.

À medida que as eleições de 2016 engrenavam, Mercer apoiou Ted Cruz e investiu US$ 13 milhões na campanha “Mantenha a promessa” de Cruz. Enquanto Trump dizimou seus oponentes, Mercer deslocou seu apoio para Trump – no valor de US $ 15 milhões.

Com grandes somas investidas em Trump, Mercer assumiu o controle da campanha em julho de 2016. Sua filha Rebekah se encontrou com Trump e ofereceu mais dinheiro – junto com os “talentos” de Bannon para liderar a campanha. Conway, anteriormente na campanha de Cruz, e Bossie, se juntaram à equipe.

Trump, alheio a interesses externos, não era mais remotamente sustentável. Pistas fundamentais de negócios escusos ficaram claros quando rastros de pagamentos tornaram-se evidentes ao analisar os registros arquivados na Comissão Eleitoral Federal (FEC, na sigla em inglês). Não houve pagamentos na campanha Trump para o salário de Bannon. No entanto, por meio de uma doação de Mercer, há pagamentos recorrentes à empresa Glittering Steel, administrada por Bannon. Em cinco meses, a produtora recebeu US$ 302 mil.

O Campaign Legal Center entrou com uma queixa alegando que a Glittering Steel é uma fachada para Bannon, ao observar que a empresa de Mercer e o Breitbart News ficam no mesmo prédio comercial.

A terceira e mais poderosa parte é a que Huchon vem construindo. Ele volta à sua pergunta original: Como Trump ganhou a eleição?

Essa peça do quebra-cabeça começa com a empresa de Londres, Strategic Communications Library (SCL). Sua missão é avaliar dados para determinar “o que impacta pessoas e como elas pensam”. Também conhecido como “operações psicológicas (PSYOP)”.

A SCL afirma que eles fornecem “planejamento e avaliação de influência comportamental” para clientes que querem “influenciar ou tratar de um problema”. Na lista de clientes estão instituições como a OTAN, o Ministério da Defesa britânico, a NSA e o Departamento de Estado dos EUA. Eles vendem sua atuação com o exemplo de como suas táticas ajudaram a promover a “assistência médica em Gana”.

O outro lado não é tão magnânimo. Esses métodos são implementados para manipular as pessoas sem que elas percebam; muitas vezes utilizados para criar um problema – para depois resolvê-lo. Instigada a organizar protestos na Nigéria em 2007, como assinalou Cadwalladr, a SCL “tem sido usada por regimes autoritários”.

A SCL iniciou uma filial “subsidiária” para gerenciar dados em 2013 chamada Cambridge Analytica. Eles se estabeleceram nos Estados Unidos e fizeram uma parceria com Mercer. Bannon tornou-se vice-presidente. Seu slogan era “A mensagem certa, na frente da pessoa certa, na hora certa”.

A Cambridge Analytica empregou a “modelagem de dados” se apropriando de dados pessoais disponíveis na web (idade, renda, endereço, religião, porte de armas), além de comprá-los de bancos, empresas de cartão de crédito e das gigantes de mídia social Google, Facebook e Twitter. Eles conseguiram acumular de quatro a cinco mil dados para 230 milhões de adultos nos Estados Unidos.

E é tudo legal.

Somados a isso há dados que determinam comportamentos e estilos de vida de consumidores, bem como opiniões políticas. Os traços de personalidade de “abertura, conscienciosidade, extroversão, amabilidade e neuroticismo” (OCEANO) são calculados. A micro-segmentação comportamental revela o que “motiva” os indivíduos – para influenciar o seu voto.

O especialista Michal Kosinski explica dados digitais e perfilamento psicológico. Ele criou um teste especificamente para o Facebook e explicou como os “Likes” do Facebook podem criar uma avaliação precisa das opiniões religiosas, política, orientação sexual, personalidade e inteligência do sujeito.

A Cambridge Analytica ofereceu seus serviços a Trump, que não se interessou até saber que eles haviam trabalhado na bem-sucedida iniciativa do Brexit. Os dois se conectaram em junho de 2016. No final de julho, Trump havia arrecadado mais de US$ 6 milhões para a Cambridge Analytica. Outros US$ 5 milhões seriam disponibilizados.

O que esses dólares compraram? Uma tática baseada no entendimento de que Trump não teria chance de ganhar na contagem de votos. No entanto, se ele fosse atrás de eleitores indecisos em estados importantes, ganhar o Colégio Eleitoral era plausível. O objetivo era isolar democratas conservadores que pudessem votar em Trump e mira-los geograficamente – até seus CEPs.

De olho em Michigan, Wisconsin e Pensilvânia, a Cambridge Analytica concentrou-se nos indecisos definindo trinta e dois tipos de personalidade e determinando quais eleitores eram os mais vulneráveis às mensagens de medo e raiva de Trump.

Trump revisitou essas áreas geográficas antes do dia da eleição. Simultaneamente esse grupo demográfico de eleitores recebeu mensagens personalizadas no Facebook feitas sob medida para eles. Essas “postagens sombrias” desapareceram horas depois de aparecerem na linha do tempo do usuário especificado. Elas permanecem indetectáveis e sem qualquer registro – exceto no servidor do Facebook.

Funcionou. Trump conseguiu 77 mil votos nesses três estados decisivos.

“Trumping Democracy” foi lançado pela primeira vez na França, em junho de 2017. Durante a produção, a Cambridge Analytica recusou todos os pedidos de entrevistas.

Em outubro, a empresa foi convocada pelo Comitê Permanente de Inteligência da Câmara (HPSCI) para compartilhar seus registros, detalhando sua relação com a campanha de Trump.

A democracia pode não estar morta ainda.

*Escrito por Marcia G. Yerman, do Huffington Post

Assista aqui ao trailer do documentário, exibido no Canal Curta na sexta-feira (3).

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