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Espanha vs. Catalunha: Nocaute mostra os dois lados


Por Víctor David López
 
Os dois bandos no confronto Espanha vs. Catalunha
 
Estamos en Barcelona, a capital da Catalunha, em um dos dias mais importantes da sua história. Sem dúvida, o dia mais importante da sua história no século XXI. Ontem, no Parlamento Catalão foi votada a Lei do Referendo, o referendo do dia primeiro de outubro, o referendo da independência da Catalunha –um dos estados da Espanha–.
Hoje está sendo votada nesse mesmo Parlamento a Lei de Desconexão, o que aconteceria depois do referendo caso a opção ganhadora fosse o sim, sim à independência.
O Tribunal Constitucional proibiu o referendo depois da denúncia do Governo espanhol. Porém, o Parlamento Catalão (maioria independentista) continua o processo.
 
“Falar do exército, dos tanques e tudo mais é precisamente o que os independentistas querem.” [Societat Civil Catalana]
 
“Não é um processo de tiros, é um processo de votos, então é um processo civilizado.” [Asamblea Nacional Catalana]
 
É uma problemática histórica entre a Catalunha e a Espanha, mas que há dez ou quinze anos não estava entre as principais preocupações dos cidadãos da Catalunha. Uma deriva independentista nos últimos cinco ou seis anos acabou desembocando nesse dia: o dia da possível independência da Catalunha no próximo dia primeiro de outubro.
Como a problemática é muito complicada de explicar, vamos falar aqui no Nocaute com as duas partes, com as duas principais instituições, a que prefere a permanência da Catalunha na Espanha (Societat Civil Catalana) e a independentista (Asamblea Nacional Catalana).
A Lei de Desconexão da Catalunha inclui a criação de uma Receita Federal própria e, por enquanto, não inclui a criação de um exército catalão.
 
[Entrevista com o Mariano Gomà, presidente da Societat Civil Catalana].
 
Nocaute: O problema da independência é velho ou novo?
 
Mariano Gomà: Na Catalunha sempre existiu um pequeno setor da população, que era pequeno, que sempre pensou que a Catalunha tinha meios para ser independente da Espanha, porque é uma região com uma economia interessante, é a economia mais potente dentre as economias dos povos da Espanha; porque historicamente tivemos uma relação com a França por causa da nossa localização geográfica na fronteira, e o mediterrâneo; Barcelona tem uma aura especial em sua “capitalidade”; porque tem um idioma próprio, porque tem uma cultura tradicional própria também e esse é o velho problema. O novo problema é que, por uma série de circunstâncias determinadas, que por um lado são políticas, por outro a crise econômica e por outro lado uma série de fatores de desencontros entre os que foram governo da Espanha e os governos autônomos da Catalunha, chegaram a uma forte tensão ao ponto em que esse grupo, que sempre aspirou ser independentes, tem aumentado muitíssimo.
 
Nocaute: A Societat Civil Catalana faz autocrítica sobre como o confronto chegou a esse ponto?
 
Mariano Gomà: Uma das coisas que não foram bem feitas, por parte do governo espanhol, foi acreditar realmente que o governo ou os últimos governos da Catalunha iam ser leais com a missão que a Constituição lhes exige. Permitiu-se chegar a esses níveis de agressão ou de intoxicação ou de violência política, como a que vimos ontem no Parlamento da Catalunha, e ter-se permitido chegar até esse ponto significa que agora estamos em um momento muito delicado por causa de duas questões. A primeira: porque há que se evitar a todo custo que a convivência na Catalunha seja fraturada, porque todo mundo sabe que uma fratura na convivência desemboca em violência. O que não pode ser no século XXI, em uma região espanhola, europeia e mundial, é que surtos de violência sejam provocados dessa maneira. Esse é o primeiro risco grave que nós corremos. E o segundo problema é que, uma vez se consiga apaziguar essa situação de violência que temos, mesmo que essa agressão seja levada ao limite, vai custar muito tempo, muito tempo, reconduzir as relações entre o governo espanhol e o governo catalão; e vai custar muito tempo fazer com que esse setor que agora pede a independência se reduza a esse setor que a pedia há muitos anos.
 
Nocaute: Segundo a Constituição, o Senado poderia ditar ordens; e há quem fale sobre intervenção militar.
 
Mariano Gomà: Isso o governo espanhol não vai fazer. Pode fazer, mas não vai fazer. Nesse momento seria alimentar o vitimismo para poder gritar perante a comunidade internacional que o povo catalão é um povo atormentado, é um povo assediado, é um povo invadido, escravizado etc, etc.
 
[Entrevista com o Adriá Alsina, chefe de imprensa da Assemblea Nacional Catalana].
 
Nocaute: Existe suficiente ambiente independentista nas ruas de Barcelona, a capital da Catalunha?
 
Adriá Alsina: Acho que Barcelona agora tem muitas bandeiras do sim, você pode ver essas bandeiras nas ruas. Também está começando a ter publicidade do sim e dos votos, as campanhas estão começando. É preciso ver que o referendo vai ser no dia primeiro de outubro, ainda faltam algumas boas semanas para o referendo.
 
Nocaute: Há uma década, o independentismo não aparecia entre as principais preocupações dos catalães.
 
Adriá Alsina: Quando você pergunta qual é a sua primeira preocupação, é óbvio que sempre os assuntos grandes, da grande política, sempre estão mais atrás. O que não quer dizer que na Catalunha sempre houve uma grande maioria de pessoas que opinam, que acreditam, que acham que a Catalunha funciona melhor quanto mais poder o governo da Catalunha tem. E funciona pior quanto mais poder o governo da Espanha tem, o governo de Madri. É lógico que depois da guerra civil e de quarenta anos de ditadura, a maioria dos cidadãos catalães pensasse que o mais fácil era voltar ao arranjo como o que a Catalunha tinha antes da guerra civil. Isso foi o que se tentou. Mas durante quarenta anos, os últimos quarenta anos são a história de uma frustração. Quando os cidadãos da Catalunha aprovaram, ou quando uma grande parte dos cidadãos da Catalunha aprovaram a Constituição espanhola e aprovaram o Novo Estatuto da Catalunha, em 1977 e 1978, eles pensaram que aquilo era um ponto de saída pra ir melhorando, andando para um Estado Federal, um Estado onde a Catalunha, o governo da Catalunha, teria cada vez mais poderes. Mas acontece que do outro lado, a elite política de Madri achou que esse ponto de 1977/1978 era um ponto de chegada. Isso é o que leva a uma grande parte de cidadãos catalães, eu mesmo, a pensar nos anos seguintes. Se não podemos ter uma opção dentro do sistema, vamos ter que sair.
 
Nocaute: Quais seriam os níveis de votos e participação no referendo para proclamar, de fato, a independência?
 
Adriá Alsina: Em qualquer lugar do mundo se assume que um referendo se ganha quando você tem mais sins do que nãos. Isso aconteceu agora no referendo da Colômbia, no referendo do BREXIT, aconteceu em todos os referendos recentes em países democráticos que conhecemos. Quando você começa a falar de participação, de quanta participação você precisa, então você está dando um poder de boicote. Para aqueles cidadãos que acham que o melhor pra Catalunha é ficar dentro da Espanha, eles têm uma grande solução para acabar com o independentismo por bastante tempo: votar não e ganhar o referendo.
 
Nocaute: Então, 51%-49% = independência e 49%-51% = deixar de falar sobre a independência? Complicado.
 
Adriá Alsina: Quarenta e nove, cinquenta e um, cinquenta e um, quarenta e nove, assim é que funciona a democracia. Você pode dizer: se eu ganho com cinquenta e um contra quarenta e nove é muito ajustado. É verdade, mas também se você está dando esse poder de boicote a quem só tem quarenta e nove, a quem é maioria, também é uma situação completamente injusta. Significa que a minoria pode bloquear uma mudança que uma maioria quer.
 
Nocaute: Quatro políticos que lideraram a tentativa anterior de referendo (2014) foram inabilitados pelo Supremo: Artur Mas, Francesc Homs, Irene Rigau e Joana Ortega.
 
Mariano Gomà: Pequenas coisas que podem ir sendo feitas sem necessidade de fazer o que eles gostariam que a Espanha fizesse que é trazer os tanques [de guerra] pra Avenida Diagonal. Porque nesse momento é certo que se geraria um estado de violência sociomilitar que, de alguma forma, seria muito ruim.
 
Adriá Alsina: Nós não estamos aqui pra fazer um golpe. Nós queremos a independência pela via democrática, pela via do referendo que é a via que o governo catalão tem agora em cima da mesa.
 
Nocaute: A manifestação do dia onze de setembro, Dia Nacional da Catalunha, será mais uma vez uma mostra da força do independentismo, três semanas antes do referendo.
 
Víctor David López
#NocauteNaCatalunha

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