Aos olhos da Europa, o fim do golpista

Houvesse a estas alturas algum espaço para humor, eu diria que um ataque de modéstia me impede de repetir a frase de algumas mães de antanho: ‘Basta eu virar as costas, que vocês inventam alguma confusão’.
Pois é: estou em Fundão, agradabilíssima cidade da bela Serra da Gardunha, interior de Portugal. Vim dividir mesa, num festival de literatura, com uma jovem autora, Ana Margarida de Carvalho, e, honra para mim, com o grande mestre Helder Macedo.
E enquanto aqui vivo dias de sol da primavera amena, no Brasil o que se vive é uma tenebrosa sequência de dias de trevas. Participam deste encontro escritores de Angola e Moçambique, Portugal e Cabo Verde. Há também um grupo de espanhóis, professores de literatura em idioma português. E o autor brasileiro sobre o qual mais me perguntam é um poeta ridiculamente grotesco, chamado Michel Temer. Mas não é sobre seu ridículo livro de poesia que me perguntam: o que todos querem saber é quando ele cai.
Os jornais portugueses são implacáveis com o governo moribundo do ilegítimo. Na sexta-feira passada, dia 19, o ‘Público’, melhor jornal português, ostenta na sua última página um artigo de Rui Tavares, cujo título diz tudo: ‘Cabarés em chamas’.
Aqui ao lado, na Espanha, o ‘El País’, que continua sendo um dos maiores jornais da Europa, foi implacável e cirúrgico no editorial da mesma sexta-feira: com o título ‘Agonía brasileña’, diz com todas as letras que é preciso mudar a Constituição para que as eleições sejam antecipadas. Ou seja, ‘Diretas Já’.
Na França, o ‘Le Monde’ é claro: ‘Le président Michel Temer acccusé d’obstruction à la Justice’. E também diz que a situação vivida no Brasil é a de um ‘séisme politique’. Esse terremoto político é causado pela descoberta daquilo que o britânico ‘The Guardian’ descreve como ‘conspiração contra a Justiça’. Resumindo: o que se lê aqui é mais nítido, claro, contundente e honesto do que se lê aí. Uma das vantagens de estar em Portugal é ler, no nosso idioma, aquilo que não se lê nos jornais daí.
Bom exemplo disso está no mesmo ‘Público’ do sábado, dia 20, que tem como título de duas páginas dedicadas ao desastre golpista: ‘Corrupção, obstrução, organização criminosa: quando cairá Temer?’.
Eu bem que gostaria de conversar com o angolano Lopito Feijó sobre as tragédias de seu país e a beleza da poesia de Angola, e de ouvir do jovem moçambicano Amosse Mucavele como andam as novas gerações de seu país, e com muita gente mais. E não consigo: todos só me fazem a mesma pergunta que está estampada nos jornais. Quando cairá o golpista?
A grande questão, porém, é outra. O problema não é ‘quando?’, é ‘como será o amanhã?’.
Porque ou devolvem aos eleitores o poder de decidir, ou tudo continuará sendo desmantelado por outros golpistas, que continuam sendo muitos. Basta ler os editoriais de ‘O Globo’ para ver.
Diante do que se vê no Brasil, falar de literatura fica realmente difícil. Porque a história que se vive é tão vulgar, tão canhestra e tão cruel, que qualquer editor recusaria o livro, por excesso de previsibilidade e de debilidades de caráter dos personagens.