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Terroristas hoje, aliados amanhã?


 
Por Aline Piva
 
O exército estadunidense detonou, na última quinta-feira, a mais poderosa bomba não-nuclear do seu arsenal. É a primeira vez que uma arma desse tipo, apelidada como a “mãe de todas as bombas”, é usada em batalha. O alvo foi uma rede de túneis no Afeganistão, próximo à fronteira com o Paquistão, e que supostamente vinha sendo utilizada pelo Estado Islâmico (WikiLeaks revelou que os túneis foram construídos pela própria CIA, na década de 80, para minar o poderio Russo no Afeganistão).
Assim como no bombardeio à Síria, a mídia se apressou em endossar a manobra e Trump passou, no curso de pouco mais de uma semana, de um pária nos meios televisivos ao melhor presidente de todos os tempos – um comentarista da CNN, por exemplo, disse algo como “hoje Trump se tornou presidente”. A demonstração de força atrai simpatizantes de todos os campos políticos que, ao invés de questionar as características éticas, morais e humanitárias da ação, normalizam e até celebram o uso de armamentos massivos.
Três aspectos saltam aos olhos nessa ação. Em primeiro lugar, a escolha do alvo. O Estado Islâmico, que desde o início era uma força relativamente pequena dentro do Afeganistão, já tinha tido seu poder bastante degradado em ofensivas lideradas pelo exército afegão, a ponto de ter sido praticamente erradicado no país. Ou seja: o Estado Islâmico no Afeganistão é uma força marginal, especialmente se comparado ao poder de atuação e ao escopo do Talibã, o que indica que esse ataque é, novamente, muito mais uma mensagem direcionada aos estadunidenses, uma mensagem de que a luta contra o Estado Islâmico está sendo levada a sério – ainda que essa ação tenha efeitos mínimos.
Segundo: apesar do combate ao Estado Islâmico ter sido uma de suas promessas de campanha, a retomada do envolvimento direito dos Estados Unidos na região – não só com os bombardeios à Síria e ao Afeganistão, mas também com ações menos comentadas, como os ataques ao Iêmen -, tem feito com que apoiadores da base nativista de Trump comecem a fazer duras críticas à nova administração.
Por último, um tema que passou relativamente desapercebido. Ao ser questionado sobre se teria ou não autorizado diretamente o uso dessa bomba, Trump foi evasivo, afirmando que confiava no Exército e em suas decisões. Segundo um oficial da Casa Branca, entrevistado pela CNN, a administração Trump “tem se afastado” de ditar os rumos da estratégia militar – uma mudança que, de acordo com essa mesma fonte, tanto Trump quanto Mattis queriam. Trump teria, ainda, concedido ao comando militar maior liberdade para agir de forma independente em vários campos de batalha onde as forças dos EUA estão envolvidas. Isso pode indicar que agora os militares têm, potencialmente, carta branca para decidir os rumos e ações que impactam muito a política estadunidense e o balanço geopolítico da região – alguns dos efeitos secundários dessa ação no Afeganistão, por exemplo, seriam enviar um claro sinal de poder tanto à Coréia do Norte quanto à Síria, o que faz com que as grandes potências nucleares, como China e Rússia, venham para o centro do embate.
A chamada “guerra ao terror” já se arrasta por anos e anos. E, cada vez mais, “terrorismo” vem se tornando um conceito fluido: os terroristas de hoje são os aliados de amanhã, e vice-versa, ao sabor das opiniões de quem estiver encarregado dos rumos da política externa naquele momento. Mais guerras não vão acabar com os conflitos na região, mas certamente ajudam a angariar simpatias daqueles que lucram centenas de bilhares de dólares com esses ataques.
 

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