Mundo

Greves e lutas contagiosas dos trabalhadores


 
Víctor David López*
Todos nós, trabalhadores do mundo, deveríamos pensar uma coisa: sem organização, sempre vai ter alguém pronto para fazer o seu trabalho por um salário menor. Agora vamos ver o que acontece quando as pessoas se organizam. O Governo espanhol tem sofrido a mais histórica derrota na Câmara de Deputados nos últimos anos, e é por causa da greve dos trabalhadores da estiva nos portos espanhóis. Eles, 6.150 trabalhadores, lutam por conservar as boas condições trabalhísticas negociadas ao longo dos anos com as empresas do setor.
A intenção do Governo espanhol é mudar o procedimento atual para cumprir uma sanção da União Europeia que obriga a liberar o setor da estiva na Espanha, os trabalhos portuários e a contratação de trabalhadores. A principal consequência trabalhística da liberação do setor da estiva seria a eliminação do regime anterior. O Governo quer utilizar para isso um Decreto-lei, mas o novo Decreto esconde quase uma demissão coletiva subliminar nos próximos três anos. As novas empresas no setor não teriam que respeitar os salários, nem a antiguidade, nem os contratos dos trabalhadores da estiva.
A Câmara de Deputados, com o Governo em minoria e a forte pressão dos trabalhadores da estiva, votou contra o novo Decreto-lei. Os estivadores pedem, sobretudo, sub-rogação dos contratos, como acontece na maioria das vezes.
Qual foi a primeira reação do Governo após a derrota do Decreto-lei? Tradicional, clássica, quase ancestral: colocar os trabalhadores uns contra os outros. O porta-voz do Governo falava que o preço das exigências dos trabalhadores da estiva ia ser pago pelos demais trabalhadores espanhóis. Típico, muito típico. A população menos informada pode ser que até acredite nas palavras do porta-voz do Governo. Na realidade, a vitória dos trabalhadores da estiva é uma vitória do povo, a vitória dos trabalhadores espanhóis. Assim se conseguem as melhorias trabalhísticas, as melhorias dos direitos fundamentais.
A vitória momentânea dos trabalhadores deixou o poder desnorteado, e a mídia também. Sociologicamente é interessante escutar analistas e jornalistas chamarem greve de chantagem, chamarem condições trabalhísticas dignas, de privilégios. Só pra lembrar: a greve é um direito constitucional. E umas condições dignas de trabalho é uma obrigação do Governo. Os trabalhadores têm sofrido muito na Espanha nos últimos anos. Agora, aparece um grupo de trabalhadores que luta e tem lutado pelo salário deles, pelas condições deles, negociando com as empresas, assinando uma boa convenção coletiva, e temos que escutar coisas como que “o país não pode permitir um grupo de trabalhadores com um poder tão forte assim”. É tão insólito os trabalhadores terem poder que quando acontece, assusta.
Os governos têm isso bem estudado. O mais prático e simples é colocar trabalhador contra trabalhador, pobre contra pobre, contra os sindicatos. Assim é bem mais complicado o povo avançar. Só que a imagem do Governo espanhol ficou bem abalada. É óbvio que é a Europa quem dirige. Os trabalhadores da estiva oferecem diminuir em seis por cento o salário deles, em troca da sub-rogação dos contratos, mas o Governo diz que isso a Europa não vai permitir. O Governo só oferece boas condições para mil trabalhadores que estão perto da aposentadoria. E a guerra continua.
Agora, para a Europa e pro Governo espanhol, as palavras mágicas são: liberar o setor. As empresas atuais e outras novas poderão contratar trabalhadores fora do regime atual de contratação, fora das condições pelas quais os trabalhadores lutaram. Todos tranquilos, mão de obra não vai faltar. Sempre vai ter alguém pronto para trabalhar em troca de um salário menor.
O Governo espanhol tem medo do possível contágio da doença. Uma doença que leva os trabalhadores a lutarem pelos seus direitos, a aprenderem uns com os outros e a brigarem unidos.
 
* Víctor David López (Valladolid, Espanha, 1979). Jornalista, editor literário e escritor. Colabora na Radio Nacional da Espanha e escreve no jornal El Español. Trabalhou nos jornais espanhóis As, Marca e La Razón. É co-diretor da editora madrilena Ediciones Ambulantes, especializada em literatura brasileira e sobre o Brasil. É autor dos livros “Maracanã, territorio sagrado” (2014), “Brasil salta a la cancha” (prólogo) (2016) y “Brasil, Golpe de 2016” (prólogo). Twitter: @VictorDavLopez

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