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A crise na política francesa.

 

Por Christophe Ventura*

Bom dia a todos e todas, da França, de Paris.
Hoje vamos falar da campanha presidencial, mas mais do que da campanha presidencial vamos falar de uma nova fase política que vivemos na França, que podemos chamar de uma verdadeira crise de regime no nosso país.
Porque atualmente não há campanha presidencial, é impossível comentar ou analisar as posições, os debates, os partidos políticos, porque estamos assistindo a uma verdadeira crise dos grandes partidos políticos através da crise do partido de direita, Les Républicains, e de seu candidato, François Fillon.
Sabemos que François Fillon está no centro de uma polêmica muito forte que tem a ver com uma suspeita de corrupção contra ele e sua família, sua mulher. Achou-se um milhão de euros, mais ou menos, através de um sistema de empregos fictícios.
A Justiça chamou François Fillon – esta é a primeira vez na história de nosso país – para processá-lo provavelmente a partir de 15 de março. Quer dizer, antes da campanha e do voto dos franceses.
Esta seria a primeira vez que na história do nosso país um candidato ainda não eleito, poderia ter um processo judicial aberto contra ele, por esse tema de corrupção com dinheiro público.
Isso obviamente é muito emblemático, um caso que poderíamos definir como um caso paradigmático, mas é mais que isso. É realmente a ruptura muito clara entre o mundo da política, o mundo da representação política e a sociedade. E o povo, principalmente as classes populares que vivem tão dificilmente, de maneira tão dura com a austeridade e os problemas sociais e econômicos que vivemos na França como no resto da Europa.
E esse caso Fillon é a demonstração dessa desconexão total entre nossos representantes e a sociedade.
E ao redor dessa situação o campo político está totalmente vazio, não se pode avançar nos temas, nos debates, nas posições dos outros candidatos.
Não há campanha, a não ser que se fala somente do caso de Fillon, da divisão interna dentro da direita entre várias correntes que apoiam ou que querem fazer o Sr. Fillon renunciar. Mas no momento ele ainda é o candidato dessa direita em crise.
Tudo isso vai alimentar outro fenômeno: este fenômeno da crise, da desconexão entre a representação política e as populações vai alimentar provavelmente a força da extrema direita e da senhora Marine Le Pen. Que poderia aparecer de novo como uma opção para uma certa parte da direita, alguns setores da direita que estão muito radicalizados com a situação e que poderiam, afinal, eleger a senhora Le Pen. E vai fortalecê-la.
Com respeito à esquerda, a situação está também muito complicada porque ainda há uma impossibilidade de juntar-se o Sr. Hamon, do Partido Socialista e Jean-Luc Mélenchon, da France Insoumise. Por uma razão muito simples, não é como vemos nos meios de comunicação, uma questão apenas de personalidade, etc. Isso é muito superficial como análise.
A verdade é que o que acontece por trás são movimentos profundos da recomposição da esquerda francesa entre uma corrente, digamos, social liberal ainda muito forte no Partido Socialista (Hamon não tem a direção do seu próprio partido, é um candidato a bordo do Partido Socialista que foi eleito pelos simpatizantes, não somente pelos membros, foi gente da esquerda que votou nele, que é gente de fora do Partido Socialista) e Mélenchon, que agora tem uma força sólida, tem um espaço muito claro na França, e esse espaço se vive como o espaço de construção de uma nova força política que não quer trabalhar de jeito nenhum com os liberais que se chamam socialistas.
Esse é o jogo que está por trás, e apesar do que vai ser o resultado da eleição presidencial, as opções que se vão escolher, Mélenchon e Hamon, temos que lê-las através da construção do futuro da esquerda, inclusive se a esquerda terminará a eleição na oposição. O que é uma hipótese real.
Mas nesse quadro há um debate, uma disputa interna para construir uma liderança para a esquerda no futuro.
E hoje Mélenchon tem uma coerência, um programa e também uma relação de confiança com as pessoas, com as correntes e movimentos que o apoiam, o que agora lhe dá uma legitimidade e um posicionamento interessante para esse futuro.
Mas tudo isso no quadro da crise do regime. São condições terríveis, porque a campanha é inédita, não se entende bem onde vamos chegar nessa campanha, porque é uma confusão total. Mas são condições interessantes porque também se abrem oportunidades para mudanças, e são condições que olham para esses momentos onde as rupturas podem ocorrer para abrir processos que terão que ser acompanhados politicamente.
E nesse quadro as pessoas que têm coerência, que têm um programa, que têm propostas positivas para sair por cima da situação, podem representar um papel que não se pode ler agora.
Esse é o desafio que tem a esquerda, que tem Mélenchon, para se preparar para estar pronto para esta situação tão obscura.
Adeus, e logo falaremos disso também.
 

* Christophe Ventura é jornalista, redator-chefe do site “Mémoire des luttes” (www.medelu.org) e autor do livro “L’éveil d’un continent – Géopolitique de l’Amérique latine et de la Caraïbe” (Editions Armand Colin, Paris).

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  1. Avatar

    Qual o critério do moderador? Não entendi porque meu comentário foi rejeitado. Fiz apenas uma pergunta sobre um candidato que nao fizeram menção no texto e está de acordo com as pesquisas aqui na França em segundo lugar atras da candidata Marina Le Pen.

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