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“Eles não teriam que se tornar refugiados se os Estados Unidos não tivessem destruído seus países”.

Uma das primeiras ações de Donald Trump após sua posse como presidente dos Estados Unidos foi implementar uma ordem executiva que ficou conhecida como “veto muçulmano”. Essa legislação suspendia, por 90 dias, os direitos de livre entrada nos Estados Unidos de cidadãos de sete países predominantemente muçulmanos. A implementação da nova legislação foi suspensa por ordem de um juiz federal, mas pode ter efeitos que vão muito além da proibição de viagens. Nessa entrevista para o Nocaute, Raed Jarrar comenta o estado da administração de Trump e as consequências imediatas e de longo prazo da ordem executiva proposta pela administração Trump.
 

 
Raed: Meu nome é Raed Jarrar. Eu sou o gerente de Relações Governamentais com o Comitê de Serviços Amigos da América. É uma organização Quaker que tem 100 anos de idade. Nós temos sido operativos no Oriente Médio e em outras partes do mundo por muito tempo – no Oriente Médio desde os anos 1940. Muito do trabalho da AFC nos anos 40 e 50 estava relacionado coisas que nós estamos enfrentando hoje. Lidando com refugiado e imigrantes, especialmente aqueles que eram – as ondas de imigrantes no pós-II Guerra Mundial, por causa da Alemanha nazista e da guerra. AFC ganhou um Prêmio Nobel da Paz depois do nosso trabalho na Europa ajudando refugiados por causa da II Guerra Mundial. Também na Palestina, desde 1949, minha organização esteve envolvida na ajuda de refugiados e de pessoas desalojadas internamente. Então agora, em 2017, nós estamos lidando com uma situação similar, e há uma confusão tão grande aqui em Washington DC. Eu pessoalmente sou metade iraquiano, metade palestino. Há muitos membros da minha própria família confusos, eles me perguntam o que está acontecendo. Eles dizem: “você está nos Estados Unidos, você deveria saber o que está acontecendo”. E, para dizer a verdade, ninguém sabe o que estava acontecendo. As pessoas nos Estados Unidos não têm ideia do que está acontecendo. As pessoas em DC não tem ideia. Você sabe, as pessoas na Casa Branca não têm ideia do que está acontecendo. Há relatos confirmados de como assessores da Casa Branca não têm ideia do que está acontecendo. Muitas pessoas pensam que o próprio presidente, presidente Trump, não tem ideia se o que ele está fazendo agora é parte de um plano mais amplo, se isso vai ser levado a cabo, se não vai ser levado a cabo, isso foi suspenso agora pela Corte Federal. Se ele for levar isso adiante, ele precisa passar pela Corte Federal. Ele vai expandir os países banidos? Ele vai retirar o banimento? Ninguém sabe. Essa é a verdade do que está acontecendo. Ninguém sabe porque essa Casa Branca não tem precedentes. Essa Casa Branca é muito diferente de outras Casas Brancas, eles não têm ideia do que está acontecendo, não há experiência em conduzir um governo, não há entendimento de questões mundiais e isso é uma bagunça. Eu acho que o que está acontecendo agora é um exemplo de quão confuso e desorganizado esse governo será pelos próximos 4 anos.
Aline: Com o veto a muçulmanos, a ideia é que cidadãos de alguns países de origem árabe não poderão entrar no país. Mas há também outras sanções a esses países que estão sendo discutidas. Qual serão as consequências disso?
Raed: As consequências imediatas do veto a muçulmanos é que muitas famílias serão destroçadas. Famílias de iraquianos que vieram aos Estados Unidos não podem mais visita-los. Ou algumas vezes metade da família tentam vir visitar e eles estão presos aqui, você sabe, eles não podem voltar, eles não podem ficar… Refugiados da Síria banidos completamente. Então o efeito imediato são as restrições a viagens. E isso é uma via de duas mãos, porque agora muitos dos países que os Estados Unidos baniram de vir para cá, ou baniram seus cidadãos de virem para os Estados Unidos, estão também fazendo o mesmo para os Estados Unidos. Irã, por exemplo, ou mesmo o Iraque, passaram legislações que vão eventualmente banir cidadãos estadunidenses de ir para seus países. Então esse feito será sentido mais tarde por cidadãos estadunidenses. Agora, o efeito mais amplo, claro, é o “efeito desencorajador” que essa administração está enviando, para impedir pessoas de virem aos Estados Unidos. Então agora refugiados ao redor do mundo estão pensando “talvez nós devemos encontrar outro lugar para ir, talvez os Estados Unidos não sejam um bom lugar para nós”. Imigrantes ao redor do mundo estão pensando “você sabe, talvez eu deveria ir para o Canadá, porque os Estados Unidos não são muito hospitaleiros”. E isso não é uma coincidência, isso é também um efeito pretendido do que essa administração está fazendo. A administração está tentando mandar um sinal ao mundo de que esse é um país que não está dando acolhida a refugiados, é um país que não está mais dando as boas-vindas a imigrantes. E desafortunadamente essas mensagens têm sido ouvidas em alto e bom som. Então muitos americanos – inclusive eu -, estão tentando passar a mensagem oposta, você sabe, nós temos feito demonstrações nas ruas, nós temos trabalhado com oficiais do governo, com oficiais do Estado, com oficiais da cidade, para mandar uma mensagem oposta, que refugiados e imigrantes são bem-vindos aqui, que esse país vai continuar a abrir suas portas para refugiados e imigrantes enquanto tomando responsabilidade por nossas ações. Uma coisa que eles sempre dizem sobre iraquianos e sírios é que eles não teriam que se tornar refugiados se os Estados Unidos não tivessem destruído seus países. Então aceita-los não é um ato de caridade. É um ato de cumprimento da nossa responsabilidade moral. Então temos que ter isso em mente, que há uma grande distância agora entre o que muitos no público estão dizendo, muitos americanos estão dizendo “nós queremos que nosso país seja responsável”, e aceitar refugiados e imigrantes, e essa administração está dizendo o oposto.

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