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Eleições francesas: uma possibilidade de final entre Emmanuel Macron e Marine Le Pen.


 
Por Cristophe ventura*
Bom dia a todas e todos, de Paris, França, do nosso Velho continente ainda mais caótico. Onde se prepara o nascimento do novo mundo, muito caótico.
Esta semana vamos falar da situação na França, porque aconteceram coisas muito importantes esta semana, e é por isso que estamos um pouco atrasados com a crônica de Nocaute.
Porque era preciso esperar o domingo 29 de janeiro para se conhecer e ter novos elementos sobre a situação política do nosso país, através de dois eventos que afetam a direita tradicional francesa e também a esquerda social democrata francesa.
O primeiro evento foi o esperado discurso do candidato da direita tradicional, François Fillon, neste domingo 29 de janeiro. Que foi um discurso que teve uma mudança de contexto muito importante, porque o candidato da direita, que tinha uma popularidade e uma legitimidade muito fortes no seu próprio partido, enfrenta agora grandes problemas com respeito a uma suspeita de corrupção de sua esposa, Penelope Fillon, que cobrou meio milhão de euros como assistente de François Fillon. Mas se fala de uma suspeita, porque não há provas, no momento é só uma suspeita de emprego fictício – esse é o nome que tem esse delito na França. E que, apesar do que sairá das investigações, cria um problema, um escândalo que vai afetar muito a popularidade e a legitimidade do candidato Fillon, que sofre agora um desgaste muito grande de popularidade nas investigações.
Esse discurso, esse encontro que o candidato Fillon organizou não alterou muito, digamos, a suspeita e também a debilidade que parece ter esse candidato.
Portanto, há uma crise na direita francesa com esse candidato, e ele acha que esse escândalo parte de seu próprio campo político, de adversários internos que queriam afetar sua candidatura. O problema para ele é, quem será que pode se aproveitar dessa situação? Podemos pensar que podem se fortalecer ao mesmo tempo à sua direita Marine Le Pen, a candidata da Frente Nacional e Emmanuel Macron, o candidato Social Democrata Centro-Direita, digamos, que tem muito sucesso neste momento na França. E se desenha finalmente uma possibilidade de final entre Emmanuel Macron e Marine Le Pen.
Que seriam dois candidatos fora do centro do sistema, da centralidade dos partidos políticos tradicionais franceses.
São perspectivas, não são realidade, e além disso tem a dinâmica da campanha da France Insoumise de Jean-Luc Mélenchon que continua crescendo e poderia representar seu papel.
Mas desse lado precisamos ver o que aconteceu com as primárias socialistas que tiveram suas conclusões também no dia 29 de janeiro na França. E o candidato Benoît Hamon foi o grande vencedor dessas primárias de maneira muito clara e ganhou com cerca de 60% dos votos finais, dois milhões de votantes, mais do que no primeiro turno, contra o ex-Primeiro Ministro Manuel Valls que perdeu com 40% dos votos.
É uma vitória muito clara do candidato mais à esquerda, digamos, dentro do Partido Socialista.
É uma tripla boa notícia, a sua vitória: a primeira é porque é o fim, digamos, da opção neoliberal, esquerda neoliberal encarnada por Manuel Valls e seu legado do governo de François Hollande. É o fim da hegemonia, digamos, “social liberal” dentro do Partido Socialista. Isso é uma vitória muito importante.
A segunda boa notícia é que a vitória de Benoît Hamon significa também o fim da centralidade do Partido Socialista dentro da esquerda francesa. No futuro esse partido terá menos influência e poder dentro da esquerda, será uma corrente muito importante, mas não terá a centralidade, porque suas forças estão se dividindo entre o componente Macron e o componente France Insoumise.
A terceira boa notícia desta vitória é que Hamon finalmente ajudou, facilitou a volta de um imaginário muito forte de esquerda na França desde baixo, desde o povo de esquerda francês. Porque ganhou numa campanha com temas de articulações entre as necessidades e propostas ecológicas, sociais e democráticas frente aos mercados financeiros e à lógica autoritária e neoliberal e também atlantista.
E isso é uma notícia muito boa. Para alcançar seu objetivo, para conseguir esta vitória Hamon fez uma campanha muito inteligente e se inspirou muito nas propostas que existem fora do Partido Socialista. Principalmente dentro da France Insoumise, mas também em outros movimentos sociais e ecologistas. O êxito de Hamon é que ele pode impor tudo isso dentro do Partido Socialista.
Esta é uma grande vitória. Obviamente o povo de esquerda quer a unidade agora, entre todas essas correntes. Mas o problema é que Benoît Hamon tem que mostrar novas provas de sua capacidade de se unir com outras correntes da esquerda, porque ao mesmo tempo ele propôs uma aliança para uma maioria de governo a Mélenchon e ao candidato ecologista Yannick Jadot.
Mas ao mesmo tempo Hamon disse agora que suas divergências com Manuel Valls não são irreversíveis e que ele quer, digamos, reunir os socialistas do partido.
Há uma contradição muito grande, porque Hamon não poderá ser uma síntese entre a corrente direitista do Partido Socialista e a esquerda, e a dinâmica que começou com a France Insoumise.
E Hamon tem que escolher, afinal, entre duas opções : a primeira seria organizar a sobrevivência do Partido Socialista nesse contexto de agonia lenta, que é uma promessa para ele entre Mélenchon e Macron, e a segunda seria assumir finalmente uma bifurcação histórica e assumir uma influência menor, mas uma influência que poderia ser útil para se somar ‘a dinâmica da esquerda aberta pela France Insoumise.
Estes são os parâmetros que o Sr. Hamon tem que manejar e não será fácil para ele, porque obviamente sua vitória é o início de seus problemas também, porque as contradições internas do Partido Socialista estão sobre a mesa e ele será o homem, o dirigente, que vai escolher entre a preservação do passado e a possibilidade de contribuir para um futuro, pagando o preço da diminuição da influência de seu partido na nova via, no novo caminho que está avançando na França com a France Insoumise.
São, afinal, duas expressões, através do voto das primárias socialistas e do primeiro encontro de campanha de Fillon. Duas expressões da lenta crise estrutural que, no entanto, trabalha, que está mudando pouco a pouco o espectro político francês e que nos diz e nos indica que os partidos centrais ou que tinham a centralidade do sistema político nacional estão numa crise estrutural que vai se aprofundar.
Deste ponto de vista, a situação francesa é mais uma ilustração da situação que vivem todos os países europeus e que se encontra em todos os espectros políticos na Alemanha, Itália, etc, etc. Com a tendência de diluição, de desaparição progressiva da Social Democracia, que não pôde superar suas contradições e que está pagando o preço de sua estratégia de acompanhamento do neoliberalismo e austeridade no marco europeu, e de uma direita que agora tem uma concorrência muito forte com as forças populistas de direita que avançam e que estão comendo pouco a pouco essa direita do sistema.
Esta é a situação que temos aqui na França e continuaremos na próxima semana com o acompanhamento de todas essas dinâmicas, ao mesmo tempo caóticas mas muito interessantes, que abrem vantagens e oportunidades para a construção de um novo futuro.
Tchau.
 
Christophe Ventura é jornalista, redator-chefe do site “Mémoire des luttes” (www.medelu.org) e autor do livro “L’éveil d’un continent – Géopolitique de l’Amérique latine et de la Caraïbe” (Editions Armand Colin, Paris).
 

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