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Deportação do físico Adlène Hicheur expôs a fragilidade da democracia do governo Temer

Vídeo 3 – deportação de Adlène Hicheur

 
 
Por Roberto Leher*
O período das Olimpíadas mobilizou a atenção mundial para Rio de Janeiro e para a programática das cidades. O que significa recepcionar uma Olimpíada, os gastos públicos envolvidos, em suma, remoções. Há toda uma serie de reflexões feitas, sobre os significados das Olimpíadas para as grandes cidades. E também, obviamente uma reflexão sobre o esporte, para aonde caminha o esporte, a problemática enfim do alto desempenho que gera todo um complexo vinculado, inclusive a doping né… Então isso foi um período de debate muito intenso na sociedade brasileira, no Rio de Janeiro em particular. E nesse ambiente pré-olimpíada emergiu com muita força o tema da segurança e particularmente o tema do terrorismo.
É importante lembrar, que um pouco antes das olimpíadas do Rio de Janeiro, nós tivemos os terríveis acontecimentos né? Da cidade de Paris, da boate Bataclãn, e também outros atentados que aconteceram. Isso mobilizou muito a opinião pública mundial, os meios corporativos de comunicação trataram fortemente o tema do terrorismo, e havia uma indagação se o Brasil estava ou não preparado para lidar com essa situação de ameaças terroristas.
Estranhamente, neste momento em que, o debate sobre terrorismo, sobre segurança, estava em circulação em diversos meios de comunicação, fomos surpreendidos com a deportação de um professor, visitante nosso, um pesquisador extremamente reconhecido, inclusive por prêmios Nobel na área de física, o professor Adlène Hicheur. Que sem nenhuma comunicação prévia, estava concluindo um artigo na sua residência, por meio de skype, conversando com pesquisadores de outros países, que elaboram o trabalho junto, inclusive pesquisadores de CNRS, onde ele já teve atividades como pesquisador reconhecido, e deram uma hora para que ele juntasse todos seus pertences e a partir daí ele seria banido.
Tão logo nós soubemos dessa terrível ameaça de deportação ao um membro da nossa comunidade, nós como reitoria, entendemos que deveríamos assumir uma responsabilidade.
Uma universidade é um lugar que abriga, é um lugar que recepciona e protege a liberdade de pensamento, a dignidade humana, os valores, enfim iluministas que forjaram a própria ideia moderna de universidade, é a Universidade Berlim, universidade Napoleônica, enfim são valores iluministas que sustentam a concepção de universidade.
E encontramos já professor o Adlène Hicheur no aeroporto internacional do Rio de Janeiro, sob os cuidados da Polícia Federal. E ali podemos presenciar a lógica terrível de criar uma mistificação em torno do tema terrorista, para fins que obviamente, não são fins legítimos de um Estado democrático. Basicamente uma criminalização antecipada, um pré julgamento porque o professor Adlène é de origem árabe.
Cabe destacar que, o professor Adlène, viveu processos muito dolorosos e difíceis na França, como professor e como pesquisador do CNRS, no momento em que ele também foi acusado sem fundamentação, de atividades terroristas, a comunidade científica mundial se mobilizou. Enfim, depois que ele teve todo o seus esclarecimentos e acertos com a justiça francesa, ele foi recepcionado no centro brasileiro de pesquisas físicas, como pesquisador visitante e pelo seu destaque como um pesquisador brilhante, como um pesquisador importantíssimo na área de física de partículas, ele foi convidado e foi selecionado (importante registrar) a partir de uma avaliação por uma comissão de alto nível da Universidade, como um pesquisador visitante, e é nessa condição que o UFRJ reivindica a presença do professor Adlène como um membro pleno da nossa comunidade acadêmica.
É importante destacar que, o professor Adlène, e isso ficou evidente no dia que ele foi deportado, estava sendo deportado sem nenhuma acusação, não há nenhuma pendência hoje na França sobre a situação do professor. Aqui no Brasil a sua situação estava completamente regularizada, o seu visto de permanência estava em tramitação lastreado pela renovação do contrato na UFRJ. Então, ele tinha um visto de trabalho, ele tinha vínculo de trabalho, não restava dúvida que a situação dele era regular, ele entrou no Brasil de forma regular, com visto de trabalho. A Polícia Federal não encontrou nenhum óbice ao registro dele, enfim, como pesquisador aqui no Brasil. Portanto, não havia nenhuma acusação. E de forma intempestiva o Ministério da Justiça, não se sabe exatamente em que nível de articulação com o governo francês, que também queria dar explicações de que fazia algo contra o terrorismo, e foi incapaz de prever e impedir que acontecesse aqueles terríveis acontecimentos na cidade de Paris, procuraram uma espécie de bode expiatório. Então, a França encontra um argumento para dar conta da opinião pública interna, e o Brasil para mostrar que tinha um verdadeiro compromisso contra o terrorismo, deporta um professor que não tinha nenhum e não tem nenhum registro que pudesse desabonar a sua permanência como pesquisador.
Este ato é de uma violência material porque destroça a vida do pesquisador, ele esta agora na França em prisão domiciliar, sem acusação. É importante destacar que ele tem nacionalidade francesa e argelina, ele optou, ele pediu à Polícia Federal, e nós tentamos interceder com nossa assessoria jurídica, e outras, que tentaram entrar em Brasília, com processo sem êxito, de que, ele pudesse escolher o país para aonde ele gostaria de ser deportado, uma vez que ele possui as duas nacionalidades. Obrigaram ele ser deportado para a França, para fazer esse show pirotécnico, midiático, que atinge a dignidade do pesquisador, mas afronta a autonomia universitária, e, sobretudo, cria um ambiente de intranquilidade, cria um ambiente de falta de confiança na estabilidade democrática em nosso país.
É importante registrar que diversos meios de comunicação, e, sobretudo, a comunidade científica mundial, se insurgiu contra a deportação sem provas, sem nenhuma acusação do professor Adlène.
A mais importante revista científica mundial, “A NATURE”, tem um editorial, onde faz crítica, e justamente chama a atenção, para a situação de fragilidade democrática existente no Brasil após a mudança de governo. Ou seja, a própria revista Nature está sustendo que uma deportação ilegítima coloca em dúvida a estabilidade e o funcionamento democrático da sociedade. Nós levamos esse problema inclusive ao ministro Kassab, da Ciência Tecnologia e Comunicação, que recepcionou, compreendeu a gravidade, se colocou a disposição de contribuir. E ainda existe obstáculos que são importantes no Ministério da Justiça, porque se o governo brasileiro revisar a sua posição em relação à injusta deportação do professor Adlène, a situação dele na França seria outra. Inclusive em uma audiência pública que aconteceu agora, em outubro, uma audiência pública perdão não, uma audiência do corpo judicial francês, justamente aventaram com a hipótese de que se o Brasil o recepcionasse, o processo dele seria extinto na França. Então, isto é algo que tem consequências humanitárias, para a dignidade humana, e sobretudo, para a ciência e não casualmente uma das mais prestigiosas revistas científicas do mundo, manifesta preocupação com os rumos da liberdade e pensamento e das condições de exercício da crítica em nosso país. E por isso, a UFRJ não permaneceu inerte diante deste fato, o Conselho Universitário se manifestou, a Reitoria está se manifestando , lastreada na posição do seu Conselho Universitário. Nós entendemos que de fato, o professor Adlène tem que estar junto a nossa comunidade, que este é o desejo da nossa instituição, e isto será bom para o país, porque vai contribuir para fixar uma imagem de que o país está aberto e isto está na Constituição Federal, a forte interação de pesquisadores estrangeiros.
Queremos que todos os pesquisadores estrangeiros que desejam estar no Brasil, que optem por contribuir, com seu conhecimento para a ciência no Brasil, tenham confiança que estão em um ambiente democrático, e que não vão sofrer prisões ou deportações arbitrárias. Então é um tema de grande relevância para a sociedade brasileira e para o futuro da ciência no país.
 
*Roberto Leher é biólogo, pedagogo, professor e o atual reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

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