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A boa notícia do novo mundo que nasce do Velho Mundo se chama Melénchon


 
De Paris, Christophe Ventura*
 
 
Da França, bom dia a todos e a todas. Aqui estão as notícias do novo mundo que está surgindo do Velho Mundo, do velho continente. E começamos com a França. Aqui estão acontecendo muitas coisas no plano político que nos mostram, nos confirmam que se vive uma crise muito forte, quase fatal, do sistema politico aqui na França, mas também em toda a Europa.
 
Esses dias aconteceram muitas coisas. Primeiro, dentro da direita houve uma surpresa: a vitória de François Fillon, que não foi prevista por ninguém. Não foi previsto pela mídia, por ninguém, o candidato foi Alain Juppé. Sarkozy perdeu de maneira definitiva e foi um forte golpe para ele. E Fillon ganhou, finalmente, de um modo, digamos populista. Quero dizer, ele foi o outsider das primárias da direita, e ganhou com um discurso assumindo sua posição digamos, de outsider. De antissistema, de que não foi o candidato da mídia, que foi o candidato do povo da direita, do povo que não se vê na televisão, que não se escuta na rádio, mas o povo real, o povo da direita tradicional que trabalha etc, por um lado.
 
Por outro lado, foi também a proposta de um programa de radicalização da direita e do sistema econômico para proteger-se e salvar-se contra sua própria crise. Isso foi determinante para sua vitória.
 
Fillon assume um programa de destruição final dos sistemas sociais na França. Digamos que é um golpe – é um programa de golpe contra o Estado, simplesmente. E sobretudo contra o Estado Social. Dizem, e me parece justo, que o programa de Fillon foi a proposta de uma espécie, digamos, de tatcherismo para a França. E isso é, ao mesmo tempo, um programa de radicalização e também um programa digamos, uma postura do discurso de outsider que foi muito eficaz nessa campanha.
 
Quem votou nele? Basicamente a direita tradicional francesa, com um componente religioso muito importante, o que é novo aqui. De novo, é o Partido Católico dos católicos tradicionais que está se mobilizando por detrás do senhor Fillon.
 
Por último, Fillon é o candidato do movimento conservador que houve na França há doze anos e que foi muito forte contra o governo de Hollande na questão do “casamento para todos”, como dizemos aqui. O casamento homossexual, que foi uma batalha muito forte e que finalmente produziu, gerou um movimento conservador muito forte na sociedade. Fillon é a figura simbólica dessa parte da sociedade francesa.
Por outro lado, no partido do governo, o Partido Socialista, a crise é fatal. Temos uma crise que, de maneira muito clara, significa a confirmação da morte da força propulsora da Social Democracia Francesa. François Hollande não conseguiu convencer seus próprios amigos a continuar, a participar de novo da campanha de 2017. Finalmente desistiu, e abre-se um momento de incerteza aqui nesse partido.
 
Porque ao mesmo tempo este partido se divorciou literalmente do povo, do seu próprio povo, que já não vota nele. As pessoas de esquerda na França estão basicamente em abstenção nas eleições. Não querem votar no Partido Socialista. E se entende por que. Porque o Partido Socialista fez durante cinco anos políticas de direita, cem por cento neoliberais. Sem dúvida houve algumas reformas progressistas no societal, como se diz aqui, como por exemplo o casamento homossexual. Mas no econômico e no social fez políticas da União Europeia e fez políticas neoliberais sem matizes. Portanto, continuaremos nessa crise se o Partido Socialista não encontrar a solução para achar um candidato que poderia de novo mobilizar a população de esquerda na França.
 
A surpresa vem de outro lugar. A surpresa na esquerda vem da candidatura e da campanha de Jean-Luc Mélenchon, que hoje está posicionado em primeiro lugar para ganhar o voto e a mobilização dos setores da esquerda, dos setores mais populares e dos movimentos sociais. Atualmente está fazendo sua campanha, uma campanha com a sociedade real, digamos, com caravanas, com visitas, com encontros com as populações francesas, em todas as cidades. E esta é uma onda profunda que se está preparando e não se sabe agora até onde poderá chegar a candidatura Mélenchon. Mas está avançando bem, e algo está acontecendo nessa parte da população.
 
Mas não sabemos se será suficiente para ganhar. E ganhar o que? Ganhar a possibilidade de derrotar a extrema direita de Marine Le Pen, que está muito forte, é o primeiro partido aqui na França. E temos um, digamos, centro político na direita que está dividido entre a Frente Nacional e François Fillon.
 
Este é o desafio que temos, a esquerda e os setores progressistas. Mas hoje, nesse caos que vivemos na França há também alguns pontos positivos e espaços que podem trabalhar e consolidar-se, fortalecer-se para ter uma posição muito forte na eleição que teremos em abril de 2017. Este é o panorama que temos atualmente na França e continuaremos nas próximas semanas com Nocaute para ver como avançam os atores e as propostas deste momento político francês.
 
* Christophe Ventura é jornalista, redator-chefe do site “Mémoire des luttes” (www.medelu.org) e autor do livro “L’éveil d’un continent – Géopolitique de l’Amérique latine et de la Caraïbe” (Editions Armand Colin, Paris).
 

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