Mundo

Peter Kornbluh fala sobre as relações entre os EUA e Cuba. Por Aline Piva


 
Bem, o presidente Obama é absolutamente responsável pelo grande avanço, pelo avanço histórico, na política dos Estados Unidos em relação à Cuba. Já fazem quase dois anos desde que ele e Raul Castro anunciaram simultaneamente que eles haviam concordado com uma troca de prisioneiros, e isso estava abrindo a porta para a normalização de relações diplomáticas e Obama prometeu fazer avanços na relação em geral, econômica e culturalmente também. E ele cumpriu aquela promessa. Cuba e os Estados Unidos reabriram ambas as suas embaixadas nos últimos dois anos, em Washington e em Havana, o presidente Obama foi à Cuba – eu fiz parte da equipe de imprensa da Casa Branca que foi com ele em março. Ele tem usado seus poderes no Executivo para abrir os canais para o comércio, viagem, construindo pontes culturais, econômicas e políticas entre Cuba e os Estados Unidos. Eu acho que o presidente Obama aprendeu as lições da longa história de conversas secretas com Cuba. Cuba não responde à demandas, não responde à abordagens arrogantes e imperiais dos Estados Unidos jogando poder por todos os lados. A Revolução quer ser independente, e as lideranças cubanas, os Castros, se apegaram a esse princípio. Obama entendeu que ele não poderia simplesmente demandar ou ordenar aos cubanos, que ele teria que adotar um tom respeitoso no diálogo com os cubanos. Nesses últimos dois anos desde o avanço nas relações, ele tem se apegado àquele tom respeitoso, e continuou usando os poderes da presidência para fazer progredir as relações entre os Estados Unidos e Cuba. Quão irreversível é isso, é difícil de dizer, agora que nós temos um tipo muito diferente de presidente assumindo a presidência em janeiro, mas, no momento, o principal legado do presidente Obama em política externa, além do acordo extraordinário com o Irã, é o avanço nas relações com Cuba.
 
Os Estados Unidos da América já avançaram seu principal interesse, não somente em relação à Cuba, mas em relação à toda a América Latina e ao resto do mundo, através de relações normais e civilizadas com Cuba. Oficias da Casa Branca tem apontado para os acordos para acabar com as hostilidades na Colômbia, entre as Farc e o governo colombiano, como um exemplo do que a normalização das relações com Cuba pode trazer – como você deve saber, Cuba organizou os encontros entre as lideranças das Farc e o governo colombiano em Havana. Eu acredito que o resto da América Latina está percebendo claramente a nova abordagem dos Estados Unidos a Cuba, então Cuba já não é mais um problema regional nas relações Estados Unidos – América Latina. Os negócios dos Estados Unidos expandiram, em termos de suas relações com Cuba – a indústria de viagens, a indústria de hotéis agora tem uma base em Havana, e tudo isso é parte do projeto desenhado pelo presidente Obama para expandir nossas relações com Cuba. Do lado cubano eles, pelo momento pelo menos, já não vivem sob a ameaça existencial histórica das classes do Norte, porque eles tiveram um presidente em Obama que disse muito explicitamente que eles já não estavam mais tentando derrubar o governo cubano, nem intervir militarmente, paramilitarmente, economicamente, politicamente ou de nenhuma outra maneira nos negócios cubanos. Nós queremos ter um diálogo civilizado com Cuba, nós queremos a normalização das relações com Cuba… Nós pensamos que esse relacionamento eventualmente terá impacto na sociedade cubana, no sistema político cubano, mas nossa intenção não é intervir nos negócios de Cuba. Então, para os cubanos, o tom da relação com os Estados Unidos mudou, a ameaça à segurança nacional com os Estados Unidos mudou essencialmente, e, é claro, comercialmente e economicamente, ter turistas estadunidenses indo à Cuba e negócios estadunidenses indo à Cuba tem ajudado Cuba a desenvolver sua economia de uma maneira que Raul Castro disse que necessitava ser desenvolvida, com um pequeno mas crescente setor privado, especialmente na área de turismo, apoiado e expandido pelo presença dos Estados Unidos – presença no turismo, presença com turistas, e negócios dos Estados Unidos. Esse processo começou, e qualquer pessoa que tenha viajado a Cuba regularmente nos últimos dez anos mais ou menos tem visto o impacto que essa evolução teve na economia cubana e na sociedade cubana.
 
Então, há dois cenários. Um cenário bom, e um cenário muito ruim. O cenário bom é que Trump é um homem de negócios. E é claro, ele ganhou a presidência argumentando que ele é o melhor, o mais importante homem de negócios de todos, que ele iria trazer os negócios, executivos, esse tipo de estilo gerencial, de volta aos Estados Unidos da América. O melhor cenário é que Trump, o homem de negócios, irá entender que relações normais, de negócios, culturais e políticas com Cuba é no melhor interesse dos negócios dos Estados Unidos da América – e o que é bom para os negócios claro, como ele gosta de dizer, é bom para a América. Trump, como nós sabemos por reportagens investigativas durante a campanha eleitoral, na verdade enviou secretamente emissários para Cuba na década de 90 para ver se ele poderia conseguir uma base para cassinos que ele tinha em Atlantic City em Havana. Ele contornou o embargo – aparentemente de forma ilegal – para fazer isso. Então nós sabemos que ele teve interesses em negócios no passado, e agora, claro, ele é presidente dos Estados Unidos em um momento em que, de fato, Cuba está, entre aspas, aberta para negócios desse tipo. Se eles concordariam, obviamente, como presidente, ele não vai ter cassinos Trump sendo desenvolvidos em Cuba agora, mas eu acho que ele certamente entende o poder dos interesses do comércio e dos negócios estadunidenses e tem a opção de continuar com o que Barack Obama e Raul Castro começaram, que é uma abertura comercial e econômica e relações diplomáticas com Cuba. O cenário ruim, que pode ser bem obscuro, é que Donald Trump usará a presidência como uma plataforma para intimidação para ser um “bully” de verdade em relação a Cuba, e para tentar intimidar Cuba a fazer o que ele quiser. Ele foi para Miami para tentar conseguir os votos dos cubanos-americanos, e, em certa medida, ele foi bem-sucedido, dizendo que todo o progresso que Barack Obama tinha feito em normalizar as relações com Cuba poderia ser revertido por uma ordem executiva e que ele, como presidente, iria reverter essas ordens, até que Cuba nos desse um acordo melhor. Umas das coisas que Barack Obama entendeu da história, que está nesse livro, Back Channel to Cuba, é que você não faz qui-pro-quo, você não faz acordos. Os cubanos não fazem acordos. E Obama basicamente disse, “eu vou tomar ações unilaterais sobre Cuba”, disse isso para Raul Castro, e você pode responder se você quiser, ou não, se não quiser. Ele não fez demandas, ele não fez toma lá, dá cá, ele não disse, você sabe, eu vou fazer isso e você aquilo, ele não demandou o que Bill Clinton chamou de “resposta calibrada” ou o que Kissinger chamava de “reciprocidade”. Ele basicamente disse “isso é no melhor interesse dos Estados Unidos, que nós sigamos em frente, e esperamos que vocês sigam conosco”. E os cubanos, até certo ponto, seguiram em frente conosco para normalizar as relações com os Estados Unidos. Eles sempre disseram que queriam isso, e relações comerciais normais também. Nós gostaríamos de ver o embargo ser completamente levantado. Mas o cenário obscuro é que Donald Trump vai deixar de lado as lições de civilidade, e fazer demandas, e começar a forçar seu peso, e o peso dos Estados Unidos, de uma maneira imperialista e arrogante, pela qual ele, francamente, é conhecido. E os cubanos vão responder, previsivelmente, seus sentimentos nacionalistas serão estimulados, eles vão responder com raiva e defensivamente e de maneira nacionalista, eles vão ser relembrados do que significa a revolução, de que Cuba não será manipulada pelos colossos no norte e essa retórica pode facilmente esquentar de forma muito rápida, e o medo, claro, dos que estão trabalhando na questão de Cuba é que um presidente dos Estados Unidos sensível e arrogante pode rapidamente intensificar um mandato hostil da retórica e da política em relação a Cuba, e isso, o esforço muito claro feito pela administração Obama para adotar um tom civilizado, nivelado, sóbrio, diplomático, nas relações com Cuba, e isso será simplesmente descartado.
 
O presidente Obama… Através da história das relações Estados Unidos-Cuba, que é dominada por agressões imperialistas dos Estados Unidos, você, a invasão da Baía dos Porcos, os esforços da CIA para assassinar Fidel Castro, o embargo para tentar, basicamente, estrangular a economia cubana e a sociedade cubana. Essa história tem sido acompanhada por conversas secretas entre praticamente todos os presidentes e Fidel e Raul Castro, por mais de 55 anos. E devido à sensibilidade política dessas conversas, muitos desses diálogos foram conduzidos de maneira secreta, e frequentemente por meio de intermediários – alguns deles muito famosos: Gabriel García Marquez, ou até mesmo o ex-presidente Jimmy Carter, que serviu de intermediário entre Fidel Castro e Bill Clinton, nos anos 90. Então, o presidente Obama usou dois de seus mais importantes assessores na Casa Branca, Benjamin Rhodes e Ricardo Zuniga, do Conselho de Segurança Nacional, para se encontrar secretamente com a delegação cubana no Canadá, em Roma, um outro país cuja identidade ainda é um segredo, por quase dois anos. E a delegação cubana estava composta por pessoas muito próximas, muito, muito próximas, de Raul Castro. Umas das coisas que provavelmente será dita ao presidente eleito Donald Trump nas próximas semanas, enquanto se dá o processo de transição, é sobre o status quo dessas conversas secretas, com quem eles têm falado, o que eles têm falado até esse ponto, e eu estou seguro que os cubanos estão enviando mensagens de que eles querem estar em contato com a administração, que eles estão dispostos a continuar com o processo de normalização que avançou tanto com a administração Obama. Umas das coisas que esse livro que eu escrevi com William LeoGrande mostra é que Fidel Castro enviou um tipo de “ramo de oliveira” para praticamente todos os presidentes eleitos, dizendo “nós estamos interessados em relações normais. Se você respeitar nossa soberania, nós podemos conversar sobre praticamente qualquer coisa”. E eu assumiria que uma mensagem muito similar está chegando através desse processo de conversas secretas para a administração Trump. Como Trump vai manusear, utilizar essas conversas secretas que ainda estão acontecendo, certamente segue sendo uma incógnita. Ele foi à Flórida durante a campanha para conseguir o voto dos cubanos-americanos linha dura. Ele prometeu a eles que iria rescindir todas as ordens executivas dadas pelo presidente Obama para abrir as portas para relações melhores, o que significa que ele irá tentar fechar essa porta, presumivelmente, e começar as negociações desde o princípio uma vez mais. Se ele vai mesmo fazer isso segue uma incógnita, existe uma boa quantidade de interesses cubanos-americanos em Flórida que seriam prejudicados se as relações agora começassem a evoluir negativamente no lugar de positivamente. Então haverá muito a ser considerado pelo presidente Trump. Então há potencial para que relações melhores continuem a evoluir, mas há também um grande perigo de que essas relações azedem nessa próxima administração.

Notícias relacionadas

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *