Marcilio Godoi – Nocaute https://controle.nocaute.blog.br Blog do escritor e jornalista Fernando Morais Fri, 12 Jun 2020 18:56:03 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=5.4.2 https://nocaute.blog.br/wp-content/uploads/2018/06/nocaute-icone.png Marcilio Godoi – Nocaute https://controle.nocaute.blog.br 32 32 Peleja de um brasileiro contra o dragão do covid https://nocaute.blog.br/2020/06/12/peleja-de-um-brasileiro-contra-o-dragao-do-covid/ Fri, 12 Jun 2020 18:55:59 +0000 https://nocaute.blog.br/?p=67151 Marcilio Godoi mergulha seus versos, seus novos poemas pugilistas num caldeirão infestado de cordel e tira lá de dentro soluções para enfrentar esse vírus maldito que não perdoa, mata milhares de pessoas na terra do sol.

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Marcílio Godoi

Marcilio Godoi mergulha seus versos, seus novos poemas pugilistas num caldeirão infestado de cordel e tira lá de dentro soluções para enfrentar esse vírus maldito que não perdoa, mata milhares de pessoas na terra do sol.

Peleja de um brasileiro contra o dragão do covid

Eu vou morrer de covid
só pra maquiar o dado,
depor ministro lesado,
derrubar o capetão.

Mas decidi repensar
morrer agora não dá:
vou morar no Canadá,
num caso de abdução?

Quero morrer logo, visse
que na morte eu me liberto
o caixão ainda aberto
eu já livre da opressão.

Mas se morrer, mãe me mata
vai dizer pra eu tomar tento.
Parei de morrer um tempo,
só pra mór de educação.

Então me veio um receio
acho melhor ir pro céu
dar baixa no meu papel
ir nascer lá no Japão.

De Antônio Conselheiro
Euclides só viu a morte
brasileiro é mesmo forte
mas é também cabra bão.
Mudaram as personagens
da seca, nosso destino
foi o inverno nordestino
quem matou o Lampião.

A tal Maria Bonita
é Maria Leopoldina
os cangaceiros sem sina
mataram Napoleão.
Quando já encomendado
meu corpo pelo sacana
pensei no caldo de cana
decidi morrer mais não.

Vendo o Jornal Nacional
a morte me veio à tona
de coronel ou corona
do fígado ou do pulmão.

Desisti de morrer cedo
quando vi a moça linda
que me acenava ainda
pro meu pobre coração.

Então piorou meu quadro
na refrega sexual
o bicho baixou meu pau
cortou a respiração.

Então virei foi defunto
quando gritaram AI5
da urna já ouvi o trinco,
Antônio das mortes, cão.

Eu tinha morrido, eu vi
e um batalhão de coveiros
que arrasavam o terreiro
me chamavam pro caixão.

E me fecharam à força
gritei de dentro da cova
eu vou morrer uma ova
não me dou extrema unção!

Garraram de me prender
Com pregos naquela vala
tapada à tapa e à bala
pra não ter ressurreição.

Trancado bati na tampa
pra turma do deixa-disso
lembrei-me de um compromisso
que eu tinha com a nação.

Bati na porta do céu:
que diabo é isso agora?
duvidei da minha hora
Bob Dylan do sertão.

Disse, eu não morri foi nada
vou é pegar um porrete
dar no fascista um cacete
fazer a revolução.

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Os outros 600 https://nocaute.blog.br/2020/04/21/os-outros-600/ Tue, 21 Apr 2020 14:06:34 +0000 https://nocaute.blog.br/?p=64269 Em seus novos e bem traçados versos, Marcílio Godoi pede pelo pão nosso de cada dia e também para que livrai-nos do mal, um mal para o país que tem nome e sobrenome.

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Marcílio Godoi

Em seus novos e bem traçados versos, Marcílio Godoi pede pelo pão nosso de cada dia e também para que livrai-nos do mal, um mal para o país que tem nome e sobrenome.

Oração dos
seiscentos reais

Dai-nos, Senhor, um auxílio emergencial,
algum ajutório, e nessa jaculatória
um PF ou um programa assistencial;

Fazei, ó Pai, que sejamos imunizados,
venha a nós algum presidente da república
com projeto de reconstrução dos estados;

Protegei-nos dos falsos pastores que querem
impor um dízimo cruel aos miseráveis,
aos que já nada têm, e até aos que devem;

Santificada seja nossa office-home
e livrai-nos desses filhos de chocadeira
que ora querem que morramos em seu nome;

Transformai a carreata dos escravistas
em cem mil cáfilas em linha no deserto,
sem um oásis de escravos negacionistas.

Oferecemo-vos as nossas quarentenas,
iluminai os broncopneumologistas
assim como enfermeiros em tão duras penas.

Armai-nos uns outros hospitais de campanha,
e que nos túmulos abertos se repousem
em paz aqueles que os males do Bozo apanham;

Respiradores mecânicos nos dai hoje
assim como nós costuramos nossas máscaras
mandai-nos EPIs, ressuscitai o conge;

Trazei de volta os nobres médicos cubanos
instalai sobre nosso solo as UTIs
que tem salvado as vidas de tantos hermanos;

Preservai o SUS e seus gratuitos remédios,
livrai-nos do mal da necropoliticagem
e dos ministros que só cuidam da Unimed;

Amém.

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A duração do exílio https://nocaute.blog.br/2020/04/10/a-duracao-do-exilio/ Fri, 10 Apr 2020 16:34:43 +0000 https://nocaute.blog.br/?p=63659 Um branco, um vazio, uma distância ou uma saudade enorme, que dói. O exílio tem formas e tempos. Pode durar uma eternidade como apenas um minutinho. Preste atenção nos poemas pugilistas de Marcílio Godoi.

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Marcílio Godoi

Um branco, um vazio, uma distância ou uma saudade enorme, que dói. O exílio tem formas e tempos. Pode durar uma eternidade como apenas um minutinho. Preste atenção nos poemas pugilistas de Marcílio Godoi.

A duração do exílio

O exílio pode durar uma tarde abafada
ou o tempo de uma louça branca,
enquanto se espatifa em câmera lenta
pelo chão da cozinha.

O exílio leva um inverno rigoroso para uns
e o susto de uma notícia ruim
ou trágica para outros.
O exílio é uma vida de martírio
e segregação para a maioria.
E uma sentença de morte lenta
para os mais desafortunados.

O exílio pode durar o tempo
de uma palavra dura,
dita de forma involuntária, mas cruel.
Mas na maior parte das vezes,
o exílio vai mesmo é exposto
na inflexão cortante do silêncio.

O exílio pode estar no intervalo da História,
naquela pausa em que a ela
já não mais pertencemos.
O exílio pode ser toda a existência
menos os dias em que podemos sonhar.
Nos outros, o exílio é o oposto da utopia.

O exílio muitas vezes está na fração
de segundo em que nos damos conta
de um grande fracasso, desilusão,
loucura, desonra ou solidão
irreversíveis sem amor.
O exílio pode estar pulsando
numa saudade inexplicável.

O exílio pode ficar numa doença incurável,
Ou ir num preconceito velado,
na incomunicabilidade imposta
pelos que nos expulsaram
de nossos direitos fundamentais.
O exílio está agora numa voluntária,
solidária quarentena.

Tantas formas há de exílio,
a mentira, o autoritarismo
e todos aqueles modos de fazer o outro
não mais caber neste mundo.

Um ente querido nos exila,
ao nos decepcionar.
Um político se autoexila
quando culpa, trai
ou oprime quem nele votou.

Quando condena sem provas um inocente,
ou quando se exime da verdade e das leis,
um tribunal também se exila da justiça.
Não se mede o exílio
apenas pelo território ausente,
pela terra interditada,
pela solidão do abandono
ou por qualquer isolamento
espacial, compulsório.

O exílio dura sempre o tempo
em que somos forçados
ou que nos forçamos a respirar,
por absoluta falta de alternativa,
na parte de fora de nós mesmos.
O exílio é não saber ao certo
quanto vai durar o exílio.

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Iso-lamento https://nocaute.blog.br/2020/03/20/iso-lamento/ Fri, 20 Mar 2020 18:27:17 +0000 https://nocaute.blog.br/?p=62342 Cada qual no seu canto, em cada canto uma dor. Marcilio Godoi, em quarentena, traça em seus novos versos a necessidade de aprender a ser só, a necessidade de aprender a só ser.

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Marcílio Godoi

Cada qual no seu canto, em cada canto uma dor. Marcilio Godoi, em quarentena, traça em seus novos versos a necessidade de aprender a ser só, a necessidade de aprender a só ser.

Iso-lamento

Em conversa muito íntima
com botões quarentenados
asceta, vi o futuro
a que estamos nós fadados.

Pareceu-me distopia
lembrar as ruas sem gente
e caminhões de cadáveres
sem uma guerra aparente.

Se essa febre não nos mata
talvez nos faça mais fortes,
teremos tempo de sobra
para encararmos a morte.

Podíamos ver o céu
refletir um mar de estrelas,
mas, a pino, o sol lá fora
não nos consentia vê-las.

E esse excesso de luz
que a nós nos impedia
saber dos corpos celestes
roubou-nos tal primazia.

Mas nessa noite viral
certo as estrelas virão,
e verrugas ganharemos
contando-as do colchão.

Veremos estrelas-paz
e de solidariedade,
as nebulosa da dor
no céu da nossa cidade?

Talvez nos brilhe um afeto
invisível ao contato,
não mais brilhará a luz
dos antigos acetatos?

Cometas de gratidão
satélites solidários,
a humildade possível
a um planeta temporário?

E nesse escuro ouviremos
gemidos vindos dos túmulos,
ao longo de nossa história
acumulada de acúmulos?

Da janela, ver-se-ão
abaixo, o asfalto chamando;
ou acima, a lua nova
solidão nos irmanando?

A saber, o exato tanto
dessa vida em pouca escala,
o que seremos no mundo
à medida que encontrá-la?

E nesse profundo instante
muito brilhante afinal,
pousará em nossos olhos
a estrela mais brutal?

Por alguns, será lembrada
na Terra, o resto dos tempos,
em outros, a estrelamor
surgirá do isolamento.


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Organização Mundial da Doença https://nocaute.blog.br/2020/03/13/organizacao-mundial-da-doenca/ Fri, 13 Mar 2020 17:20:56 +0000 https://nocaute.blog.br/?p=61913 Meu mundo caiu! A grana foi corroendo todos os nossos prazeres do dia-a-dia, foi corroendo a natureza, os lugares por onde andamos, os lugares em que sempre sonhamos ver e viver. Marcílio Godoi faz um check-up do planeta Terra e constata que ele está doente.

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Marcílio Godoi

Meu mundo caiu! A grana foi corroendo todos os nossos prazeres do dia-a-dia, foi corroendo a natureza, os lugares por onde andamos, os lugares que sempre sonhamos ver e viver. Marcílio Godoi faz um check-up do planeta Terra e constata que ele está doente.

Organização Mundial da Doença

O dinheiro contaminou o rio
o dinheiro contaminou o mar
o dinheiro contaminou a floresta
o dinheiro contaminou o corrimão
o dinheiro contaminou até a morte.

Contaminou o ar
contaminou os livros
contaminou as risadas
contaminou as crenças.
Contaminou os ponteiros, as horas
e depois contaminou o amor.

O dinheiro contaminou o meu retrato
o dinheiro contaminou as minhas lembranças
o dinheiro contaminou todos os ratos
o dinheiro contaminou nossas crianças.

Contaminou a sopa
contaminou a represa
contaminou a roupa,
contaminou a beleza.

O dinheiro contaminou você, o jornal,
como o botão do elevador, a maquininha do cartão
eu mesmo estou todo contaminado pelo dinheiro
o dinheiro contaminou tudo, o teclado, o mouse
o metro, a rima e o país de ponta a ponta.

O dinheiro contaminou até o contágio
de modo que este poema
todo contaminado
já não conta.

 

Este mundo ainda tem jeito

Não permita que o dinheiro
lhe roube toda esperança
a que ficou, do desenho da criança
de que este mundo ainda tem jeito.

Vamos, dê-me esse prato de sopa
e diga-me apenas isso
nesta noite escura e fria:
Olha, este mundo ainda tem jeito.

Este pão, esta coberta
sob o concreto da marquise
ou do grande viaduto
mais aquece a sua culpa
por não se saber inocente
de que a maior caridade
solidária entre os homens
é feita de decisões políticas
de programas de inclusão
de educação a todos os filhos
que desaprofundem o abismo
entre as nossas dignidades.
Este mundo ainda tem jeito?

Mas eu lhe dou este consolo
eu lhe concedo este pedido,
vejo que anseia por ele,
vamos, dê-me sua roupa velha,
esta esmola de moedas,
este naco de sabão
este velho colchão.

Que eu lhe deixo pensar, em troca,
que este mundo ainda tem jeito
que é por sua alma alta
e sua generosidade imensa
sua infinita doação caridosa
é que este mundo, todo desfeito
ainda tem jeito.

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Startup https://nocaute.blog.br/2020/03/06/startup/ Fri, 06 Mar 2020 19:11:54 +0000 https://nocaute.blog.br/?p=61488 Nesses tempos modernos, nesse Brasil encurralado, envergonhado, nesse país sem rumo e desgovernado, Marcilio Godoi consegue juntar as palavras e transformar em poesia o que bem poderia ser chamado de caos.

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Marcílio Godoi

Nesses tempos modernos, nesse Brasil encurralado, envergonhado, nesse país sem rumo e desgovernado, Marcilio Godoi consegue juntar as palavras e transformar em poesia o que bem poderia ser chamado de caos.

Startup

Tudo está em desequilíbrio.
Não é com você, é conosco.
A renda nos punhos, mal distribuída
os botões sem casa, as casas com botões
o colarinho imenso, branco
e a feição horrenda dos babados todos.

É quanto ao fluxo das energias vitais
à má utilização dos recursos
ao feng shui do planeta, ao furo
no planejamento da terraplana
operado pela masculinização escrota
de um mundo desacolhido, desassistido.

É, sei lá, esse climão
de calotas polares derretidas
e essa disfunção incontrolável
de mentorias mentirosas, de ocasião
A uberização dos afetos, a prevalência do não
e as máscaras dessa epidemia infecciosa, o dinheiro.

Não se preocupe, é só a individualização
desacordada, mas muito viva
do lucro feérico-estratosférico dos bancos.
E essa nuvem que não passa, de poeira radioativa
na mesa, na cama, na casa, na alma.
Na cidade e no campo das probabilidades.

O mundo não precisa de gurus
nem de ninguém que nos diga mais
e mais do que o mundo precisa.
Perdemos o coletivo,
perdemos o táxi na chuva.
E o amor nos mandou um Uber

para nos levar de volta pra casa
numa bicicleta sem asa
locada a preço de um lotação
já que, como as patinetes farialimers,
a gente agora tem um chipe, um cadeado
e um programa aplicado ao cartão.

O homem não passa de um gadget,
um equipamento com obsolescência
programada pelo capital aberto,
escancarado, arregaçado por bluethooth,
totalmente destituído de toque
sangue, veias ou poesia.

Mendigo S/A

Barracas de nylon se multiplicam pela cidade.
Na paisagem se irmanam, desbotadas,
aos caixotes usuais dos pedintes,
suas fogueiras de inverno, suas latas de óleo
suas garrafas de aguardente, seus cobertores
entes esparsos, autômatos em sua miséria zumbi.

Não, não são mais aparas de papelão
roupa rasgada, urina, cachorro sarnento.
Daqui se vê bem: são famílias
mulher e filhos, panelas, brinquedos
gente que já teve algum curso, algum recurso
algum chão, alguma parede, algum teto.

Agora moram acampados
banhando-se na água da enxurrada
na fonte do Palácio do Governo
penteando-se na sarjeta, na marquise.
Acima do chão, sob o céu desprotegidos
como debaixo do viaduto.

Quem passa pelo centro ou pelas bordas
das modernas capitais brasileiras
pode assistir aos espetáculo
da fome e da humilhação
dos novos milhares de moradores jogados
às ruas, à própria sorte, ao azar.

Refugiados em seu próprio chão
exilados em sua terra natal, empreendem,
sob o olhar desprezante e a baba gotejante
da polícia, ambulam habitando o absurdo
sombrio, cruel e meritocrático
da cidade privatizada e linda.

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Corona https://nocaute.blog.br/2020/02/28/corona/ Fri, 28 Feb 2020 15:12:04 +0000 https://nocaute.blog.br/?p=61142 Marcilio Godoi nos apresenta mais uma vez, versos vindos da sua safra de palavras escolhidas a dedo e com esmero. O resultado pode ser a frente e o verso, o vírus e o antídoto.

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Marcílio Godoi

Marcilio Godoi nos apresenta mais uma vez, versos vindos da sua safra de palavras escolhidas a dedo e com esmero. O resultado pode ser a frente e o verso, o vírus e o antídoto.

Corona

Eu vos coroo, ó, meus súditos
com mais esta carga nas costas
com mais este vírus de bruços
a tal doença coronariana.

Vós que tanto vos sufocais
ao longo de toda a jornada
pelas vias superiores,
nasais, respiratórias, mas sem ar,

eu vos dou agora a licença
pela qual vós tanto imploráveis
para que enfim todos possais
morrer definitivamente em paz.

Antídoto

Sobrevive agora, alegra-te,
entre canteiros de alecrim e sálvia.

Salva-te com mudas caladas
de suculenta e espinheira santa.

Cata os cocos, os cactos, os caquinhos
e teu palavreado mais insubordinado.

Livra-te do que não te respeita.
Conhece e exercita teu corpo.

Pratica o bondiismo, o boatardismo
e o boanoitismo, com todos a teu redor.

Tem sorriso ostensivo, confia
e ressoa o feminino

como alguém que leva
uma submetralhadora à tiracolo.

Anda desarmado.

Trata de teus ancestrais,
teus mortos, vivos em ti,

não falo só de avós.
De índios e macacos também.

Debulha e semeia os grãos
da micropolítica por onde passares.

Conversa, argumenta, ajuda.
Tem compaixão.

Junta grupos, dos mais heterogêneos
aos mais orgânicos.

Faz cafuné num bicho bebê
e inicia a tua compostagem.

Sem tantas postagens.

Promove organizações sindicais
conhece as abelhas nativas sem ferrão

vindas da África
ou do vale do arco-íris.

Come chipa com queijo minas, angu, chuchu,
quiabo e purê de banana da  terra.

Toma bastante chá de ursinho e te introduz
nas técnicas sustentáveis de bioconstrução. 

Ri. Namora. Goza.
De novo.

Respeita a autodeterminação dos povos.
Faz saudação ao sol, sente o cheiro das flores.

Faz pranayamas, piracaias,
dá beijinhos pra sarar e promove

a revolução já, exigindo em cada gesto
a imediata tomada dos meios de produção.

Guia tuas escolhas pela força da intuição
acredita no afeto, aposta nele

nas coisas sem preço nas sem valor algum
expresso em cifras e nas de incalculável monta.

Conta histórias, ouve mais ainda.
Reúne e seleciona o lixo

recicla, desacumula, desapega, reusa.
Ocupa e resiste. Incendeia um pneu no manifesto.

Saiba que tua essência será sempre
incontornavelmente mais política do que religiosa.

Mas respeita quem ora, procura entender
e até ora junto, como quem canta junto, e ascende.

Toma teu desespero e faz dele uma canção tribal,
num ritual de tolerância, sintonia, harmonia, amor.

E Ama. Sabe esse antídoto que te nutre de saúde.
E mata a sede de justiça, cura a doença do ódio

e a falsidade das máscaras que estiverem a teu redor.

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É carnaval https://nocaute.blog.br/2020/02/21/e-carnaval/ Fri, 21 Feb 2020 16:11:34 +0000 https://nocaute.blog.br/?p=60901 Marcilio Godoi dá o grito: Este ano vai ser igual aquele que passou. Muito riso, muita alegria, mais de mil palhaços no meio da rua. Pra tudo se acabar na quarta-feira.

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Marcílio Godoi

Marcilio Godoi dá o grito: Este ano vai ser igual aquele que passou. Muito riso, muita alegria, mais de mil palhaços no meio da rua. Pra tudo se acabar na quarta-feira.

É carnaval

Ver tanta gente alegre
seminua e afetuosa pela rua
não te faz te sentires um deles?
É carnaval!

Vai ver, quem sabe
tu não estás lá na esquina,
no corso dos sujos, cheirando loló,
jogando confete, sorrisos
no bloco dos lisos,
enrolado no calor da serpentina?

Vai, é o mais próximo
que tu podes chegar
do ideal coletivo
neste mundo individual.
É carnaval!

Os corpos suados se olhando,
se beijando, sambando
e jurando o amor eterno
de quatro dias.
Olha que foram suspensas
tanto a verdade
quanto a hipocrisia!

Pausa nos tempos violentos,
o carnaval é um jogo perigoso
do Santos de Pelé e Pagão
contra as milícias estaduais e federais
no meio de uma guerra civil.

Agora estão todos lá, na avenida,
e se acham lindos
em sendo lindos mesmo.
E se flagram felizes
por estarem felizes mesmo,
no pleno exercício do real
e se acabando de tanto transar
sem idiossincrasias.

Aproveita que na quarta-feira
já estarão todos de volta
às suas trincheiras.
As fantasias de combate
e as máscaras intolerantes
voltarão aos rostos duros
do nosso triste Brasil.

Por enquanto, aproveita!
Tua carne festejará a colheita
que infelizmente não veio
e teu corpo em impulso vital
inventará a sua narrativa impossível.
É carnaval!

Vai de tapa-sexo.
Vai de coturno ou pochete.
Vai de sandália e camisa havaiana.
Vai de Napoleão e camisinha.
Vai de Ali Babá, de odalisca,
de Emília, de sabugo de milho,
de saci, de dois papas.
Vai de ladrão, de santo, de apache, pirata.
Vai de parasita, de psiquiatra,
de psicopata. Vai de bacurau.

Vai do que bem entenderes.
Veste-te do teu ídolo sem medo
ou do teu algoz para maldizê-lo.
Vai do que te imaginas em sonho
ou do que, bisonho, nunca serás.
Estão suspensos todos os discursos.
É carnaval!

Só não vás de fiscal da vida alheia,
que a festa dura muito pouco
e não há lugar no desfile
para essa coisa feia,
o bloquinho do recalque
e do ressentimento.

 

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Palavraterra https://nocaute.blog.br/2020/02/14/palavraterra/ Fri, 14 Feb 2020 19:20:14 +0000 https://nocaute.blog.br/?p=60554 Em seus versos de um novo poema pugilista, Marcílio Godoi ecoa o nome de um país, outrora sinônimo de beleza e esperança, como uma terra em ruína, despedaçada, um triste Brasil.

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Marcílio Godoi

Em seus versos de um novo poema pugilista, Marcílio Godoi ecoa o nome de um país, outrora sinônimo de beleza e esperança, como uma terra em ruína, despedaçada, um triste Brasil.

Palavraterra

Brasil, teu nome
tantas vezes por nós enunciado
e era como se a graça das tuas seis letras
já nos fizesse mergulhar
por encanto em imagens de ouro
riquezas de prata e pedraria
de mata e bicho, de água e sol e fruto
de fantasia adentrando o sonho
a boca cheia, enorme no sorriso
de Apolo a Dionísio, o mel
como quem nomeia o paraíso.

E apenas por dizer teu nome
de árvore nativa, sanguínea,
despertava em nós as memórias
de opressão, desigualdades
mas igualmente vinha
o fragor de tuas lutas esperançadas.

E teu nome acendia outra vez
a miríade de doçuras, delícias
e a beleza pancromática
de teu povo alegre semeando
no campo e na fábrica
teu solo-mãe, ardente e gentil.

Brasil, mas agora a que nos referimos
quando dizemos teu nome,
essas duas sílabas-faca
apunhalando o nosso peito?

À covardia do silêncio?
Ao sono eterno dos explorados?
Brasil é só ignomínia, ignorância?
Brasil é só escuro?
Faz noite sem lua no Brasil?
Brasil está no esgoto, no aterro sanitário da história?
Brasil está no sangue da escória
das escórias do mundo?
Diga Brasil e dirás de um chão
infecundo, amaldiçoado.
Brasipalavra-nojo, madeira vermelha,
infestada de cupins e sofrimento.

Como pode um país
padecer tanto por tal e tão perversa
extensão de sentido?

Todo poema de protesto é aborrecido
duro e tolo de se ler
como instruções de segurança
bulas de remédios, contratos de aluguel
ou os termos de uso
de um aplicativo da internet.

Inflamadas peças acusatórias,
os poemas de desagravo
padecem de gritos incontidos,
têm a coerção didática do libelo
e insistem neste alerta claro,
na reparação que redunda
meio que em nada, diante dos fatos
que os ameaçam emudecer,
versos bradando afônicos
sobre uma caixinha de fósforos.

Poesia sem muitas chaves,
o poema que protesta
é vão e um tanto ingênuo assim
sem poder ser o arauto
que noticia o fim da guerra
que anuncia a paz
sem influenciar exércitos que partiram
nem abrigar em seu calor
aqueles que ficaram.

Mas está feito, todo feito
este poema-enfado
na esperança de que um dia
a palavra Brasil derive outra vez
seu malfadado sentido
e do martírio ao júbilo
volte a ser gritada com orgulho:
nossos corpos se abraçando na chuva
repetindo felizes, sem medo
nem trincheiras,
Brasil, Brasil, Brasil!

 

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O último Bolsominion https://nocaute.blog.br/2020/02/06/o-ultimo-bolsominion/ Thu, 06 Feb 2020 15:33:31 +0000 https://nocaute.blog.br/?p=60209 Quando o apocalipse chegar, o último bolsominion ainda terá forças para perguntar: quem elegeu o monstro? Nos seus poemas pugilistas, Marcílio Godoi mostra um país que não tem onde cair morto.

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Marcílio Godoi

Quando o apocalipse chegar, o último bolsominion ainda terá forças para perguntar: quem elegeu o monstro? Nos seus poemas pugilistas, Marcílio Godoi mostra um país que não tem onde cair morto.

O último Bolsominion

Não serei eu quem vai dizer
à legião de cegos
que elegeram o monstro
quem é o monstro.

Serão os famintos pelas ruas,
os excluídos com seu canto,
os bolsos vazios,
as crianças natimortas,
o país devastado,
a gargalhada dos banqueiros,
os corpos pelas ruas,
a desonra crescente.

Quem vai ordenar os argumentos
para o idiota que elevou um homem
vil, obtuso e psicopata
ao posto de liderança maior da nação
serão seus próprios filhos
sem creche nem futuro,
o incêndio na floresta,
a conta da farmácia,
a carta de demissão,
o contracheque (ou a falta dele),
o posto de gasolina,
o agrotóxico nas veias,
os ônibus em chamas.

Um último bolsominion vai implorar
a todos um mínimo sequer de lucidez.
Mas talvez seja tarde. Talvez ele se ria
tomado pela descrença nas leis
pela ausência de pactos sociais
pela falta de verdade nos códigos,
sob a loucura generalizada
de uma guerra civil
com a qual hoje ele ameaça
ao brincar de democracia.

Com seus velhos sem ter
onde cair mortos,
abandonados por raposas políticas
e juízes entupidos de dinheiro
com suas crianças em desespero,
sem garantia alimentar
elementar aos famintos,
perguntará o bolsomínion
ao deus mercado
por um prato de comida
e saberá, enfim, a selvageria.

E as perseguições de um Estado
perverso e entregue
não darão mais conta do desespero
por não haver mais
sequer um policial a quem recorrer.

Não serei eu quem vai empurrar
a grande ficha pra dentro
dessas cabeças ocas.
Vai ser um ato, uma decisão,
um agente do próprio governo.

E o último bolsominion viverá
para ver o efeito manada no caos.
E a cavalaria com que sonhou
voltar-se contra si.

Balada perdida

Dorme, dorme, pequena
que a mamãe tá no ônibus
tentando chegar em casa
e o papai foi morto
numa batida policial.

Dorme, pequena
que a cuca da vó tá fraca
e as pernas já não respondem
sem o remédio e a cesta
que o governo cortou.

Dorme, pequena, dorme
com um barulho desses lá fora
as botas e os dentes rangendo,
a vida morrendo, pequena
não abra seus olhos agora.

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