Brasil

Palavraterra

Marcílio Godoi

Em seus versos de um novo poema pugilista, Marcílio Godoi ecoa o nome de um país, outrora sinônimo de beleza e esperança, como uma terra em ruína, despedaçada, um triste Brasil.

Palavraterra

Brasil, teu nome
tantas vezes por nós enunciado
e era como se a graça das tuas seis letras
já nos fizesse mergulhar
por encanto em imagens de ouro
riquezas de prata e pedraria
de mata e bicho, de água e sol e fruto
de fantasia adentrando o sonho
a boca cheia, enorme no sorriso
de Apolo a Dionísio, o mel
como quem nomeia o paraíso.

E apenas por dizer teu nome
de árvore nativa, sanguínea,
despertava em nós as memórias
de opressão, desigualdades
mas igualmente vinha
o fragor de tuas lutas esperançadas.

E teu nome acendia outra vez
a miríade de doçuras, delícias
e a beleza pancromática
de teu povo alegre semeando
no campo e na fábrica
teu solo-mãe, ardente e gentil.

Brasil, mas agora a que nos referimos
quando dizemos teu nome,
essas duas sílabas-faca
apunhalando o nosso peito?

À covardia do silêncio?
Ao sono eterno dos explorados?
Brasil é só ignomínia, ignorância?
Brasil é só escuro?
Faz noite sem lua no Brasil?
Brasil está no esgoto, no aterro sanitário da história?
Brasil está no sangue da escória
das escórias do mundo?
Diga Brasil e dirás de um chão
infecundo, amaldiçoado.
Brasipalavra-nojo, madeira vermelha,
infestada de cupins e sofrimento.

Como pode um país
padecer tanto por tal e tão perversa
extensão de sentido?

Todo poema de protesto é aborrecido
duro e tolo de se ler
como instruções de segurança
bulas de remédios, contratos de aluguel
ou os termos de uso
de um aplicativo da internet.

Inflamadas peças acusatórias,
os poemas de desagravo
padecem de gritos incontidos,
têm a coerção didática do libelo
e insistem neste alerta claro,
na reparação que redunda
meio que em nada, diante dos fatos
que os ameaçam emudecer,
versos bradando afônicos
sobre uma caixinha de fósforos.

Poesia sem muitas chaves,
o poema que protesta
é vão e um tanto ingênuo assim
sem poder ser o arauto
que noticia o fim da guerra
que anuncia a paz
sem influenciar exércitos que partiram
nem abrigar em seu calor
aqueles que ficaram.

Mas está feito, todo feito
este poema-enfado
na esperança de que um dia
a palavra Brasil derive outra vez
seu malfadado sentido
e do martírio ao júbilo
volte a ser gritada com orgulho:
nossos corpos se abraçando na chuva
repetindo felizes, sem medo
nem trincheiras,
Brasil, Brasil, Brasil!

 

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