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Em Corpo Elétrico, classe operária vai ao paraíso se descobrir


 

*Por Matheus Pichonelli

Começou no último dia 26, a décima segunda edição do Festival de Cinema Latinoamericano de São Paulo, que é uma oportunidade para o público conferir algumas das obras que estão sendo feitas em diversos países da região e se aproximar um pouco desse público e dessa produção contemporânea e também de conhecer países muito distantes, inclusive dentro do Brasil.

Eu digo isso porque, logo na sessão de abertura, foi exibido o filme “Corpo Elétrico” , do diretor Marcelo Caetano, que conta a história dos trabalhadores, da nova classe trabalhadora, nova classe operária numa confecção, num galpão de fábrica no Bom Retiro em São Paulo.

Quer dizer, é um outro país dentro da própria cidade. Está aí do lado da gente. Nessa fábricas, as relações humanas se desenvolvem. Tem um pano de fundo ali nesse filme, que é, num momento em que a gente discute reforma trabalhista e relações entre patrão e empregado, por exemplo, o filme acaba atravessando alguma questões. Por exemplo as longas jornadas de trabalho, a fronteira nem sempre muito clara entre a exploração e a superexploração, a alienação do trabalho, a mecanização do trabalho.

Mas tudo isso é uma espécie de pano de fundo para uma outra abordagem, com a qual o diretor parece mais preocupado, que é como as relações humanas se desenvolvem nas brechas da relação trabalho/casa e casa/trabalho. A gente está falando de gente que passa mais tempo dentro do ambiente profissional do que com as próprias famílias, então é inevitável que elas formem um conjunto também familiar.

Outras questões contemporâneas acabam atravessando a relação entre esses colegas, amigos e de alguma forma familiares também. A questão de gênero, a questão da sexualidade, as questões afetivas e sobretudo das relações efêmeras na afetividade no trabalho. Em uma das cenas, o protagonista não consegue responder como ele vê a vida daqui a cinco anos. Você quer uma questão mais contemporânea do que isso?

Quando a gente fala de modernidade líquida, da nossa incapacidade de pensar além de um presente contínuo. Além de um projeto no qual a vivencia precisa acontecer naquele momento, naquele instante. A gente acaba perdendo tanto uma perspectiva de passado mas sobretudo de futuro também. Como a gente imagina a nossa vida daqui a cinco anos? Tanto no plano profissional quanto no afetivo.

Ele não consegue responder como vai ser a vida dele, mas a vida dele segue. Quer dizer, ele não sabe quem vai acordar na cama dele no dia seguinte. O filme trata dessas questões afetivas, mas para falar desse sentido de urgência que é comum a todos nós.

Mas pensando também na cidade como um espaço de acolhimento e de uma cidade que debate e que maltrata tanto a questão da diversidade, é uma cidade como São Paulo. Fundada na discriminação, nos estigmas. É uma cidade que, nesse chão de fábrica, nesses galpões, a diversidade se encontra.

Eu poderia falar sobre esse filme durante horas, porque me tocou muito. Marcou a abertura do festival, dá um indicativo do que o público pode encontrar no festival, tanto da cinegrafia de outros países quanto dessas produções que estão sendo feitas aqui do lado, nesses galpões de fábrica nos bairros operários, e que ao mesmo tempo são muito distantes de muitos de nós. É uma oportunidade para a gente conferir esse trabalho.

O filme entra em cartaz no dia 17, talvez a gente volte a falar sobre ele e a relação dele com outros filmes brasileiros contemporâneos, e podem vir surpresas. Esse foi uma boa surpresa, é um diretor que vale a pena acompanhar daqui em diante.

Para quem não teve oportunidade de assistir à estreia, dia 17 de agosto ele entra no circuito. Espero que renda debates como esse que estamos fazendo por aqui.

O festival vai até 2 de agosto. Para quem não é de São Paulo ou de Campinas, que vai passar alguns dos filmes, vale a pena conferir a lista de filmes e ver quando entram em cartaz ou quando passam a ser disponibilizados em plataformas de streaming.

*Matheus Pichonelli é formado em jornalismo e em ciências sociais e escreve sobre cinema. 

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