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O pai Trump que rechaça sua “filha” Europa e os últimos dramas da União Europeia.


Por Cristophe Ventura*
 
Olá, daqui do Velho Mundo, de onde está surgindo um novo mundo, porém, mais caótico.
Hoje vamos começar diretamente em nível europeu sem passar pela França como o fazemos sempre, porque estão ocorrendo coisas bastante importantes aqui, em nível europeu.
Desde 17 de janeiro o Parlamento Europeu tem um novo presidente eleito. Este Parlamento Europeu é formado dos quatro poderes políticos da União Europeia com o Conselho Europeu, que são os Estados e que tem o poder mais importante da União, também com a Comissão Europeia que não está eleita e que também tem um poder muito importante, é o tutor, digamos, dos tratados e do interesse superior da União Europeia. E tem muitos poderes, sobretudo no marco da competência econômica. E também o Parlamento Europeu, que é um parlamento que tem um poder , digamos, co-legislativo com os Estados, e que está representado às vezes como a instituição democrática que confirma a democracia à integração, porque é a única instituição eleita pelo sufrágio universal. Que na realidade é muito mais complicado porque o Parlamento faz parte dos poderes do consenso, digamos, da constituição europeia construída a partir de seus tratados que são os tratados da competência, do capital liberal, dos tratados, digamos, neoliberais e de austeridade.
Então, o Parlamento faz parte e debate dentro desse perímetro. É por isso que é mais complicado, porque são políticas que as populações não querem e quando as populações as rejeitam, todas as instituições, incluindo o Parlamento Europeu, não seguem as populações e continuam a aplicar as leis e regulamentos a partir de seus tratados.
E o quarto é o mais conhecido, que é a Corte de Justiça da União Europeia, que é uma corte que não é somente um poder jurídico. É também um poder legislativo, político, porque interpreta a lei a partir dos tratados, mas também faz a lei, diz a lei. De maneira mais avançada do que há nos tratados, mas a partir, digamos, dos princípios de seus tratados que são liberdade fundamental dos capitais, financeiros de livre comércio, etc. Então é uma corte que tem um poder enorme, como o veremos um pouco mais tarde, nesta crônica.
Então, voltando ao tema dessa eleição de um novo presidente. Porque o antigo, que se chama Martin Schulz, que é um alemão, queria sair para fazer política na Alemanha, e provavelmente integrar o governo de Angela Merkell. Martin Schulz é um social democrata, eu o digo, mas queria integrar a coalizão nacional com a direita alemã.
Saiu depois de dois anos e meio de mandato no Parlamento, porque nesse momento, em geral por uma tradição o presidente do Parlamento que normalmente tem um mandato de quatro anos, sai para deixar outro substitui-lo para terminar este mandato. É um presidente durante dois anos e meio que vem da direita, do Partido Popular Europeu, e outro da Social Democracia, por dois anos e meio. Isto é o que se chama uma correção entre a direita tradicional e os social democratas europeus, do Parlamento Europeu. Esta é a tradição, e obviamente nos diz muito sobre a corrupção, a função literalmente entre essas duas correntes a nível europeu, mas a partir dos níveis nacionais.
Acontece que desta vez ocorreu algo importante, porque é a primeira vez desde o ano de 79, ano da eleição do voto popular desse parlamento, que os social democratas se negaram a votar para esse novo presidente e decidiram propor outro candidato do campo da social democracia.
Foram dois italianos para esta eleição, o do Partido Socialista Europeu que se chama Gianni Pittella e o que ganhou, que se chama Antonio Tajani, que foi o porta-voz do Forza Italia, o partido de direita de Berlusconi durante os anos 90, e que foi também o comissário, isto é, o ministro da Comissão Europeia para o transporte e a indústria durante oito anos. É, digamos, um elemento, um produto da máquina comunitária do establishment da União Europeia. E ele foi o comissário, ele que fez a lei, o marco jurídico para a autorização dos motores diesel na Europa. E esse é exatamente o tema dos motores fraudados da Volkswagen, etc. Mas obviamente para ele não foi um problema deixar e facilitar a circulação desses motores que são muito perigosos, como nós sabemos, para a mudança climática, e que é um setor industrial que cresceu com uma fraude, literalmente, industrial.
Isso, só para apresentá-lo.
Então, os socialistas europeus disseram, não, não vamos votar nele, que é um cara do Berlusconi, etc. Mas, por que o fizeram? Ele disse ao candidato oponente, Pittella, Gianni: temos que mostrar que agora há uma diferença entre os socialistas e a direita. Porque se não o fazemos vão se fortalecer os partidos e candidatos antissistema que estão fora do perímetro do extremo centro, digamos, com a direita e os social democratas. E tem razão, obviamente.
Mas foi a comédia do poder, digamos. Não porque havia diferenças ou discórdias sobre os conteúdos, a orientação geral da União, não, não foi isso. Os socialistas europeus estão a favor do CETA, dos tratados de livre comércio, a favor de tudo o que produz a União com a direita. O tema foi somente para salvar um pouquinho a imagem pública da Social Democracia que está numa crise tão forte como sabemos na França, mas foi por isso.
É interessante comentar isso porque este novo presidente, primeiro não teve muito apoio, foi eleito pela direita, os liberais, e também a direita inglesa, o partido de direita e justiça, o partido de ultra direita da Polônia.
Então, não é uma coalizão que tem muito futuro, e poderemos ter outra paralisia dentro desse parlamento na Europa. É uma ilustração adicional da crise política e institucional digamos do sentido dessa construção através do momento da eleição do presidente desse poder.
Então vamos ver, porque essas coisas podem, nesse quadro de crise geral, facilitar ou acelerar crises de maior amplitude, com cenários políticos que poderiam, digamos, criar novos momentos no nosso continente.
Paralelamente o governo inglês está negociando ou explicando sua posição sobre o Brexit e a relação com a União. Na verdade o governo inglês disse que queria sair do Mercado Comum da União e que queria, digamos, assumir a ruptura com as decisões da Corte de Justiça da União Europeia. Isso é muito importante, porque apesar do que se possa pensar, da opinião sobre esse governo de direita na Inglaterra, é a primeira vez que um presidente de um governo diz – Não, não vamos aplicar as decisões dessa Corte de Justiça.
Então vamos ver também o que vai acontecer, porque agora há claramente um enfrentamento entre um Estado e outro poder da União, autônomo, a Corte.
Vai ser muito interessante acompanhar a evolução da União. Como se entende, é complicado se alternar a construção da União, mas se entende que são poderes ao mesmo tempo complementares, mas em competência, com poderes mistos, com poderes legislativos, políticos, mas também jurídicos.
São as contradições dos poderes da construção europeia, que são contradições que vão se aprofundar e dinamizar uma crise quando, a nível político, a legitimidade dessa construção for rejeitada pela maioria das populações.
Então, isso é o interessante em relação ao Brexit, e sobretudo de maneira adicional a grande crise conjuntural da União que tem a ver com a eleição de Donald Trump, nos Estados Unidos. Porque a União, filha dos Estados Unidos, no sentido que foi a relação atlantista, como dizemos, da União com os Estados Unidos, é genética na construção europeia. E agora teremos uma espécie de pai simbólico que rejeita sua filha, ao dizer, não quero te ver, vai embora, isso não é minha família. É o que diz Donald Trump, entre aspas. E isso para a Europa é um momento de choque total. E lamentavelmente nesse momento o que se pode é dizer que o tema militar, a defesa, são projetos para a Europa de amanhã.
E isso é muito triste porque obviamente não é uma visão sustentável e não é uma visão que corresponda às expectativas das populações. E além disso é uma expectativa que poderia, digamos, ter um desfecho perigoso para o continente e o mundo, porque sabemos que quando a Europa está se armando, quando a União decide, a Europa decide fazer do tema militar um tema central de seu perímetro comum de intercâmbios entre os estados, em geral isso termina muito mal na história.
Então são momentos graves e um pouco preocupantes, mas também com vantagens e oportunidades para mudanças, mudanças mais positivas.
Vemos isso em vários lugares na União, vemos na Espanha com o Podemos, que logo terá seu congresso, em fevereiro, vemos com Jeremy Corbyn, na Inglaterra, que hoje assume um papel de populista de esquerda, e na França, onde avança a campanha presidencial, no dia 22 de janeiro teremos o primeiro turno da eleição das primárias do Partido Socialista – em crise total também.
O que se diz nas pesquisas é que no final, na noite do segundo turno, dia 29 de janeiro, poderiam ganhar Benoit ou Arnaud de Montebourg, que são os mais esquerdistas do partido, na frente de Manuel Vals, o antigo ex-primeiro ministro de François Hollande. Montebourg e Hamon foram também ministros de governo de François Hollande.
Então é o que se diz, mas vamos ver o que acontecerá, no entanto uma coisa certa é que o candidato do partido Socialista, qual será esse candidato que está atrás de Mélenchon na esquerda para a eleição presidencial.
Então uma pergunta bem simples é, para que serve um candidato do Partido socialista nessas condições?
E a candidatura, a campanha de Mélenchon avança portanto, com encontros que se multiplicam em todo o país, iniciativas, um grande êxito nas redes sociais, há uma explosão, literalmente, nas redes, na mobilização para sua candidatura. É também um fenômeno totalmente inédito aqui na França, vamos ver se vai se poder converter em apoio eleitoral no momento da eleição presidencial.
Bom, assim está sendo lançada sua campanha e está em quarto nas pesquisas, depois de Le Pen, Fillon e Emmanuel Macron, candidato do centro.
Esse é o grande panorama político mas que ao mesmo tempo tem uma grande realidade transversal, às vezes nos partidos de direita e às vezes no Partido Social Democrata.
Então, tudo isso avança no quadro de crise que temos em nível europeu, e então teremos que seguir obviamente o que será o desenrolar dessa campanha francesa, e para nossa próxima crônica saberemos um pouco mais sobre as lutas internas nos partidos socialistas.
Tchau, Nocaute. Logo nos veremos.
 
* Christophe Ventura é jornalista, redator-chefe do site “Mémoire des luttes” (www.medelu.org) e autor do livro “L’éveil d’un continent – Géopolitique de l’Amérique latine et de la Caraïbe” (Editions Armand Colin, Paris).

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