O capitalismo se apoia na desigualdade; e, nos últimos anos, ela desembestou no país mais rico do mundo.
CAPÍTULO 2 – A ajuda à pobreza nos EUA, o país dos muito ricos
Parte 2 – Programas contra a pobreza não faltam; o sistema é que é o problema
Ser pobre é relativo: todos os anos, o governo americano publica suas “US poverty guidelines”, uma espécie de guia para definição do que é ser pobre no país. É uma tabela, com valores em dólares, do limite máximo de renda que a família ou o cidadão isolado precisa ter para ser enquadrado na categoria de pobre. O valor é definido pelo tamanho da família: para este ano, para a família de um só indivíduo, o valor é US$12.760 de renda anual; e essa quantia vai crescendo até US$ 44.130 anuais para a família de oito pessoas (é previsto um acréscimo de US$ 4.480 por pessoa a mais do que oito). A tabela vale para todos os estados americanos e tem ajustes especiais para os casos de Alasca e do Havaí.
Se é pobre, a família ou o cidadão podem ser enquadrados em algumas dezenas de programas de combate à pobreza. Vários dos ministérios do governo americano têm iniciativas desse tipo. O Departamento do Tesouro, que trata das finanças do país, tem quatro – por exemplo, o da Clínica para os contribuintes de baixa renda, o qual, por suposto, ajuda os pobres a preencher os formulários da Receita Federal lá deles, todo ano, para não pagarem impostos. O Departamento de Agricultura tem dez. Para as escolas, por exemplo, tem o do lunch, o do breakfest e o das férias (the Summer Food Service Program). Tem ainda um programa para as reservas indígenas; outro para os agricultores idosos; e dois especiais para crianças e suas mães. O setor do governo com o maior número de programas é o DHHS, Departamento de Saúde e Serviços Humanos. Nele está o Medicare, que procura ajudar, com subsídios e assistência técnica, aos pobres que não conseguem pagar seguro-saúde privado, o que é a regra no país. Está também o Medicaid, que ajuda a população de menor renda a pagar visitas médicas, tratamentos emergenciais, medicamentos de uso continuado. No DHHS estão ainda: um programa especial para os veteranos das guerras do país; e outro para ajudar donos de empresa com até 49 funcionários a organizar as contribuições para seguro-saúde de seus assalariados.
Como se vê, programa de combate à pobreza é o que não falta nos EUA. O problema, porém, é outro: é a renda e a riqueza acumulada. O gráfico reproduzido abaixo é de um artigo da Wikipedia, uma organização sem fins lucrativos cuja qualidade de informação é comparável à da Enciclopédia Britânica. Ele dá a distribuição de renda nos EUA a partir de cálculos feitos no terceiro trimestre do ano passado. No eixo vertical está a renda anual das famílias, em dólares. No eixo horizontal está a posição da família numa escala de distribuição de renda em blocos crescentes de 1%, sendo o de 0% a 1% inicial o dos mais pobres de todos e o último, do 99% ao 100%, o dos mais ricos de todos.
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O que o gráfico diz, quando examinado com atenção? De zero até cerca de 6% tem uma turma no vermelho, gente que não acumulou renda; ao contrário, ficou devendo no ano que passou. Nesse fundo de poço, na ponta vermelha à esquerda no gráfico, está o 1% do bloco dos mais pobres. Um número anuncia o valor da renda dessa turma: -US$ 80.620 dólares. Ou seja, um saldo negativo de US$ 80.620 no ano. E no extremo oposto, do grupo entre 99%-100%, onde estão os mais ricos, a renda é de US$ 10, 400 milhões por ano. Veja-se também onde ficam os US$ 44.130 que mede o limite para o cidadão ser enquadrado como pobre neste ano, de que já falamos. Ele está aproximadamente na casa dos 35% da população. Ou seja, um terço das famílias do país está na faixa oficial da pobreza.
A renda anual decorre em boa parte da riqueza acumulada [essa explicação é estranha: renda é um fluxo, enquanto riqueza é um estoque – o mais razoável é que o estoque decorra do fluxo]. Pelas contas já citadas, do terceiro trimestre do ano passado, a riqueza americana – bens, veículos, objetos pessoais, negócios, poupança, investimentos – somava 107 trilhões de dólares. Desse total, os 10% mais ricos tinham 70% e os 50% mais pobres apenas 1,6% [é claro: quem tem renda muito baixa não pode acumular riqueza]. Os mais ricos têm também as retiradas mensais, a título de trabalho, mais altas. Um funcionário médio de uma grande empresa precisa trabalhar mais de um mês para receber o que ganha em uma hora o seu executivo principal.
O problema da ajuda aos pobres não é, como pensam muitos, que o auxílio os torna indolentes e lhes roubam o ânimo que eles precisam ter para trabalhar e ficar bem de vida. Robert Reich, um economista que foi secretário do Trabalho no governo americano e fez parte da assessoria inicial do presidente Barrack Obama (2013-2016) divulgou recentemente um documentário intitulado Inequality for All, no qual afirma que 95% dos ganhos resultantes do tipo de ajuste econômico feito para tirar o capitalismo da sua última grande recessão, a de 2007-2009, foram para o 1% mais rico da população. Mais recentemente, diz ainda o artigo da Wikipedia, a Oxfam, uma organização fundada em 1942 e que hoje congrega uma centena de entidades empenhadas no combate à pobreza, publicou um estudo no qual mostra que as oito pessoas mais ricas do mundo, das quais seis eram americanas, tinham uma riqueza acumulada equivalente à do restante da população humana.
O próprio Fundo Monetário Internacional fez uma advertência nesse sentido em trabalho divulgado logo que o Federal Reserve, o Banco Central americano, desenhou o programa chamado de “quantitative easing” de ajuda aos “too big to fail”, aos grandes bancos que não podiam quebrar porque quebrariam o próprio sistema. Em síntese, o Fed disse que um dos seus resultados previsíveis seria a concentração de renda. A concentração está aí, como mostra Reich. Não é que a ajuda aos pobres não tem sentido. Ela serve a milhões de pessoas, mesmo num país muito rico, como os EUA. E, não se pode esquecer, a pobreza é relativa. Uma criança de 10 anos que não pode comprar um celular para jogar com seus amiguinhos é pobre. E muitos não podem. Hoje, 8 de julho, nas Casas Bahia, em oferta, um celular novo, dependendo do tipo, custa entre R$ 950 e R$ 2.800, que podem ser pagos em 10 ou 12 vezes, ou seja, entre perto de 100 e 250 reais por mês.
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