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Teich quer o óbvio: mais e melhores informações

Enquanto isso, apoiadores de Bolsonaro atacam pesquisadores que concluíram que a cloroquina não deve ser utilizada no tratamento da Covid-19.

O novo ministro da Saúde, Nelson Teich, disse durante seu discurso de posse, pronunciado na sexta-feira passada, que é preciso ter mais informação sobre a pandemia provocado pelo Sars-Cov-2, o novo coronavírus, e a doença que ele desencadeia, a Covid-19. “Ainda há uma pobreza muito grande de informações, o que leva a um nível de ansiedade e medo. Além da Covid-19, temos que trabalhar para administrar o comportamento da sociedade. Vamos trabalhar trazendo confiança por meio da informação de qualidade, planejamento e conhecimento, porque aí sim será possível achar uma solução”, declarou Teich

Obter informação de qualidade sobre a pandemia é algo buscado em todo o mundo. Pesquisas sobre o vírus, sobre remédios que poderiam ser empregados no tratamento da Covid-19 e sobre o desenvolvimento de uma vacina que previna a doença são parte dos esforços globais em andamento, que podem obter resultados de prazo médio e longo. Além disso, em escalas diferentes, países aplicam testes para tentar identificar os contaminados pelo vírus e os que, alcançados por ele, adquiriram imunidade, o que ajuda a planejar as ações de curto prazo.

No Brasil não é diferente, o que torna a manifestação do ministro sem maior efeito. “Teich falou sobre a importância de termos mais informações sobre o coronavírus. Isso é óbvio. Todos querem no mundo inteiro mais informações sobre o vírus e isso só se conseguirá com aposta maior na ciência, coisa que seu antecessor [Luiz Mandetta] defendia. O presidente [Jair Bolsonaro], contudo, é um negacionista da ciência em todas as áreas”, escreveu a jornalista Míriam Leitão em sua coluna, publicada pelo diário O Globo no último sábado.

Por aqui há registro de inúmeros estudos do mesmo tipo dos que se acham em desenvolvimento lá fora. A questão é que, até agora, no Brasil ou no exterior, há dificuldades em obter as tais “informações”, essencialmente devido à situação inédita que o Sars-Cov-2 provocou.

Um exemplo é o que ocorre na China, país onde surgiram os primeiros casos de contaminação pelo novo coronavírus e que parecia ter controlado sua disseminação. No último domingo, a província de Heilongjiang, situada no nordeste chinês e fronteiriça com a Rússia, registrou 61 casos de transmissão local, incluindo assintomáticos, informou o governo chinês. Os casos estão concentrados na cidade de Harbin. Isso, de alguma forma, parece contradizer o anúncio feito pela China no mês passado, segundo o qual a taxa de transmissão local – isto é, sem levar em conta os casos em que a infecção se deu a partir de pessoas vindas do exterior – estava próximo de zero.

Na última sexta-feira, mesmo dia em que o  Teich tomou posse, a Xinhua, agência de notícias oficial do país asiático, informou numa breve nota que o total de casos confirmados de Covid-19 na área continental chinesa até o dia anterior fora atualizado para 82,7 mil. Segundo Mi Feng, funcionário da Agência Nacional de Saúde, o número de mortos cresceu para 4.632. Isso ocorreu essencialmente porque as autoridades da cidade de Wuhan – onde a doença se originou –, na província de Hubei, alteraram os dados locais. O número total de casos confirmados cresceu em 325 para 50,3 mil, enquanto o de mortos aumentou em 1.290, alcançando 3.869, uma alta de 50% em relação ao dado anterior.

A notícia gerou imediatamente a reação do presidente dos EUA, Donald Trump. “A China acaba de anunciar uma duplicação no número de mortes pelo ‘Inimigo Invisível’. É muito maior que isso e muito mais alto que nos EUA, não chega nem mesmo perto!”, postou Trump, em sua conta no Twitter

A diplomacia chinesa respondeu ao dirigente americano. “Nunca houve nenhuma ocultação e não autorizaremos nenhuma”, disse Zhao Lijian, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores. Segundo ele, houve  “atrasos, omissões e imprecisões” nos registros  de mortes no início da epidemia, em razão da saturação dos hospitais”.

A ideia de que a recontagem do número de casos apresentada pelo governo chinês seria evidência de uma suposta ação deliberada para esconder suas dificuldades no combate ao coronavírus não foi compartilhada pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Maria Van Kerkhove, responsável pela gestão da pandemia na entidade internacional, declarou, durante entrevista coletiva realizada no mesmo dia do anúncio chinês que “é algo difícil de perceber durante uma crise, identificar todos os casos e identificar todos os mortos”. Maria explicou que, para gerar o novo balanço, as autoridades chinesas utilizaram dados não computados de funerárias, hospitais, laboratórios, prisões, clínicas e asilos. Segundo ela, é de se esperar que “inúmeros países se encontrem em uma situação similar, na qual terão de revisar seus registros”.

A revisão, aliás, chegou ao país governado por Trump ainda antes de alcançar a China. Isso porque a cidade de Nova York passou a contabilizar, devido a uma decisão adotada no meio da semana passada, mortes não provadas (aquelas cujos resultados dos testes não foi positivo), mas prováveis, o que elevou em 3,7 mil os óbitos ocorrido na cidade por causa da Covid-19. A informação foi divulgada pelo Departamento de Saúde novaiorquino. Com isso, o número de óbitos na cidade superou 10 mil. Em todo o país, são mais de 40 mil, informou a Universidade Johns Hopkins. E o país superou os 740 mil casos confirmados.

As dificuldades enfrentadas pelas autoridades de saúde para definir com precisão o número de infectados pelo Sars-Cov-2 e mesmo os óbitos provocados pela Covid-19 são muito grandes, como se pode avaliar. E no Brasil certamente não é diferente. O número de infectados divulgado pelo Ministério da Saúde (MS) é seguramente subestimado. Segundo uma das estimativas feita por pesquisadores, poderia ser multiplicado por 16. Assim, estaria próximo dos 600 mil. Contribui para a subnotificação o baixo número de testes realizados, decorrente da falta de material: a capacidade nacional de produção dos insumos para a realização dos testes é baixa em relação às necessidades atuais e a importação – da China, que concentra a produção mundial – é dificultada pelo enorme aumento da demanda global.

Leia também: O Sars-Cov-2 e a dependência internacional do Brasil

Para tentar traçar um cenário mais real da situação brasileira, o MS anunciou a realização de duas pesquisas, cujos dados – agregados a informações já coletadas pelo ministério – vão compor um painel que permitiria a tomada de decisões mais fundamentadas sobre as ações relacionadas à pandemia. “Sem esses dados mais claros, como a gente vai voltar atrás na orientação de isolamento? Sem ter um pouco mais de informação precisa para tomar essa decisão? Não dá”. A declaração é de Erno Harzheim, secretário da Atenção Primária à Saúde do MS. “A gente está preparando esses três mecanismos para ter um mapeamento mais completo e conseguir tomar as decisões de forma mais precisa e com mais segurança”, disse Harzheim a O Globo.

Um dos levantamentos é um estudo nacional coordenado pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Utilizando pesquisadores do instituto Ibope, serão realizadas entrevistas e testes rápidos para detecção de anticorpos da Covid-19 em aproximadamente 100 mil pessoas residentes em todas as unidades da Federação.

A iniciativa, ao que tudo indica, foi planejada ainda sob a gestão de Mandetta. Já Teich, se quiser uma “riqueza” maior de informação, precisará apoiar, como diz Míriam Leitão, os esforços de cientistas e pesquisadores. E esse esforço precisa incluir, por exemplo, alguma forma de enfrentamento de adeptos do presidente Bolsonaro. Como se dá no caso denunciado no último sábado pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) e pela Academia Nacional de Medicina (ANM), que condenaram em notas emitidas separadamente ataques sofridos por autores de um estudo que revelou o risco de efeitos colaterais graves em pacientes de Covid-19 tratados com cloroquina, a droga que o presidente da República indica como a solução para a crise atual.

O estudo foi feito pelo grupo Cloro Covid-19, composto de mais de 70 profissionais de instituições como Fundação de Medicina Tropical Dr. Heitor Vieira Dourado, do governo do estado do Amazonas, a Fiocruz, a Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e a Universidade de São Paulo (USP).

A nota da ANM afirma que, “apesar da repercussão favorável na comunidade médica e científica”, os pesquisadores “foram vítimas de acusações torpes e covardes, totalmente descabidas, inclusive com ameaças de morte”. Para a entidade, “o estudo foi desenhado e conduzido com respeito a todos os requisitos éticos e legais”.

Ficou muito claro desde a divulgação da pesquisa de onde partiu o ataque: o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-RJ) disse no Twitter que o estudo “causou 11 mortes após pacientes receberem doses muito fora do padrão”.

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