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Quem é Baltasar Garzón, o juiz que
 visita Lula na prisão nesta quinta-feira

O ex-presidente Lula recebe hoje, em sua prisão em Curitiba, a visita do juiz espanhol Baltasar Garzón. Abaixo publicamos um perfil de Garzón, escrito vinte anos atrás pelo editor de Nocaute, Fernando Morais, quando Garzón decretou a prisão do ditador chileno Augusto Pinochet em Londres. O perfil, publicado pela revista Playboy, é antecedido por um making of com os bastidores do trabalho. 

Ele mandou prender Pinochet

Fernando Morais

No final de 1998, minha mulher Marina e eu decidimos mudar de ares. Com o câmbio artificial a nosso favor, fizemos as contas e concluímos que dava para passar um ano – dois, quem sabe? – em Paris. Vendemos os carros e a motocicleta, juntamos as economias e lá fomos nós, rumo à França. Levei meus caixotes com notas, apontamentos, fitas gravadas e documentos, com planos de me dedicar apenas a escrever o livro Corações Sujos, que viria a ser lançado em 2000, nada mais. Semanas depois de iniciado o ano de 1999, nossos planos evaporaram: o dólar subiu para a estratosfera e levou consigo nosso projeto de um ano semi-sabático. Se quisesse continuar por lá, eu teria que trabalhar. Disparei e-mails para o Brasil avisando à praça que estava disponível. Passei a assinar uma coluna semanal na revista IstoÉ Gente e a fazer um miniprograma diário na Rádio Nova Brasil fm, de São Paulo, enquanto mandava pautas para o diretor de redação de Playboy, meu velho amigo Ricardo Setti. A Ferrari ia lançar um novo modelo? Que tal fazermos uma reportagem sobre essa “fábrica de sonhos”? Lá ia eu para Maranello, na Itália, escrever sobre automóveis. E se Playboy publicasse uma reportagem romântica sobre a Riviera Francesa? Toca para Nice e Saint-Tropez para ver como vivem os ricos de verdade. O que de longe pode parecer a vida que um repórter pediu a Deus na verdade era um duro retorno à rotina das redações, com horários rígidos e limites rigorosos de espaço – além de ser um trabalho que tomava o tempo de que eu tanto precisava para terminar Corações Sujos.

Desde o Brasil, eu já vinha acompanhando a surpreendente prisão, ocorrida em Londres, do ex-ditador chileno Augusto Pinochet. Além de contar com minha integral simpatia, o episódio me chamou a atenção para uma figura que até então estava em segundo plano: o autor do mandado de prisão, o jovem juiz espanhol Baltasar Garzón. Passei a ler o noticiário dos jornais europeus com um olho atento a qualquer reportagem, nota ou registro que fizesse referência a ele – não havia dúvidas de que se tratava de um personagem especial. Jovem, bonito, corajoso e cabeça-dura, ele atirava indistintamente em ditadores, guerrilheiros, torturadores de guerrilheiros, traficantes de cocaína e presidentes corruptos, onde quer que estivessem. 

Em uma lauda resumi a biografia de Garzón e enviei para Setti. Falamos ao telefone longamente e ele sugeriu que eu fosse a Madri para fazer um perfil do juiz. Só depois de a pauta ter sido aprovada, percebi que talvez não fosse tão simples chegar perto de alguém como ele, que além de ter-se convertido em alvo de refletores planetários, depois da prisão de Pinochet, era sabidamente um homem permanentemente cercado de medidas de segurança. Todos os telefones que me haviam dado como sendo dele caíam em secretárias eletrônicas sem qualquer mensagem de voz, apenas com um bip metálico. Jornalistas espanhóis meus amigos me desanimavam da empreitada, repetindo que ele não dava entrevistas, não gostava de jornalistas. Eu já estava pensando em sugerir outro assunto à revista quando li na edição européia do diário espanhol El País que Garzón tinha ouvido, no processo contra Pinochet, ninguém menos que meu velho amigo Emir Sader. Sociólogo e ex-exilado político brasileiro no Chile, dizia o jornal, Emir fora ouvido pelo juiz como testemunha de acusação nas investigações sobre a “Operação Condor” – associação clandestina entre os órgãos de segurança das ditaduras do Brasil, Argentina e Chile para caçar e eliminar presos políticos e opositores dos três países.

Liguei para o Brasil e consegui com Emir os telefones que lhe tinham dado para que fizesse contato com Garzón quando chegasse a Madri para depor. Certo de que aquela estava no papo, disquei o primeiro número: secretária eletrônica e bip, nada mais. O segundo, a mesma coisa, o terceiro, idem. Mais um e aquele seria o vigésimo recado que eu deixaria no gravador pedindo a entrevista. Mais uma vez o acaso me ajudaria: de passagem por Paris, a caminho da China, apareceu na minha casa um amigo, o jornalista brasileiro Eduardo Fernandes, dirigente da organização política mr-8 – Movimento Revolucionário 8 de Outubro, de orientação marxista [Eduardo viria a morrer menos de um ano depois, baleado por um assaltante na avenida Paulista, em São Paulo]. Conversamos por um par de horas e, quando lhe contei minhas dificuldades para chegar perto do juiz, ele tirou do bolso do casaco uma gorda caderneta de endereços e murmurou, enquanto virava as páginas:

– Acho que conheço um amigo do Garzón… Sim, está aqui: Tito Drago, empresário no ramo editorial em Madri.

Passou a mão no telefone, fez duas ou três chamadas para a capital espanhola até que conseguiu achar o misterioso Drago, dizendo que eu iria procurá-lo em Madri para tentar fazer um perfil do juiz que prendera Pinochet. Nascido no Uruguai, ex-combatente da guerrilha de Che Guevara na Bolívia, Tito Drago era, nessa época, correspondente em Madri de importantes jornais hispano-americanos e presidente do Comitê de Correspondentes Estrangeiros na Espanha. Dono de uma editora de porte médio, voltada para publicações especializadas, Drago tornara-se amigo de Garzón quando este ainda era um juiz de província. Antes de pedir que o juiz me recebesse, fez uma lista de amigos, inimigos, parentes e auxiliares de Garzón que eu deveria ouvir antes de falar com ele – se é que ele estava disposto a falar.

Uma semana depois, após dezenas de entrevistas e visitas a arquivos, eu já me considerava uma autoridade em Baltasar Garzón, só faltava o principal: falar com o próprio. Ao saber dos meus planos, pediu aos intermediários que me avisassem que a idéia da entrevista estava descartada. No máximo, ele se dispunha a falar comigo em off e, mesmo assim, “quando houvesse uma oportunidade”. Pensei que esta tivesse chegado num sábado em que fui “contrabandeado” por um jornalista espanhol para um churrasco em que estava o juiz, com a mulher e uma filha. Ao saber que eu era a pessoa que vinha tentando a entrevista, afastou-se sem disfarçar. A intrusão valeu pelo menos para poder ver o personagem de perto, à vontade, entre amigos. A minha chance verdadeira surgiu dias depois, numa sexta-feira: Drago me telefonou dizendo que na segunda-feira seguinte o secretário-geral da onu, Koffi Annan iria receber, junto com Garzón, um prêmio pelo trabalho de ambos em defesa dos direitos humanos. A cerimônia seria no salão de convenções de um dos hotéis mais elegantes de Madri. Como o Comitê de Correspondentes era o encarregado de credenciar os jornalistas, minha entrada estava garantida. Dali para diante era por minha conta.

Foi mais fácil do que eu imaginava. Após me desvencilhar dos guarda-costas dos dois homenageados, permaneci a dois passos de Annan e Garzón. Como a cerimônia se atrasaria para aguardar a chegada de um ministro, e como os repórteres estavam mais interessados no secretário-geral da onu (ali ele era a estrela), não tive dificuldades para me aproximar do juiz. Apresentei-me e perguntei se podíamos falar um pouco. Gentil, ele me puxou de lado e nos sentamos num canto do salão. Do outro lado, equipes de tv, de rádio e de jornais se amontoavam em torno de Annan. É possível que tenhamos conversado por meia hora ou, no máximo, quarenta minutos. Mas estava de bom tamanho: era o que me faltava para fechar o perfil, que você verá a seguir e que foi publicado na Playboy em agosto de 1999.

Eram onze da noite de 16 de outubro de 1998 e o general chileno Augusto Pinochet, 82 anos, cochilava num quarto do oitavo andar da London Clinic, no número 20 da Devonshire Place, no centro da capital britânica. Não entendeu o que estava acontecendo quando, despertado pelo barulho, viu um homem de cabelos ruivos e terno azul-marinho de pé, ao lado de sua cama, com uma folha de papel na mão. Era a primeira vez em muitos anos – uns 30, quem sabe? – que um estranho entrava em seus aposentos sem autorização. O homem anunciou:

– Mr. Pinochet, I am an official of Scotland Yard and I come to communicate to you that for judge Ronald Bartle’s order you are arrested, in incommunicable character.

Meio embriagado por remédios e pílulas para dormir – e também porque não inglês –, o general parecia atônito. Resmungou, com a voz fina de sempre, mas enérgico:

– No comprendo, no comprendo. Póngase de acá y llame a Juan!

O policial britânico também não entendeu que estava sendo posto para fora do quarto e que o general queria a presença de um de seus guarda-costas chilenos. Simplesmente reiterou o que já havia dito antes, dessa vez lendo solenemente:

– If you are Augusto Pinochet Ugarte, born in Valparaiso, Chile, on November 25, 1915, bearer of the bill of identity Chilean number 1128923, I come to communicate to you that for judge Ronald Bartle’s order you are arrested, in incommunicable character. 

A mais fiel tradução das palavras do funcionário britânico, segundo o escritor Ariel Dorfman, ele próprio uma vítima da ditadura de Pinochet, deveria ser esta: “General, estou aqui para informar-lhe que três mil mortos chilenos decidiram não deixá-lo envelhecer em paz”. Qualquer que fosse a tradução, o fato é que um dos mais temidos e poderosos ditadores do século estava preso.

Não eram 3 mil, nem chilenos. O homem que mudou o destino de Pinochet é um espanhol míope, de 1,80 metro de altura, com cara de galã de cinema – e que nunca pôs os pés no Chile. Naquele exato instante, 1300 quilômetros ao sul de Londres, o juiz Baltasar Garzón Real, 43 anos, estava em uma taverna de Sevilha, no coração da sua Andaluzia natal, fazendo aquilo de que mais gosta: dançando flamenco com a mulher, Rosario, e bebendo um espanholíssimo vinho tinto da região de Rioja. Só às nove da manhã de sábado, dia 17, ele ficou sabendo do ocorrido na noite anterior em Londres.

Pinochet, no entanto, ainda levaria seis dias para entender o que acontecera. A escolta pessoal que trouxera do Chile – doze homens que se revezavam em turnos de oito horas – já havia farejado movimentações suspeitas no hospital, dias antes. Temendo que antigos exilados chilenos pudessem fazer alguma provocação, os agentes pediram à polícia britânica que reforçasse a guarda de plantão na porta da clínica.

Uma semana antes, o general havia sido operado de uma hérnia no London Bridge Hospital. No dia 14, fora discretamente transferido para o centro de recuperação da London Clinic, onde ainda deveria passar dez dias, pagando uma diária de 1600 dólares. Foi nessa mudança que alguém – supõe-se que um funcionário da Justiça britânica – se deu conta da presença do ex-ditador e avisou Baltasar Garzón, em Madri. O juiz já contava com a possibilidade de apanhar o general em Londres. Semanas antes ele fora informado, por amigos do serviço de inteligência francês, de que Pinochet pedira um visto especial para submeter-se a uma cirurgia na França. Mas as autoridades francesas temiam que, tão logo o ditador pusesse os pés em Paris, Garzón apresentasse um mandado de prisão contra ele. Para evitar embaraços diplomáticos, os franceses preferiram livrar-se do abacaxi com um discreto “não”.

Ao receber a informação, o juiz enviou um fax ao escritório londrino da Interpol, a polícia internacional, perguntando se o cidadão chileno Augusto Pinochet Ugarte se encontrava no país. Diante da resposta afirmativa, preparou o pedido de extradição. A burocracia judiciária espanhola ainda tentou brecar o processo, alegando que a Espanha não tinha competência para investigar atividades de governos estrangeiros, mas apenas para exigir o cumprimento de leis internacionais das quais o país fosse signatário. Correndo de gabinete em gabinete, Garzón recebeu outra informação preciosa: advertido pelo serviço secreto do Exército chileno de que “algo estranho” podia estar sendo armado contra ele, Pinochet preparava-se para deixar a Inglaterra. Após alguns telefonemas para Londres (sempre com a ajuda de um assessor, já que Garzón, como Pinochet, também não fala inglês), o juiz espanhol soube que, por exigência médica, o general ainda permaneceria por mais 72 horas na Inglaterra. 

Começou uma corrida contra o tempo. Nos três dias seguintes nenhum dos procuradores da equipe de Garzón deixou o salão da 5ª Vara da Audiência Nacional, em Madri. Na sexta à noite, o juiz tinha nas mãos um processo de 300 páginas. Ao pé do calhamaço, Garzón requeria à Justiça inglesa a decretação da prisão preventiva de Pinochet para que a Espanha pudesse apresentar um pedido de extradição para julgá-lo por “prática de tortura, terrorismo e genocídio”, crimes previstos em acordo internacional do qual são signatários os três países envolvidos – Chile, Espanha e Reino Unido.

Haveria tempo para pegar o velho ditador? Garzón sabia que Pinochet deveria embarcar na manhã seguinte, tão logo acordasse. Sabia também que no sábado os tribunais ingleses estariam fechados. Preparava-se para tomar um avião para Londres, com o processo dentro de uma pasta, quando foi alertado por um dos assessores: por que não mandar o processo e a petição via Internet? Foi assim que, na noite de sexta-feira, o juiz Ronald Bartle recebeu, sob a forma de e-mail, o “Sumário 19/97” e, anexado a ele, o pedido de prisão. Minutos depois de aberto em Londres, o anexo transmitido por computador foi transformado no mandado de prisão que, às onze da noite, seria lido por um oficial da Scotland Yard, a mitológica polícia britânica, para um sonado Pinochet.

A chegada inesperada de um grupo de agentes da Yard à London Clinic não surpreendeu o capitão chileno Juan Gana, guarda-costas de plantão na porta do quarto do general. Certamente, imaginou, tratava-se do reforço de segurança solicitado dias antes. Daí para o espanto foi um pulo: os policiais informaram que estavam lá com uma ordem de prisão da Justiça britânica contra Pinochet. Ao ouvir que teria que entregar sua arma, o capitão tentou reagir:

– Sou oficial do Exército chileno. Não recebo ordens de autoridades estrangeiras.

Quando enfiou a mão no paletó para pegar o telefone celular, Juan Gana foi agarrado pelos britânicos, temerosos de que fosse sacar a pistola. Desarmado, foi retirado do prédio para que a ordem pudesse ser lida no quarto para Pinochet. Agitado e sem entender direito o que se passava, o general só voltaria a dormir meia hora depois, a poder de soníferos, quando chegou sua mulher, Lucia Hiriart. Conhecendo o caráter explosivo do marido – que, além disso, é diabético e tem um marca-passo instalado no peito –, Lucia explicou aos médicos por que decidira esconder a verdade do general:

– Se Augusto percebe o que está acontecendo, tem um ataque de raiva e morre. 

Apesar dos desmentidos da esposa, Pinochet ainda desconfiava de que alguma coisa estranha ocorria à sua volta:

– Eu não entrei neste país como um bandido, não sairei como um bandido. Sou senador vitalício do Chile e tenho imunidade diplomática.

Após muita insistência da mulher, o general deitou-se novamente e dormiu. Só seis dias depois ficaria sabendo da verdade: sim, ele corria o risco de deixar a Grã-Bretanha preso, como um bandido.

Na manhã de segunda-feira, enquanto o presidente chileno Eduardo Frei embarcava de Lisboa para Santiago, abandonando às pressas a Conferência de Cúpula dos Países Ibero-Americanos para descascar um dos maiores pepinos de seu governo, Baltasar Garzón, em Madri, cumpria sua rotina diária como se nada de anormal tivesse acontecido. Às sete da manhã deixou a casa geminada onde mora com a mulher e três filhos, num pequeno condomínio de classe média no bairro de Pozuelo de Alarcón. Acompanhado, como sempre, de quatro jovens guarda-costas, levou quinze minutos para atravessar uma Madri ensolarada e chegar à rua Genova, no arborizado bairro central de Colón. É ali, num moderno prédio de quatro andares, que está instalada a Audiência Nacional, um tribunal sem equivalente no Brasil. Foi criada em 1977, logo após o fim da ditadura franquista, para investigar, sem qualquer limitação de competência territorial, os casos de terrorismo, narcotráfico e “delinqüência econômica organizada”, ou seja, corrupção.

O juiz trabalha num ambiente simples: sua sala tem cerca de vinte metros quadrados e, como móveis, apenas um sofá, uma mesinha de canto e uma mesa de madeira clara, sobre a qual pode-se ver um microcomputador Pentium ii. Quem quiser ter acesso ao arsenal de Garzón terá que dar alguns passos, atravessar o corredor e cruzar outra porta. O expediente da 5ª Vara ocupa um amplo salão com cerca de quinze metros por seis. É aí que trabalham los muchachos de Garzón, como são conhecidos os doze promotores públicos – três mulheres e nove homens – que o acompanham há vários anos e que montam as peças de acusação para o magistrado.

O “urânio enriquecido”, como dizem os jornalistas, está bem protegido na memória dos micros, que trabalham em rede e aos quais só tem acesso quem conhece a senha. É aí que começa a complicação para quem quiser bisbilhotar os segredos de Baltasar Garzón: a senha dos computadores muda automaticamente todos os dias. Quando o último micro da rede é desligado, no final do expediente, um programa especialmente criado para o juiz apaga a senha do dia e cria aleatoriamente uma nova para o dia seguinte. Um sorteio feito pelo próprio programa seleciona o único membro da equipe que será o detentor da senha que naquele dia dará acesso ao conteúdo da memória do computador. À medida que os outros promotores vão chegando, o escolhido vai transmitindo verbalmente a cada um a senha criada pelo micro, sem a qual ninguém, nem Garzón, entra no disco rígido do computador – e na montanha de informações sobre corrupção, drogas, tortura, assassinatos.

Foi daqui, desses micros, que saiu a munição que Baltasar Garzón utilizou para pôr na cadeia gente de todo tipo – desde terroristas da eta, o grupo nacionalista espanhol que luta pela independência do País Basco, até policiais que torturavam terroristas da eta. Daqui saíram mandados de prisão contra um ex-presidente da República do Togo, na África, acusado de corrupção; contra dois generais, um brigadeiro e um almirante argentinos, acusados de tortura; contra Amira Yoma, cunhada do presidente argentino Carlos Menem, denunciada por lavagem de dinheiro em favor de narcotraficantes; contra o milionário ex-primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi, que Garzón acusou por sonegação de impostos; e contra vários capi da Máfia italiana e traficantes de drogas dos cartéis de Cáli e Medellín, na Colômbia. Foram ainda esses jovens promotores que conduziram a investigação que permitiu a Garzón enviar para detrás das grades alguns dos mais vistosos nomes do ministério do ex-premiê socialista Felipe González (1982-1996) – de cujo governo ele próprio, Baltasar Garzón, chegou a participar, como secretário do Plano Nacional de Combate às Drogas.

Diante de tais façanhas, é de supor que o autor delas seja um Torquemada, um ferrabrás. Nada mais falso. Até o ar mal-humorado que exibe nas fotos é apenas aparente: seus dentes superiores são um pouco salientes, traço que o deixa meio bicudo e mal-encarado quando fecha a boca. Pessoalmente, o juiz Garzón é um homem suave, educado e gentil, dono de uma jovialidade que triunfa sobre os cabelos grisalhos. Com voz anasalada, meio fanhosa – sim, como Pinochet também ele fala fino –, raramente se exalta diante de estranhos. E, para alguém que é acusado pelos inimigos de adorar o estrelato, Garzón revela surpreendente discrição: uma busca minuciosa nos arquivos dos principais jornais espanhóis dos últimos dez anos renderá, se tanto, quatro ou cinco reportagens em que ele aparece dando declarações.

Esse deliberado silêncio, no entanto, não impediu que se convertesse na mais célebre personalidade espanhola da atualidade. Segundo levantamento feito pelo jornalista madrilenho Pepe Oneto, “nenhum personagem da história da Espanha ocupou tanto espaço no jornal The New York Times, na cnn ou na Internet”. Uma boa ferramenta de busca revela que o nome de Baltasar Garzón aparece mais de 6 mil vezes na rede mundial de computadores. 

Apesar disso, e considerando tratar-se de um homem marcado para morrer – já recebeu incontáveis ameaças de morte –, Garzón leva uma vida de espanhol normal. Ganha 700 mil pesetas mensais (cerca de 4500 dólares), às quais se somam outras 150 mil do salário da mulher, professora de biologia numa escola pública secundária, o que permite uma vida de classe média confortável num país de custo de vida estável e bons preços como a Espanha. Gosta de ópera, conhece a poesia de bons autores espanhóis como García Lorca e Rafael Alberti, aluga vídeos do diretor de cinema sueco Ingmar Bergman, é um hincha – torcedor fanático – do Barcelona, no verão pratica canoagem e no inverno esquia nos Pireneus (quase sempre em companhia do filho, Baltasar, de catorze anos). Quando dá tempo, ajuda as filhas Maria, de quinze anos, e Aurora, de sete, nas lições de casa. Durante um jantar num restaurante, é capaz de interromper a comida, tomar a mulher pela mão e sair pelo salão dançando sevillanas, uma variação do flamenco.

Tem algumas manias, como a de jamais sentar-se de costas para a porta, como os caubóis do cinema – mesmo sabendo que se trata de uma medida de segurança inócua, uma vez que nunca anda armado. Outra mania, segundo os amigos e subordinados: se aparecer com um tal terno verde-escuro, é sinal de que o meritíssimo está de péssimos bofes. O Garzón de bom humor só costuma aparecer entre os poucos amigos: é nessas horas que o juiz exibe o talento de grande contador daquilo que os espanhóis chamam de “chistes verdes” – piadas pesadas. 

É bom garfo e bom copo – considera-se um especialista em uísques envelhecidos e em vinhos tintos de Rioja. Mas os excessos etílicos e gastronômicos costumam cobrar-lhe um preço alto. Garzón é capaz de engordar até cinco quilos em poucos dias, uma tragédia para um homem vaidoso como ele. Sempre gostou de praticar esportes. Além do futebol de salão, que joga com os colegas do Judiciário, na juventude praticou salto em distância e chegou a ser faixa marrom de judô. Mesmo padecendo de problemas nos meniscos – mal que gosta de alardear, pois acredita tratar-se de uma “doença de craque” –, Garzón ignorou os conselhos de médicos e da mulher, e três anos atrás correu a meia maratona de Sevilha, sempre acompanhado de dois esbaforidos guarda-costas.

Depois do futebol de salão sua principal diversão são as capeas, espécie de minitouradas para amadores. Assim como no Brasil alugam-se campinhos para peladas de fim de semana, na Espanha as pessoas pagam para usar as capeas, alugando a pequena arena, a capa, os estuques (as varetas para provocar o animal) e, claro, o animal – modestos bezerros, nunca um assustador miúra. Se as qualidades do Garzón goleiro podem ser postas em dúvida, o mesmo não acontece com o Garzón capeador: até os inimigos reconhecem que o juiz teria dado um bom toureiro. Nunca, naturalmente, com os atuais 85 quilos.

As pessoas que privam de sua intimidade contam-se nos dedos de uma mão e entre elas está a ex-presa política argentina Adriana Arce, hoje residindo na Espanha. Ela parece ser, de todos, a mais próxima de Garzón. Sobrevivente da tenebrosa esma – a Escola de Mecânica da Armada argentina, que foi transformada em centro de tortura e execução de presos políticos –, Adriana, uma bela e bem-humorada quarentona, é a executiva da Fundação de Artistas e Intelectuais em Defesa dos Povos Indígenas Ibero-Americanos, presidida pelo juiz Garzón. Criada há dez anos, a entidade dedica-se essencialmente a estimular o surgimento de cultivos alternativos às plantações de coca em países da América do Sul. Parte do dinheiro para isso vem de um jogo beneficente de futebol realizado uma vez por ano, em Madri ou Barcelona, entre uma seleção dos melhores craques da Europa e um time formado por personalidades do cinema, da política e da televisão. É nesse jogo que o juiz tem oportunidade de exibir seus dotes de goleiro – sim, porque a única exigência que Garzón faz, já que a idéia foi dele, é que o lugar de arqueiro do time amador seja sempre seu. Seus quinze segundos de glória futebolística aconteceram dois anos atrás, quando pegou um pênalti batido pelo holandês Johann Cruyff.

No trabalho, Garzón é um homem duro, capaz de fazer uma grosseria em público com um funcionário que tenha descumprido uma ordem. Depois se arrepende, pede desculpas e convida o subordinado para uma capea. Com os inimigos, é implacável. Embora não haja notícia de que jamais tenha encostado a mão em um preso, é conhecido pelo aperto verbal a que os submete: nos interrogatórios e nas audiências, costuma levar maços de papel com 300, 400 perguntas, de cujas respostas saem mais algumas centenas de novas indagações. Esse rigor com os que o cercam fez com que Garzón granjeasse muitos inimigos e perdesse alguns de seus melhores amigos. O mais conhecido destes é o juiz Javier Gómez de Liaño, seu colega de Audiência. Durante o chamado “caso Sogecable” – um escândalo financeiro envolvendo empresas de tv a cabo –, Garzón não hesitou em acusar de prevaricação o amigo de muitos anos. Gómez de Liaño guarda dele amargas recordações:

– Com aquela vozinha de menino mimado, Garzón é um sujeito perigoso, uma pessoa que errou a vocação. Ele não é um juiz, tem alma de polícia. Quando não houver mais ninguém para botar na cadeia, Garzón vai prender a si próprio.

Quem se dispuser a olhar a biografia de Baltasar Garzón não encontrará nenhum traço que fizesse supor que ele iria parar onde se encontra hoje. Até os dezessete anos, tinha três sonhos na vida. Queria ser, pela ordem, padre, jogador profissional de futebol ou toureiro. O caminho para a primeira vocação veio naturalmente. O agricultor Ildefonso e sua mulher, María, muito pobres, viviam na vila de Torres, na Andaluzia, quando nasceu Baltasar, o primeiro de seus cinco filhos, no dia 26 de outubro de 1955 – época em que o major Augusto Pinochet ainda era um desconhecido oficial de Operações da Divisão de Cavalaria de Rancágua, poucos quilômetros ao sul de Santiago.

Quando terminou o primário, em 1965, o pequeno “Balta” foi matriculado no Seminário de San Felipe Néri, na cidade de Baeza. Em 1973 conheceu María del Rosario, a “Yayo”, uma bela e miúda moreninha que estudava no Instituto Santíssima Trindade e morava no Convento das Freiras Felipenses, ambos em Baeza. Uma madrugada, flagrado pelo padre-bedel cantando sevillanas para Rosario sob as janelas do convento, Garzón foi expulso do seminário, a seis meses do fim do curso. Não fosse a paixão juvenil, é possível que tivesse seguido a vocação e que Pinochet pudesse terminar seus dias em paz no Chile. Mas a paixão venceu até mesmo a vocação. Desimpedido, começou a namorar Yayo. E resolveu também que não queria ser goleiro nem toureiro, mas advogado.

Terminada a faculdade, em 1979, Garzón casou-se com Rosario. Estimulado pela mulher, prestou concurso para juiz e, nomeado, passou por várias cidadezinhas do interior da Espanha. Seu nome só apareceria nos jornais em 1983. No auge da guerra movida pelo governo contra os bascos da eta, Garzón conseguiu a condenação de um coronel das forças de segurança pelo assassinato de três adolescentes, confundidos com militantes da organização. Quatro anos depois, aos 31 anos, aprovado em outro concurso, passou a ser o mais jovem juiz da Inspetoria do Conselho Geral do Poder Judiciário Nacional, uma espécie de Corregedoria do Judiciário. No dia 1º de janeiro de 1988, também por concurso, assumiu o posto que o colocaria nas primeiras páginas de jornais do mundo inteiro: juiz de instrução da 5ª Vara da Audiência Nacional.

Desde o começo passou a trabalhar obsessivamente nas três frentes de que o tribunal se ocupa: drogas, terrorismo e corrupção. Sobretudo no que dizia respeito às duas últimas, ele sabia que tinha que atuar com redobrado cuidado: embora o primeiro-ministro Felipe González, recém-reeleito para mais um período de seis anos, estivesse no auge de seu prestígio, Garzón suspeitava de que alguma coisa suja estava sendo escondida pelo governo. Um dos compromissos do governo socialista com os militares era reprimir duramente o movimento independentista basco – mais precisamente, seu braço militar, a eta. Confiando na intuição (e de posse de informações secretas), Garzón mandou desenterrar um velho processo de 1983 no qual os policiais José Amedo e Michel Domínguez eram acusados de seqüestrar por engano o industrial Segundo Marrey, supondo tratar-se do dirigente basco Mikel Gorostiola. A reabertura do processo trouxe à tona outros crimes de Amedo e Domínguez, que o juiz acabou conseguindo condenar a um total de 108 anos de prisão.

A opinião pública ainda não se esquecera do chamado “caso Amedo” quando Garzón reapareceu triunfalmente na cidade de Arosa, na Galícia, região considerada a porta de entrada da cocaína na Espanha. A bordo de um helicóptero e comandando por rádio um destacamento de 350 policiais, o jovem juiz conseguiu prender 30 traficantes espanhóis, portugueses, colombianos e turcos, todos da alta hierarquia do tráfico internacional de cocaína. As prisões produziram informações que deram margem a outra operação ousada. Meses depois, em conjunto com as polícias de Portugal e de Cabo Verde, Garzón conseguiu interceptar em alto-mar o cargueiro Good Luck, que partira da Colômbia, fora reabastecido em Cabo Verde e navegava em direção às ilhas Canárias, território ultramarino espanhol. Foram apreendidos 450 quilos de pó. Mas os porões do Good Luck transportavam coisa mais valiosa: informação. Ao final dos interrogatórios dos tripulantes, Garzón foi bater no Panamá, atrás de um empresário envolvido em lavagem de dinheiro do tráfico. E foi de lá que retornou à Espanha com dois nomes escondidos no bolso.

A revelação do primeiro caiu como uma bomba: o juiz anunciou que estava pedindo a prisão preventiva de Amira Yoma, cunhada e secretária particular do presidente Carlos Menem, da Argentina, pelo crime de lavagem de dinheiro do narcotráfico. Ao saber da denúncia, Amira telefonou furiosa para um amigo que vivia em Marbella, no sul da Espanha:

– Quem é esse juiz come-merda chamado Baltasar Garzón? Será que esse sujeito não sabe que sou cunhada do presidente da Argentina?

O amigo que estava do outro lado da linha era o sírio Monzer Al-Kassar – exatamente o segundo nome que Garzón recolhera em sua incursão panamenha. Depois de vários meses de investigações que passaram pelos serviços secretos de Israel, dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha, o juiz conseguiu juntar as peças do quebra-cabeça e montar finalmente o retrato de Al-Kassar. Com 55 anos, baixinho, vasta cabeleira branca, sempre vestido com elegância, Monzer Al-Kassar ganhara o apelido de “príncipe de Marbella” após erguer um palacete de mármore no luxuoso balneário, onde vivia fazia dez anos.

Uma das várias denúncias que Garzón tinha contra ele era pesada: Al-Kassar teria sido o responsável pelo fornecimento das armas usadas pelo comando terrorista palestino que, em outubro de 1985, seqüestrou na costa de Alexandria, no Egito, o transatlântico italiano Achille Lauro, com 600 pessoas a bordo – para devolver os passageiros sãos e salvos, os terroristas, que acabaram presos, exigiam a libertação de 50 palestinos encarcerados em Israel. As ligações de Al-Kassar com o presidente argentino vinham da coincidência de serem todos – ele, Menem, a mulher deste, Zulema, a irmã dela, Amira, e seu marido, Ibrahim Al-Ibrahim – originários de famílias nascidas em Yabrud, na Síria. 

Foi com essa carga de “urânio enriquecido” dentro da pasta que Garzón bateu na porta do palácio de mármore de Monzer Al-Kassar, em Marbella, e deu-lhe voz de prisão. Depois de ver seu cliente mofar durante meses e meses num xadrez madrilenho, os advogados do preso pediram a Garzón que estabelecesse uma fiança para que ele pudesse continuar respondendo ao processo em liberdade. Aparentemente seguro de que ninguém cometeria o desatino de desembolsar tal fortuna, o juiz fixou a fiança em estratosféricos 2 bilhões de pesetas – cerca de 12,5 milhões de dólares. No dia seguinte, porém, o dinheiro estava depositado em juízo e Monzer Al-Kassar retornava a Marbella.

No começo de 1993, quando Al-Kassar ainda estava preso, era indiscutível o prestígio de Garzón como um juiz duro, inimigo da violência e do terrorismo, e algoz dos políticos corruptos. Ao mesmo tempo, o governo de Felipe González capengava nas pesquisas de opinião pública. Era enorme o risco de que o Partido Socialista Operário Espanhol (psoe), no poder fazia onze anos, perdesse as eleições marcadas para junho daquele ano. Foi então que o primeiro-ministro Felipe González aplicou uma jogada de mestre. Chamou a imprensa e anunciou que o juiz Garzón, sem partido, disputaria uma cadeira de deputado nas próximas eleições como candidato independente, mas pela coligação do psoe. E, como demonstração do prestígio de que o juiz desfrutava, González comunicou que Garzón seria o “número dois” da lista do partido, abaixo apenas dele, o primeiro-ministro. Diante do espanto dos repórteres, o premiê arrematou:

– Garzón conosco é a prova de que no psoe há desejo de transparência. Vencidas as eleições, vou colocá-lo na cabeça de um dispositivo que criarei para investigar a fundo a corrupção na Espanha – esteja ela onde estiver, e principalmente nos partidos políticos.

Convertido em estrela da campanha, Garzón licenciou-se da Audiência Nacional e saiu à cata de votos. A eleição, claro, foi um passeio. Mas foi preciso pouco tempo para o juiz entender que, na política, as coisas talvez não funcionassem como nos tribunais. Empossado como secretário do Plano Nacional de Combate às Drogas, foi informado de que não teria autoridade sobre nenhuma força de segurança para enfrentar o narcotráfico. 

Garzón começou a descobrir casos de corrupção dentro do próprio governo. Pediu providências ao primeiro-ministro, mas elas eram sempre proteladas. Com o tempo, não conseguia mais despachar e nem sequer falar com González. Em maio de 1994, Garzón anunciou que se demitia do governo e renunciava ao mandato de deputado:

– Foram precisos nove meses para descobrir que o senhor Felipe González me usou, como se usa um fantoche. Ainda sinto um travo muito amargo.

Segundo os muitos inimigos que fez no poder, Garzón levou consigo algo precioso ao deixar o governo: informações. Graças a elas, desvendou dezenas de casos de militantes bascos mortos pelos chamados Grupos Antiterroristas de Libertação (gal), um esquadrão da morte criado clandestinamente pelo governo e mantido com verbas secretas controladas diretamente pela cúpula socialista. Descobriu, entre outras coisas, que os fundos secretos do governo tinham prêmios para os policiais que matassem militantes bascos: 12 mil dólares por cabeça. E que, ao todo, 29 pessoas haviam sido assassinadas, muitas delas depois de tortura, pelos homens dos gal. O juiz não tardou a encurralar oficiais, coronéis, generais da polícia. Mesmo debaixo de uma brutal campanha de intimidação, continuou investigando os gal até bater no topo da pirâmide e conseguir condenar, além de dezenas de altos funcionários do governo, três ex-ministros de Felipe González e um ex-prefeito de Madri. O estrago produzido pelo juiz apareceria nas eleições seguintes, nas quais González seria derrotado pelo atual primeiro-ministro, José María Aznar, do conservador Partido Popular.

Comparado ora ao lendário policial americano Elliot Ness, ora ao juiz italiano Giovanni Falconi, assassinado pela Máfia siciliana, o Baltasar Garzón que derrubou o governo socialista e prendeu o ex-ditador Augusto Pinochet parece não ter sucumbido à fama que o colocou nas primeiras páginas dos jornais de todo o mundo. Quando lhe perguntam que destino acha que terá o general chileno, Garzón responde com serenidade, como se aquele fosse apenas mais um de seus incontáveis processos:

– Sempre confiei na Justiça. Estou convencido de que Pinochet, mais dia, menos dia, desembarcará no aeroporto de Barajas, em Madri. E aqui será julgado pelos crimes que cometeu.

Parece ser apenas uma frase de efeito. Pode ser, mas a verdade é que o serviço médico da prisão militar de Alcalá de Henares, nas imediações de Madri, já foi avisado para se preparar, porque a qualquer momento pode chegar lá um homem de 83 anos, com marca-passo no peito, diabético e padecendo de infecção urinária crônica. Um homem que acreditava ser intocável, até o dia em que ouviu falar no nome de um jovem juiz espanhol chamado Baltasar Garzón.

<fim FradeGarzón>

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