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Ignácio Ramonet: “Algoz de Lula, Moro deu a vitória a Bolsonaro e acaba de ser recompensado com o Ministério da Justiça. “.

No programa de informação e opinião venezuelano VTV360, o escritor franco-espanhol Ignácio Ramonet comenta ao repórter Boris Castellano as eleições no Brasil e no México e analisa os erros e acertos da esquerda latino-americana. Veja a íntegra da entrevista.

Boris Castellano: Seja bem vindo.

Ignácio Ramonet: Boa tarde, Boris Castellano, estou muito contente em estar aqui com você.

B.C.: Qual é sua análise e diagnóstico sobre a situação que está atravessando a esquerda na América Latina?

I.R.: É um momento indiscutivelmente delicado. Sobretudo, Boris, porque estamos falando poucos dias após a vitória de Jair Bolsonaro no Brasil, o que não teria acontecido se as coisas tivessem ocorrido normalmente, digamos. Se o ex-presidente Lula tivesse podido concorrer à disputa eleitoral, provavelmente o resultado teria sido diferente.

Vamos lembrar que todas as pesquisas davam Lula como eleito até o momento em que foi preso. E hoje sabemos por que isso aconteceu. O algoz que tomou a decisão de prender Lula e acabou provocando a vitória de Jair Bolsonaro é Sérgio Moro e Bolsonaro acaba de recompensá-lo tornando-o Ministro da Justiça.

Então, o que está ocorrendo no Brasil tem enormes consequências.

O Brasil é o gigante da América Latina e qualquer mudança, especialmente como essa, uma mudança para a extrema direita, uma mudança aventureira por parte do Brasil, vai ter consequências, provavelmente, também no resto da América Latina.

B.C.: A propósito deste triunfo de Bolsonaro e também de Macri na Argentina, muitos têm apontado que esses governos estiveram nas mãos da esquerda durante bastante tempo, Néstor Kirchner e Cristina Fernández, na Argentina e no caso de Dilma e do Sr. Lula da Silva no Brasil. Muitos salientam que, embora a maneira de governar da direita seja completamente condenável, também houve certa falha na esquerda latino-americana, que não criou as condições para garantir que esses indivíduos não cheguem ao poder tanto na Argentina quanto no Brasil. Q@ual é a sua análise?

I.R.: Estou de acordo, uma reflexão se faz necessária. É evidente que é quase inexplicável que depois desses 13, 14 anos de governo de esquerda no Brasil, com realizações espetaculares, tiraram 40 milhões de pessoas da pobreza, as políticas de educação incrivelmente positivas, toda uma série de transformações físicas, os Jogos Olímpicos, a Copa do Mundo de futebol, a integração do Brasil aos BRICS, uma política externa espetacular – de grande potência, que impulsionou governos progressistas do Partido dos Trabalhadores –  é difícil entender que depois disso tudo um governo de extrema direita tome o poder.

Nós entendemos este resultado em termos de extrema direita e esquerda. Mas o grande derrotado desta eleição foi a centro-direita e a tradicional centro-direita conservadora, que foi quem conspirou contra Lula e que pensava que se beneficiaria de sua conspiração. Na realidade essa conspiração provocou a chegada de um elemento estranho a esse debate e, evidentemente, muito mais radical.

Não cabe dúvida que sua reflexão, Boris, é justa. Eu diria que o que não foi bem feito ocorreu em termos políticos, porque em termos de estatísticos, de realizações econômicas, não existe dúvida que houveram grande avanços, mas em termos políticos não podemos dizer o mesmo.

Por exemplo, esses 40 milhões de pessoas que saíram pobreza, saíram da pobreza e se integraram na classe média e pensaram como classe média conservadora? Ou seguiram pensando de maneira adequada a uma política de justiça social e uma política de progresso? Que trabalho foi feito com respeito a esses quarenta milhões de eleitores? Essa é uma das perguntas.

A mesma coisa ocorreu na Argentina. Lá também perdemos as eleições, Macri venceu e o peronismo progressista perdeu as eleições.

Esse é o momento da grande reflexão.

Mas nem tudo tem sido negativo este ano, na Venezuela por exemplo, houveram eleições presidenciais e venceu o presidente Maduro, no México também houveram eleições presidenciais e ganhou López Obrador. Ou seja, houveram vitórias no campo progressista. Na Colômbia a esquerda teve um resultado impressionante, algo que nunca aconteceu, infelizmente a eleição presidencial não foi ganha mas, houve, sim, progresso.

A esquerda não desapareceu e não cabe dúvidas que golpes como o do Brasil ou como da Argentina merecem reflexão.

B.C.: Quando o comandante Hugo Chávez começa com a união cívico-militar, a criação das Unidades Populares Revolucionárias, muitos o criticaram porque pensavam que ele estava ultrapassando fronteiras institucionais. Agora, muitos afirmam que se tivesse existido um trabalho político mais intenso no Brasil ou na Argentina não estaríamos passando por isso, você considera esse argumento verdadeiro?

I.R.: Absolutamente verdadeiro. Eu acredito que é necessário que, o Brasil em particular, se realize um trabalho político que não foi feito como deveria ter sido. Talvez tenham acreditado que apenas um acordo com a burguesia já seria suficiente. Que só assegurando ao povo elementos básicos de consumo – unicamente – e não aspirações de tipo maior como justiça social, maior ideologia na formação cultural e política já seria o bastante. Talvez por isso se esteja pagando tão caro.

Na Venezuela o presidente Hugo Chávez propunha um novo conceito de socialismo, o socialismo do século XXI, que implicaria não só em uma melhora  das condições de vida, não só uma maior justiça social, não só maior democracia política – real e autêntica – mas também uma participação verdadeira e integrada do processo político, uma participação de todos os dias.

Às vezes os próprios amigos brasileiros criticavam a quantidade de eleições que ocorriam na Venezuela – “São muitas eleições, vocês estão mobilizando o povo a todo o momento, para que tantas eleições? Mais de uma eleição por ano…”. Bem, o resultado é que uma grande parte da população venezuelana está muito conscientizada e mesmo nesse momento em que a Venezuela padece de tantos ataques – guerra econômica, boicote financeiro, sanções por parte dos Estados Unidos – nós vemos as eleições que ocorreram e temos o resultado, o apoio que o presidente Nicolás Maduro está recebendo de sua população.

B.C.: Agora nós vamos do Brasil ao Norte da América, López Obrador no México. Qual é a sua leitura?

I.R.: Não será fácil para López Obrador. O que o eleitorado mexicano tem feito é finalmente tentar encontrar outra alternativa, é apostar em um governo de esquerda. Com López Obrador pode contribuir com uma solução para um país que está corroído pela violência, um país que está impregnado pelos narcotraficante, com uma grande corrupção a nível administrativo e estatal, mas com muitas possibilidades, e que conta com um povo que busca soluções.

López Obrador tem o apoio massivo do povo e pode conseguir. Eu creio que todos os progressistas da América Latina estão apoiando López Obrador e desejam seu êxito. Infelizmente não será fácil.

B.C.: Finalizaremos nossa viagem pela esquerda latino-americana por onde começamos, na Venezuela. Atualmente estamos sofrendo duros ataques por parte da direita internacional e do Estados Unidos, batalha que se traduz em um bloqueio e numa guerra econômica. Resistirá a Venezuela a estes ataques?

I.R.: Seguramente sim. Não há dúvida. A Venezuela irá resistir porque, em primeiro lugar, a Venezuela já está vacinada. Depois de vinte anos sofrendo todo tipo de ataques – provavelmente nesses vinte anos nenhum outro país do mundo sofreu tantos ataques e não falo só da América Latina como falo do mundo todo. Ataques de todo tipo, até a tentativa de assassinato do presidente Maduro. E a Venezuela superou todos. Pouco se pode imaginar o que as autoridades venezuelanas já não tenham combatido. Sim, a Venezuela vai resistir.

O problema é que o ataque multidirecionado, pois agora atacam também seus aliados. Temos visto o que ocorreu na Nicarágua, temos visto como se multiplicaram as dificuldades do governo Trump contra Cuba. No próximo ano ocorrerão eleições na Bolívia – uma região muito importante – e esperamos que não haja conspiração contra o presidente Evo Morales e que as eleições sejam transparentes, que permitam a população boliviana votar com toda serenidade em função desse extraordinário desenvolvimento que levou a cabo o governo do MAS, o governo de Evo Morales.

Os ataques contra a Venezuela são contra a Venezuela e seus aliados, são ataques de grande envergadura provenientes de todas as grandes potências internacionais. Eu espero que todas as dificuldade que o país está conhecendo possam ser superadas e acredito, também, que a população venezuelana tem uma grande confiança no presidente Nicolás  Maduro.

B.C.: Vocês acabam de escutar Ignácio Ramonet que compartilhou conosco suas impressões e perspectivas sobre a esquerda latino-americana…

Assista a entrevista em espanhol:

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