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The Independent faz retrato da vitória de Bolsonaro

O candidato presidencial de extrema-direita Jair Bolsonaro venceu as eleições do Brasil na noite de ontem, ganhando 55% dos votos. No rescaldo imediato surgiram celebrações estridentes de torcedores vestidos de verde e amarelo do Brasil, que se reuniram do lado de fora da casa de Bolsonaro no Rio de Janeiro.

No entanto, a preocupação com o futuro do país continua forte – mesmo entre os eleitores de Bolsonaro. Marcelo Cotrim, de 34 anos, que trabalha em marketing, diz que votou em Bolsonaro e em seu Partido Social Liberal para expulsar o Partido dos Trabalhadores (PT) do poder após 13 anos liderando o país.

Mas Cotrim não está exultante com o triunfo de Bolsonaro, vendo-o simplesmente como necessário. “Ele ter vencido é meio que sentir que você derrubou seu oponente”, ele diz, fazendo caretas.

Para os 45 por cento dos brasileiros que votaram pelo candidato da oposição de Bolsonaro, Fernando Haddad, o resultado da eleição também não é nada a ser comemorado.

“Eu realmente tinha esperança”, diz Juliana Pina, uma estudante de comunicação de 23 anos. De cara pálida e mal conseguindo falar, ela relatou seu choque por ter sentido medo no início da noite, quando os partidários de Bolsonaro ameaçaram eleitores do PT.

“Estou arrasada. Eu realmente nunca imaginei que isso fosse acontecer ”, diz ela. Relatos de violência em outros lugares nos estados do Rio, São Paulo e Bahia surgiram horas após o anúncio da vitória de Bolsonaro.

Pina, como muitos brasileiros, está preocupada com as ameaças que Bolsonaro representa aos direitos civis e à própria democracia.

Ao longo de 27 anos como político, Bolsonaro ganhou notoriedade por um discurso agressivo que ataca os direitos das mulheres, dos negros, da população indígena e dos indivíduos LGBT +.

Além disso, os frequentes comentários de Bolsonaro em apoio à ditadura militar no Brasil, que governou o país de 1964 a 1985, aumentaram os temores de eleitores de que seu compromisso com a democracia é fraco.

Enquanto muitos eleitores do Bolsonaro, como o Cotrim, podem relevar os comentários de Bolsonaro, outros acreditam que isso estimula a violência.

“A base orgânica de eleitores do novo presidente é neonazista, violenta e está nas ruas para provocar e matar minorias”, diz Edgar Monteiro, um advogado criminalista que trabalha em comunidades de baixa renda.

Monteiro acredita que o discurso extremista de Bolsonaro, tendo obtido legitimidade entre a população com o resultado eleitoral, só piorará a situação das minorias e dos mais pobres.

“Ele está firmemente alinhado com essa nova extrema direita global”, diz ele. “Figuras políticas estão sendo substituídas pelos ‘de fora’ – juízes, pastores, militares”.

Os militares se fortaleceram com a campanha de Bolsonaro. O Brasil elegeu o maior número de candidatos militares e policiais neste século, totalizando 74 representantes – quatro vezes mais do que os 18 eleitos em 2014. Ele também deve nomear figuras militares para altos cargos de gabinete, como o Ministério da Ciência e Tecnologia e o Ministério da Educação.

Enquanto isso, o vice-presidente do Bolsonaro, Hamilton Mourão, general da reserva do Exército, disse logo após o primeiro turno de votação que os militares poderiam realizar um “auto-golpe” em casos de “anarquia”. Embora ele já tenha tentado “esclarecer” esse comentário, o deputado federal e filho do próximo presidente do Brasil, Eduardo Bolsonaro, disse que a escolha era estratégica.

“Sempre aconselhei meu pai: você tem que escolher um cara ‘faca no caveira’ para ser vice”, disse ele à mídia brasileira em agosto, referindo-se ao logotipo da polícia brasileira de operações especiais (BOPE), conhecida por sua abordagem brutalmente violenta no combate ao crime. “Tem que ser alguém pelo qual não valeria a pena tentar um impeachment.”

Apesar do histórico de comentários autocráticos, especialistas dizem que ainda não está claro como será o governo do Brasil quando Bolsonaro assumir a presidência em 1º de janeiro.

Para muitos, ainda não se sabe se Bolsonaro poderá realizar as prometidas mudanças que animaram os mercados internacionais e atraíram investidores. No entanto, a discussão de uma nova nomeação militar para supervisionar a companhia de petróleo estatal Petrobras causou espanto e deu uma indicação do que pode vir.

“Se você olhar para o histórico dele de votação ao longo dos anos, [Bolsonaro] sempre foi um nacionalista econômico”, diz Oliver Stuenkel, professor de relações internacionais da escola de administração da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Stuenkel também acredita que o conselheiro econômico de Bolsonaro, Paulo Guedes, é politicamente inexperiente, e que o provável período econômico de “lua de mel” de Bolsonaro irá durar pouco se ele falhar em aprovar reformas previdenciárias que são tão impopulares entre os brasileiros quanto populares entre os investidores internacionais.

“Acho que o mercado está otimista demais sobre o que é possível para esse governo do ponto de vista econômico”, diz Stuenkel.

“Ele é, como todos os outros presidentes brasileiros, um presidente da minoria – e terá que se engajar no mesmo tipo de negociação que todos os outros presidentes tiveram que enfrentar”.

Mas mudanças na legislação podem ser mais fáceis de passar.

Além da crescente presença militar nas casas políticas do Brasil, a eleição deste ano também teve um crescimento adicional do grupo “Bala, Bíblia e Boi”, uma aliança de congressistas que defendem o avanço das políticas religiosas, de armas de fogo e favoráveis ao agronegócio.

Silvio Costa, fundador do site Congresso em Foco, diz que a proximidade de Bolsonaro com essas bancadas políticas moralmente conservadoras pode trazer enormes retrocessos nos direitos civis.

“Antes os evangélicos [no congresso] pretendiam apenas manter a legislação como está hoje. Agora você tem um governo de extrema direita e um Congresso ainda mais conservador ”, disse ele. “Eles vão tentar aprovar uma legislação ainda mais rigorosa em relação a coisas como drogas, aborto”.

Enquanto isso, outros alertam que a fé nas próprias instituições brasileiras poderia estar em apuros, colocando a democracia do país ainda mais em perigo.

Tai Nalon, jornalista e fundadora da organização de verificação de fatos Aos Fatos, diz que as notícias falsas frequentemente atingem a credibilidade do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) do Brasil – algo que o próprio Bolsonaro também incitou ao questionar a confiabilidade das urnas eletrônicas.

“Sabemos que notícias falsas aceleram a polarização nas eleições. O TSE viveu sob o fogo de notícias falsas que tentaram invalidar a legitimidade do processo de votação”, diz Nalon. Ela teme que, se o tratamento hostil de Bolsonaro à imprensa livre continuar, a polarização crescerá com o descrédito das instituições.

Enquanto especialistas acreditam que é improvável que o Brasil retorne à ditadura, Maurício Santoro, professor de Relações Internacionais da Universidade Estadual do Rio (UERJ), diz que os próximos quatro anos – o primeiro mandato de Bolsonaro como presidente, embora haja um limite de dois mandatos – seguirá o mesmo padrão de outros países que elegeram líderes extremistas nos últimos anos. Com uma democracia muito mais jovem e instituições mais fracas do que outros países, Santoro diz que pode haver muito em jogo para o Brasil.

“Esses países continuam a ter eleições, e há certo nível de liberdade política, mas a democracia fica enfraquecida”, diz ele. “Há ameaças à liberdade de imprensa, os movimentos sociais são reprimidos e há ataques contra minorias. Esse é o grande risco que vejo para o Brasil nos próximos anos ”.

 

*Originialmente publicado no The Independent, escrito por Ciara Long

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