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O último dia de campanha de Guilherme Boulos

A equipe do Nocaute acompanhou o candidato à Presidência do PSOL às vésperas da eleição. Confira aqui a reportagem de André Neves Sampaio e Manuela Azenha.

O motorista erra o caminho e não sabe em qual rua deve entrar. Pergunta a Guilherme Boulos, candidato à Presidência da República pelo PSOL, que também desconhece o caminho. “Pensa numa equipe de Brancaleone. Não conseguimos nem ligar um GPS”, diz o candidato, que é também líder de um dos mais importantes movimentos sociais do Brasil, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).

Ele e sua equipe, três antigos membros do MTST e pela primeira vez participantes de uma campanha eleitoral, estão a bordo de um carro popular a caminho da ONG Educafro, na região central de São Paulo, onde Boulos falará a um grupo de jovens. É o último dia de campanha eleitoral.

Ninguém quer ligar o aplicativo Waze, que indica o caminho, para poupar a internet 3g de seus celulares.

Um taxista observa quando entram no Celta, com um adesivo de campanha que cobre a janela traseira: “Que cara simples. Achei que andasse de Mercedes blindada”. Outro sai andando na direção contrária ao carro: “Não voto nesse Boulos”.

Capaz de mobilizar multidões dispostas a ocupar as ruas por moradia, Boulos pontua apenas 1% nas pesquisas eleitorais.

Ainda assim tornou-se conhecido e é abordado com frequência por pessoas que o cumprimentam emocionadas pelo seu desempenho nos debates televisivos.

O mais jovem dos candidatos à Presidência, com 36 anos, e o único ali sem experiência na política partidária, Boulos é o que se sai melhor. Diz que sua formação em psicanálise o ajuda a manter a tranquilidade. Faz ataques certeiros aos adversários e cria frases de efeito, como quando se referiu aos demais políticos presentes como “50 tons de Temer”.

Segundo Simões, seu coordenador de campanha, Fernando Haddad, candidato à Presidência pelo PT, antes do seu primeiro debate, teria perguntado a Boulos: “E aí? Como que faz?”.

Situação de extrema tensão para quem assiste, o líder do MTST diz que não passa de uma encenação: “Ali todo mundo fica amigo depois”, conta Boulos enquanto come um prato de frango a passarinho com arroz e polenta em um restaurante self-service no qual por R$ 18 reais você pode se servir à vontade. O local estava vazio quando chegaram, às 11h40.

O dia tinha começado cedo e a véspera, terminado tarde. Depois do debate da Globo, que durou até quase meia-noite, os três saíram para beber em um bar do Rio de Janeiro. Foram dormir às 4h30 e tiveram que levantar três horas depois para pegar o vôo de volta para São Paulo.

A primeira atividade do dia foi na Educafro. Ao chegar lá, o Frei Davi, que comanda a ONG, já esperava Boulos na calçada com um grupo de cerca de 30 jovens. Num gesto a la Moisés abrindo o Mar Vermelho, o líder religioso parou o trânsito com a mão espalmada em direção aos motoristas e gritou para que todos atravessassem a rua. Queria mostrar ao candidato a fachada do espaço, com uma pintura de Marielle Franco, vereadora do PSOL que foi assassinada em março deste ano. Cantaram músicas de protesto, tiraram fotos e entraram na ONG.

Ali Boulos conversou sobre racismo, defendeu a legalização do aborto e o fim da guerra às drogas. “Imagina como a gente vai ser tratado se o Bolsonaro for eleito”, disse o líder do MTST ao público formado por jovens negros e negras, entre eles um gay, um ex-usuário de drogas, e um ex-morador de rua. Naquela sala estavam reunidos todos os principais alvos do primeiro colocado nas pesquisas eleitorais.

Uma única outra jornalista, do portal G1, estava presente no evento. Após fazer três perguntas a Boulos, garantiu ao candidato que na Globo “todos o respeitavam muito”.

Dali a equipe partiu rumo ao Largo da Concórdia, no Brás, local de comércio popular. Antes da segunda atividade do dia, distribuir panfletos com a candidata a deputada federal Luiza Erundina (PSOL), pararam para um café.

Em silêncio, com a testa encostada sobre a palmo da mão, Boulos se apoia no balcão da movimentada lanchonete enquanto espera a colega chegar. Ele toma um energético e fuça as notícias do dia pelo celular.

A expressão de Boulos é de preocupação e cansaço. A última pesquisa do dia mostra o candidato à Presidência Jair Bolsonaro (PSL) em primeiro lugar com 41% dos votos válidos – a 10 pontos percentuais de vencer no primeiro turno, que aconteceria dali a dois dias.

A derrota do candidato do PSOL, o último colocado nas pesquisas, não chega a surpreender ninguém. Mas a eventual vitória do capitão é uma ameaça real a movimentos como o MTST.

“Se o Bolsonaro ganhar vai ser uma guerra. A polícia vai ter salvo-conduta para entrar matando, milícias paramilitares vão se formar…”, diz Boulos ao ser perguntado sobre o que poderia acontecer com o movimento que hoje agrupa 45 mil famílias pelo Brasil.

Do lado de fora cai uma leve garoa e o dia está atipicamente frio para a primavera. A equipe toda está esgotada após meses de campanha, mas prosseguem na agenda e saem para panfletar.

“Eu não era seu eleitor, mas depois do debate de ontem eu comentei com a minha cunhada: ‘Esse é o próximo Lula’”, diz um homem. “Você é demais! Tem que botar o dedo na ferida dos caras mesmo!”, grita o motorista de uma van com trechos de salmos colados nos vidros.

Uma mulher passa por Boulos e diz a outra sorrindo: “Esse aí apoia a maconha”. A amiga se empolga e pergunta a ele: “Vai poder fumar maconha na rua também?”. Um terceiro, que vestia um colete com duas garrafas térmicas para vender café, ouviu e o cumprimentou: “Esse aqui tem meu voto. Eu também sou a favor da maconha”.

O aumento do reconhecimento de Boulos nas ruas também traz preocupação com relação a possíveis agressões – apesar de ainda não ter acontecido nenhuma. “Você sabe como são esses bolsomínions, né”, diz Clayton, coordenador do MTST há 9 anos e segurança do candidato durante a campanha, de quem é vizinho no Campo Limpo, bairro da periferia de São Paulo.

Quando viajam, diz ele, são acionados os membros do movimento da cidade. “A gente espalha nossa turma para não sermos surpreendidos. Eu e o Batoré ficamos colados no Boulos”.

Batoré está no MTST há seis anos. Conheceu Boulos quando morava na favela Estaiadinha, zona norte de São Paulo, durante uma ameaça de reintegração de posse. Perguntado sobre como entrou no movimento, ele resume em uma frase: “O Boulos me achou”.

Batoré estava no Sindicato dos Metalúrgicos quando o ex-presidente Lula foi preso. Foi ele quem carregou o petista nos ombros após o histórico discurso de despedida no qual comunicou à multidão que se entregaria à Polícia Federal. Quatro pessoas foram eleitas para a função, mas na hora apenas Batoré estava ali. “Era tanta raiva, tanta adrenalina, que eu não senti peso nenhum”, conta.

Para encerrar o último dia de campanha foi organizado um grande ato com outros candidatos do PSOL de São Paulo como Sâmia Bonfim, à deputada federal, Daniel Cara, ao Senado, Lisete, ao governo, e Ivan Valente, a deputado federal.

A essa altura a chuva e o frio apertaram, mas a multidão esquentou a si mesma. Uma marcha saiu da Praça da República até a Praça Roosevelt, onde Boulos discursou.

Ao que tudo indica, não será dessa vez que o líder do MTST será eleito presidente da República. Mas Boulos não desanima: “Quem sabe eu tente outra vez em 2022”.

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