Brasil

Nossa mídia trata como natural um candidato fascista liderar as pesquisas

Vou aqui citar dois jornais franceses muito conhecidos o Libération e o Le Monde. O Libération tem uma fotografia do candidato Bolsonaro, com os seguintes adjetivos e uma frase: racista, homofóbico, misógino, pró-ditadura e no entanto ele seduz o Brasil.

Amigas e amigos aqui do Nocaute, um prazer novamente estar aqui falando, um dia importante, antevéspera da eleição. Eu vou fazer alguns comentários sobre o que eu acho. Mas antes de passar para os comentários do que eu penso, eu queria fazer uma reflexão sobre como o Brasil e o mundo estão olhando essa eleição.

Eu vejo aqui os jornais brasileiros, nem preciso mencionar quais, porque os nossos leitores conhecem. Mas eles tratam a disputa entre dois candidatos, Bolsonaro e Haddad, como se fosse uma coisa normal, corriqueira, parte de uma eleição. São dois candidatos disputando a preferência do eleitorado. Mas não é assim que o mundo está vendo o Brasil.

O mundo está vendo o Brasil de uma maneira muito diferente. O mundo está vendo o Brasil sofrendo uma ameaça fascista. A lista de jornais é enorme. Eu poderia citar jornais da Alemanha, da África do Sul, das mais variadas partes do mundo, da Suíça, que normalmente é um país neutro.

Mas vou aqui citar dois jornais franceses muito conhecidos o Libération e o Le Monde. O Libération tem uma fotografia do candidato Bolsonaro, com os seguintes adjetivos e uma frase: racista, homofóbico, misógino, pró-ditadura e no entanto ele seduz o Brasil.

Uma perplexidade. Como é que isso é possível em um país que sempre foi identificado com alegria, mesmo nos piores momentos da ditadura militar brasileira, a imagem não era essa. Sentia-se que havia um país oprimido por um governo militar, mas não um país que esteja ele próprio, ou uma grande parte de sua população seduzida. Isso é algo que o Libération pega como algo muito assustador.

O Le Monde é mais frio, mas veja que mesmo assim, isso é capa, é primeira página, coisa que raramente aconteceu em relação a uma eleição no Brasil.

Brasil: a extrema direita nas portas do poder.

Quando você fala da extrema direita na Europa, você não está falando de qualquer coisa. Não é uma corrente política como qualquer outra. Eles têm a memória recente ainda do que foi o nazismo, do que foi a Segunda Guerra Mundial. O que representou a extrema direita em matéria de curvar direitos, matar pessoas. Tudo isso é muito presente.

Então, quando eles olham aqui, isso é o Le Monde, não é um jornal de esquerda da França. Brasil: a extrema direita nas portas do poder.

O que eu acho é que isso traz à mente, essa distância, essa diferença de abordagem é que progressivamente no Brasil, em grande parte por culpa da mídia, esse perigo, essa serpente que já saiu do ovo que é o fascismo, é tratado como uma coisa normal.

Isso lembra até a reflexão da Hannah Arendt sobre a banalidade do mal. Quer dizer, isso é tratado como normal uma pessoa que diz que tem que metralhar os adversários políticos, que um dos erros da ditadura militar brasileira foi não ter matado suficiente, que exalta um torturador e cujo vice disse que os heróis matam dessa forma.

Isso tudo é visto como normal. Dois extremos.

Dois extremos? Quando que o candidato Haddad ou o Lula, ou qualquer outra pessoa importante do PT falou algo semelhante? Que precisava matar os adversários. Que precisa um governo ditatorial. Quem disse isso no PT? Nunca.

Há uma grande confusão que se criou na cabeça dos brasileiros, frequentemente através de redes sociais, com coisas mentirosas. Até inventaram a Ursal, como se fosse uma coisa real.

Volta-se a falar de questões que já estavam mortas desde os anos 60 ou até mesmo dos anos 50, porque nos anos 60 no mundo já tinha sumido essa questão dos comunistas comerem as criancinhas. E aqui está voltando essa ideia em relação ao PT. Que o PT vai fazer como na Venezuela, aliás isso não ocorre na Venezuela, com todos os defeitos que o Maduro possa ter, que é separar criança dos pais. Aliás quem faz isso são os Estados Unidos.

Mas enfim, tudo isso, uma ameaça à propriedade das pessoas ou que a poupança pudesse ser confiscada. O PT teve doze anos no poder e nunca fez nada disso. O Lula nunca pensou em fazer isso.

O que nós temos é muita mentira. Aliás, a mentira típica do nazismo. Houve na época do nazismo, o Goebbels que era o ministro da propagando e dizia: uma mentira muitas vezes repetida acaba sendo aceita como verdade.

Então é isso, toda essa mentira em relação ao PT. Em relação à esquerda acaba sendo aceita como verdade pelas pessoas que são humildes, que não têm informação e que acabam contaminadas dentro dessa ideia.

Existe um anseio, de certa maneira, legítimo por segurança. É algo que nós temos que atacar, o problema de segurança é um problema real no Brasil, especialmente no meu estado, o Rio de Janeiro. Mas também não é prendendo e matando que se resolve o problema de segurança – em alguns casos prender vai ser necessário, matar só em último caso ou em legítima defesa e comprovada.

Contudo, o problema de segurança é um problema real e tem que ser enfrentado.

É a mistura dessas coisas todas que coloca uma grande parte do nosso eleitorado a beira, como diz o Le Monde, de eleger uma pessoa de extrema direita, que se confunde com a ideia do fascismo.

Isso reflete também um sentimento forte, em setores da sociedade, em setores do judiciário.

Esse episódio recente com relação ao jornalismo, nosso querido Fernando Morais e o Mino Carta, um octogenário, ser barrado de ver o presidente Lula reflete uma mentalidade.

O processo que foi aberto, acredito que até já tenha sido encerrado, contra um reitor de Santa Catarina porque atrás dele tinha uma faixa condenado a situação que levou ao suicídio o reitor anterior.

É muito preocupante.

Quem estuda um pouco de história sabe que o nazismo começou dessa maneira e as pessoas não sabem como acabam.

Estamos aqui às vésperas das eleições e precisamos pensar de maneira muito detalhada em como vamos votar.

Também acho que precisamos de uma certa generosidade. Compreender que essas eleições não são uma batalha do PT contra o neoliberalismo, claro que também envolve esse aspecto, mas é a eleição de uma grande coligação em favor da democracia, verdadeiramente democrática, progressista, mas sobretudo contra a ameaça fascista.

Porque se esta previsão, que está nos jornais europeus, realmente prevalecer isso será um dano para o Brasil durante muitos anos.

Primeiro será um dano para os brasileiros que tiverem que viver sobre esse jugo. Mesmo que isso venha a ser superado terá um efeito muito negativo sobre a percepção que existe sob o Brasil no mundo inteiro.

Eu fui diplomata, eu estive envolvido nas relações internacionais durante cinquenta anos e honestamente nunca vi um momento em que a percepção do Brasil fosse tão ruim, em que ao invés do Brasil evocar sentimentos de alegria, de descontração, às vezes até de irresponsabilidade alegre, passe a evocar sentimentos de medo, de ódio, de discriminação contra os pobres, contra os negros, contra as mulheres.

Não é esse o Brasil que nós queremos projetar no mundo.

 

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  1. Avatar
    erton birk Teixeira says:

    Depois de décadas de desconstrução da politica a lacuna foi sendo preenchida pelo fundamentalismo religioso.
    Nossa diferença em relação ao Irã é somente a rapidez do processo. Lá os partidos foram expulsos do processo politico enquanto que aqui foi um trabalho de desmoralização paulatina.

  2. Avatar

    Quem vive em Cabrobró e Cruz das Almas não sabe o que é fascismo nem nazismo.
    A responsabilidade de antecipar os cenários – e a ascensão da direita era clara como água – recaia sobre os estrategistas do PT, com Lula à frente.
    Lula já havia errado ao aceitar a insistência de Dilma e Mercadante em comandarem os rumos do governo e perseverarem em buscar o segundo mandato, quando as brumas de junho de 2013 já inviabilizavam o segundo mandato.
    Era a hora do Volta Lula.
    Mas banalizaram as adversidades e deu no que deu.
    Lula desdenhou da prudente e sensata sugestão de Jacques Wagner e Flávio Dino de deixarem a cabeça de chapa para o PDT e não dispersarem as forças do espectro progressista.
    Era previsível o torpedo do alcaguete Palocci em direção à popa do PT durante o processo eleitoral.
    Lula errou duas vezes. Dois erros mortais em horas cruciais.
    Ao tolerar o segundo mandato de Dilma e ao dobrar a aposta com Haddad.
    Desgraçadamente, o fato é que se deixou o campo livre à direita, que gostou do jogo.
    O próprio eleitorado do PT nas periferias migra para a candidatura militar.
    Isso já houvera ocorrido na periferia paulistana quando o Mauricinho dos Jardins derrotou Haddad.
    Se a carta na manga de Lula for apenas o bilhetinho manuscrito pedindo votos, vai faltar vaca para tanto brejo.
    Trinta anos depois da Carta de 88 era inimaginável assistir ao retorno dos militares ao poder, sobretudo pelo voto popular.
    Não poderia haver desfecho mais grotesco para o reinado lulo-petista.
    Não poderia ser pior.
    Ah, a esperança dizem ser a última a expirar.
    Esperemos, então, um milagre, que impeça o ovo da serpente ser chocado pelo voto popular.

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