abril 24, 2024

Desenhista, tradutor, frasista, dramaturgo, apresentador, poeta, fabulista, humorista e carioca do Méier, da gema. Quem escreve um texto sobre Millôr, geralmente começa assim. E não tem outro jeito porque ele não era apenas um, eram vários.

Conheço a obra do Millôr, originalmente Milton Viola Fernandes, desde pequenininho, quando o meu pai chegou em casa com um exemplar da revista Senhor – uma revista para adultos – e a esqueceu em cima da escrivaninha do seu escritório. Isso no início dos anos 1960, eu menino de calças curtas. Bati os olhos naquele desenho e nunca mais sai do pé dele. Do Millôr.

Pode parecer chavão, mas, “como Millôr não há e nunca houve outro igual”. Era cartunista, humorista, tudo aqui que disse lá acima, mas, nunca soube de alguém como ele em português ou em outra língua qualquer. Nunca soube de alguém que traduzia Shakespeare e, ao mesmo tempo, pensava coisas do tipo “Entre o riso e a lágrima quase sempre há apenas o nariz”.

Sempre acompanhei Millôr através das revistas, dos jornais, dos livros, das exposições, das traduções, da obra gráfica, das raras rodas-vivas em que aparecia na televisão. A última vez que o vi, foi na calçada da Visconde de Pirajá, em Ipanema, saindo da livraria Letras & Expressões com uma revista Economist debaixo do braço.

Pouco depois, caiu doente e, algum tempo depois nos deixou. Desde então, fico aqui pensando com os meus botões, a falta que ele nos faz.

Alberto Villas

Trecho do livro Mil Tons, o meu Millôr, Alberto Villas, editora e-galáxia. Lá no alto da página 14, em verde, Millôr escreveu o seguinte:


“Bata em sua mulher hoje mesmo – amanhã ela pode estar no poder”.

Não acreditei no que estava vendo, no que estava lendo. Sim, li todo o Millôr daquelas duas páginas, a 14 e a 15. O “haicai” era, mais uma vez, cheio de inspiração:

“O espelho da mudança

Envaidece


A vizinhança”.

Parei num “Livre-Pensar é só pensar”, que dizia o seguinte:

“Mistério Metafísico: Por que será que todas as pessoas de bom senso pensam exatamente como nós?”

Deixei a Veja aberta ali em cima da escrivaninha, puxei minha máquina de escrever portátil Hermes Baby creme, com teclado adaptado para o português do Brasil, coloquei um papel de seda verde e comecei a escrever uma carta para a redação.


Fiz um verdadeiro tratado sobre o feminismo. Sabia que estava me
expondo, pensando bem, desnecessariamente. Contei que lavava a roupa, enxaguava e passava. Arrumava a casa, lavava a louça, trocava a fralda da minha filha, esterilizava os brinquedinhos dos meus filhos, dividia todos os trabalhos da casa com a minha companheira.

Comecei a carta falando do voto feminino, falei de Beth Friedman, do segundo sexo de Simone de Beauvoir, dos sutiãs queimados nas praças públicas e, finalmente, cheguei ao ponto.

Millôr, o meu Millôr, não poderia escrever uma coisa dessas, nem por brincadeira. Levei a sério aquela história.

Terminei a carta, coloquei dentro de um envelope e, naquela tarde mesmo, fui até o correio da Rue du Borrego e despachei minha ira, todo o meu veneno, dentro de um envelope vermelho e azul escrito par avion.

Em dezembro, o meu protesto foi publicado na revista Veja, em quatro linhas na página de cartas dos leitores: 

Millôr Fernandes publicou, em Veja número 567, o seguinte: “Bata em sua mulher hoje mesmo – amanhã ela pode estar no poder. Gostaria de saber onde está a graça”. Alberto Villas, Paris, França.

Millôr, em cinco tiradas.
A fotografia é a mentira verdadeira.

O pior não é morrer. É não poder espantar as moscas

Há males que vem pra pior

A invenção do Alka-Seltzer foi uma tempestade em copo d’água

A fotografia é a mentira verdadeira

Se os animais falassem não seria conosco que iam bater papo

Serviço:

Millôr: obra gráfica

Curadoria: Cássio Loredano, Julia Kovensky e Paulo Roberto Pires

Abertura: 18 de setembro, 18h

Visitação: de 19 de setembro a 27 de janeiro

Galeria 1

IMS Paulista

Avenida Paulista, 2424

São Paulo

Tel.: 11 2842-9120

imspaulista@ims.com.br

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  1. Avatar
    Cristina Silveira says:

    Fernando DE (só pra lembrar o nosso Lulinha) Morais, você teve uma ideia luminosa de exposição virtual. E o Millôr ainda é o único livre pensador brasileiro, sou gamada nele, obrigada por lembrá-lo. Beijoca pro cê pra Ana Roxo.

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