Cultura

Debussy, um compositor à frente de seu tempo

Ele não é um revolucionário de estrondo. Foi uma revolução de luvas de pelica. As conquistas do Debussy foram assimiladas na música em geral e não só na música de concerto. Se a gente ouvir com atenção algo da bossa-nova, algo do jazz, o que Debussy fez está lá.

Talvez a efeméride mais importante da música clássica em 2018 seja o centenário de falecimento do compositor francês Claude Debussy, que viveu entre 1862 e 1918. Portanto a maior parte da vida dele ele passou no século 19. A gente o considera muito um músico do século 20, porque assim como tem compositores que parece que dirigem com o olho no retrovisor olhando para trás, Debussy parece que sempre escreveu olhando para frente.

Então mesmo as suas criações ainda do século 19 já parecem apontar e prefigurar o que seria a música no século 20. A gente vai ver em Debussy um revolucionário, mas ele não parece corresponder ao que a gente veria como revolucionário nas artes, especialmente na música. Ele não é um revolucionário de ruídos, de estrondo. Seria uma revolução suave, de luvas de pelica.

Um revolução que hoje nos impacta menos do que aconteceu, justamente porque foi um revolução vitoriosa. As conquistas do Debussy foram assimiladas na música em geral e não só na música de concerto. Se a gente ouvir com atenção algo da bossa-nova, algo do jazz, o que Debussy fez está lá.

Hoje é um pouco mais difícil a gente perceber a radicalidade de Debussy, até perceber os motivos pelos quais a música dele pôde chocar tanto em seu tempo. Debussy, que era muito patriota, muito francês, estava querendo romper com toda aquela linha evolutiva de continuidade que vinha da música austro-germânica que imperava na música de concerto.

Para construir essa sua nova poética ele foi abrir seus ouvidos para o Oriente. Foi ouvir os gamelães balineses, foi ouvir a música clássica russa, que chegava em Paris com força. Buscar essas outras escalas, com outro modo de escrever música que saísse do esquemão germânico.

Debussy também compôs pouco, porque em cada obra ele não tinha a forma como um dado. Ele se colocava na questão de ‘como vou compor essa peça’. Então para muita gente essa sonoridade de Debussy se relaciona ao que faziam os pintores impressionistas do seu tempo, muita gente chama a música de Debussy de impressionista, uma coisa que não agradava muito ao próprio Debussy.

Ele mesmo talvez gostasse mais de ser associado à poética dos literatos da sua época, dos poetas simbolistas. Aquele tipo de poesia em que o significante parece ter tanto peso quanto o significado. Ou seja, o som da palavra tem tanta importância quanto aquilo que ela quer dizer.

E nesse Debussy impressionista talvez a sua principal criação seja a sua única ópera de 1902, Pelléas et Mélisande, a partir de uma peça com o mesmo nome do dramaturgo belga Maurice Maeterlinck, tida como uma das obras-primas do simbolismo no teatro. Maeterlinck acabou ganhando o Prêmio Nobel de Literatura.

Essa é uma ópera mitológica, simbólica, tem uma espécie de um triângulo amoroso, mas o texto dela reside mais no que não é dito do que naquilo é dito. Deixa uma série de lacunas. Justamente essas lacunas do texto que Debussy preenche com sua música diáfana e delicada.

Essa ópera muito especial vai ser encenada em São Paulo, no Teatro Municipal. Você que mora fora da cidade talvez possa até se programar para assistir entre 12 e 21 de outubro. Uma montagem que tem cenário do recentemente falecido Hélio Eichbauer. Além de ser um tributo ao centenário de falecimento de Debussy acaba sendo também uma homenagem no palco nobre de São Paulo a esse cenógrafo brasileiro tão importante.

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