Dias após a tragédia que consumiu o Museu Nacional, a Fundação Perseu Abramo reunirá em São Paulo alguns dos mais expressivos nomes internacionais – ex-premiês, ex-ministros – e intelectuais, como Noam Chomsky, para refletir sobre o trágico momento vivido hoje pela sociedade brasileira.
Amigos e amigas do Nocaute,
Essa é uma semana que passará para a história, não necessariamente por boas razões, não sabemos ainda, ela não se concluiu em alguma parte, mas foi terrível acordar naquela segunda-feira com as imagens do Museu Nacional em chamas.
Essas imagens percorreram o mundo. Para nossa vergonha, estivemos na capa do New York Times, Financial Times, jornais do mundo inteiro, jornais europeus em geral. Não vou entrar aqui nos detalhes, mas isso está ligado às dificuldades de recursos, entre outras coisas.
Eu acho isso importante porque eu vejo que a elite brasileira, que passou a se preocupar muito com o museu depois que ele foi destruído, está muito preocupada com a imagem, então agora estão querendo fazer coisas para consertar, mas nada é tão eloquente quanto essa imagem, que alguns já disseram que é uma metáfora do que está ocorrendo no Brasil, essa imagem trágica do incêndio.
Eu me lembro que há 40 anos ocorreu algo parecido com o Museu de Arte Moderna, e um pintor uruguaio, Torres Garcia, perdeu metade da sua coleção, além de outras obras do próprio acervo, mas não é comparável a esse terrível desastre. Em inglês tem uma expressão “man made disaster”. Quer dizer, não é um desastre casual. Enfim, essa foi a imagem que iniciamos essa semana.
Mas eu estou vendo essa questão de imagem, que é uma preocupação da elite brasileira, porque eu vejo também em jornalistas e até em certa entrevistas que procuram focalizar na imagem sob o lado da política dizer que a imagem do Brasil no exterior está sendo afetada por uma “campanha internacional” movida pelo PT.
Eu acho muito impressionante isso porque é imaginar que o PT, as pessoas que estão movidas por alguma coisa que diga respeito à discussão política, ao debate político têm um poder incrível de manipulação, você manipula o Papa, manipula a ONU, manipula os juristas internacionais mais conhecidos, ex-chefes de governo, tudo isso manipulado.
Isso me faz lembrar um pouco uma situação que vivi na época da ditadura, uma situação muito ruim no Brasil. Eu me lembro que uma vez eu trabalhava na missão do Brasil junto à OEA, e tinha embaixador que era um homem de bem.
Não se opunha, não tinha condições, mas era um homem de bem. Um dia chegou uma delegação de Brasília, e o chefe da delegação disse que estava muito preocupado com a imagem do Brasil e aí esse embaixador falou: “Eu tenho uma solução para essa questão da imagem”. E o chefe da delegação, muito ansioso, perguntou qual era a sugestão, e o embaixador disse: “Acaba com a tortura! Acaba com a tortura, melhora a imagem”.
Então hoje no Brasil nós vivemos uma situação parecida porque o que tem sido noticiado são os fatos, e os fatos são muito impressionantes. Não adianta vir alguém e dizer – eu não vou comentar nomes porque não quero problema com a Justiça, era o que faltava – mas o que eu estou dizendo é que nos jornais brasileiros você lê coisas do tipo como “um comitezinho”, eu não sei se isso é ignorância, má fé. Outro dizer, “não nos curvaremos à ONU”. “Não nos curvaremos a ONU” é uma coisa que eu só ouvi diretamente nem dos representantes da maior potência do mundo.
Eu fui embaixador da ONU durante o governo FHC, passei lá quatro anos, e não ouvi de ninguém. Você ouvia, às vezes, de um político de extrema-direita nos Estados Unidos, tipo Jesse Helms, Newton Gingrich, eles diziam: “Não podemos nos curvar à ONU”, tinha o mito dos helicópteros negros, mas nem se quer o governo americano jamais disse isso. Podia às vezes até não seguir, mas disfarçava, não tinha esse desplante que a gente ouve aqui das pessoas dizendo “não vamos nos curvar à ONU”. A ONU a final das contas é o que todos nós precisamos para ter um mundo minimamente pacífico.
Essa parte internacional tem chamado atenção do mundo, e a propósito disso eu quero mencionar, alguém vai dizer que isso é nossa capacidade de manipulação, mas haja capacidade para fazer isso. Vamos ter um seminário, dia 14, na Fundação Perseu Abramo, em que virão três ex-primeiro ministros europeus, sendo que um inclusive, o francês, foi primeiro-ministro do Chirac, portanto de um governo de centro-direita, como eles próprios se qualificam, “Droit Républicain” e dois sociais democratas que são o D’Alema, da Itália, e o Zapatero, da Espanha.
Virá um intelectual como Noam Chomsky, que é talvez hoje o intelectual mais lido, mais comentado e de maior influência no mundo. Respeitadíssimo, inclusive pelo tratamento que faz da mídia, vai estar aqui também, ele viaja pouquíssimo, é difícil ter o Noam Chomsky.
Virá uma pessoa tão importante do México como Cuauhtémoc Cárdenas, primeiro fundador de um partido que foi uma dissidência à esquerda do que existia antes no México. Agora ele nem é do mesmo partido, mas provavelmente ele e outras pessoas como ele terão influência no próximo governo.
Virá também o ex-secretário geral da Amnesty International, um senegalês, Pierre Sané, veja bem, Anistia Internacional, que cuida dos direitos humanos. Por que essas pessoas todas estão preocupadas? Por que elas vão se expor diante de seu público interno se elas não tivessem a convicção de que algo estranho está se passando no Brasil? Algo tão estranho, como disse aqui na última vez, que faz com que a prisão de Curitiba seja mais visitada do que o Palácio Presidencial por personalidades importantes. Provavelmente é mais difícil fazer a agenda do ex-presidente Lula na prisão do que a do atual presidente em matéria de compromissos internacionais.
Você tem essa situação. As pessoas vão ver, essas pessoas vão estar aqui, e quem tiver interesse na opinião delas, pergunte. Vamos ver se é tudo manipulação. É impossível isso.
Vai ter também brasileiros, professor Bresser Pereira, que foi ministro do Fernando Henrique Cardoso, Marilena Chauí, uma filósofa muito respeitada, essa sim ligada ao PT, e dois ministro da região. O ex-ministro do exterior da Argentina, Jorge Taiana, um homem muito ligado à temática de direitos humanos, e o ex-ministro Carlos Ominami, chileno.
Eu acho que este seminário será uma ocasião em que os olhos do mundo estarão colocados no Brasil e acho que é uma excelente oportunidade, até porque existe um processo em andamento, para mostrar que o bom senso, eu não gosto de me meter em coisas jurídicas, mas o bom senso que um dos ministros demonstrou na discussão possa talvez prevalecer e ver que essa é a melhor solução para pacificar o Brasil, para devolver credibilidade à representação do Brasil lá fora, porque hoje tem muito pouca, se é que tem ainda alguma.
Essas são as reflexões que me ocorrem em uma semana que começou de maneira tão trágica, mas quem sabe, termina de uma maneira mais alvissareira.

joao sigrist says:
Caro Ministro Celso Amorim, suas analises sao perfeitas e feitas por um homem ,diplomata e serio , que deveria ser normal em nosso pais. Porem com o advento de nossa triste realidade de golpistas ocupando o poder ilegitimamente so podemos esperar isso que ai esta.
Tratados sao para serem cumpridos e nao abandonados conforme a vontade de picaretas que utilizam o poder em beneficio proprio.
E lamentavel ver nosso pais voltar a ser um pais que nao cumpre as leis como na epoca nebulosa da ditadura militar.
Vamos torcer para que no proximo ano tenhamos um comandante da naçao com sabedoria e cumpridor das suas obrigaçoes mais elementares, como a de cumprir tratados assinados.
Liliane says:
Veja o relato pessoal de quem conviveu com revolucionários socialistas desde a ditadura militar:
http://carlosliliane64.wixsite.com/magiaeseriados/um-relato-pessoal