Cultura

Que o #MeToo possa, finalmente, colocar a música clássica no século 21

O movimento #MeToo chegou à música clássica. Chegando como um tsunami que está abalando a carreira de dois regentes veteranos internacionais muito conhecidos. O suíço Charles Dutoit, de 81 anos e o americano James Levine, com 75 anos.

Primeiro contextualizar o que foi esse negócio de #MeToo. Começou esse movimento na indústria de entretenimento norte-americana, no cinema, com acusações de assédio sexual contra o produtor Harvey Weinstein e daí passou a uma avalanche de denúncias contra muitos nomes importantes do cinema, contra muitos diretores e muitos atores.

Aí essa campanha, surpreendentemente, transbordou para a música clássica. Pegou dois caras, que inclusive eu tenho um monte de discos lá em casa, agora preciso até decidir o que eu vou fazer com eles. O Charles Dutoit, esse regente suíço de 81 anos, ele tem uma carreira muito boa, foi marido da pianista Martha Argerich, associada sobretudo à Orquestra de Montreal no Canadá que ele deu um “up”. Ele a transformou em uma orquestra de padrão internacional. Mas, na verdade, ele já tinha sido demitido dessa Orquestra por assédio, não sexual, mas assédio moral. Ele já não vinha se comportando bem com os músicos de lá.

Depois James Levine, que tem uma carreira muito forte nos Estados Unidos, associado à Sinfônica de Boston, associado sobretudo ao Metropolitan de Nova Iorque, a casa na qual ele atuou por décadas e que ele transformou, talvez, no grande teatro de ópera do mundo, pelo menos quando estava sob a batuta do Levine.

As acusações contra o Dutoit e o Levine são muito parecidas. São coisas que vêm de quarenta anos para cá, que surgiram todas agora, ligadas a abusos de poder, de usar essa posição de regente para obter favores sexuais de maneira muito sistemática. Começaram a pipocar acusações contra ambos.

Aqui eu não queria refletir sobre o fato de uma pessoa ter caráter duvidoso coloca a obra artística dela em risco ou se a gente não deve ir atrás das criações de artistas que são reconhecidamente falhos de caráter. Isso já foi muito discutido. O que eu queria discutir dentro do âmbito da música clássica é que nos espanta do #MeToo estar chegando lá é que esse é um ambiente muito fechado, muito restrito, muito fechado dentro de si mesmo.

A gente entra em uma sala de concerto vê aquele pessoal lá com roupa do século 19. Parece que eles estão presos a um sistema de valores do século 19.

Vou te perguntar uma coisa: quantos concertos que você foi que estavam tocando obra de compositora mulher? Quantas vezes você viu uma mulher regendo uma orquestra com a batuta, mandando naqueles homens? E os negros? Pensa em um país como o Brasil, não estou cobrando a Suécia. Aqui no Brasil, com a composição étnica que a gente tem. Quantos maestros negros você vê por aí? Quantos deles estão chefiando nossas orquestras importantes, nossos teatros de ponta?

Então, acho que o positivo do #MeToo está entrando no mundo da música clássica, além dessa campanha muito bem-vinda para acabar com abuso de poder e assédio sexual, é talvez ter a esperança que esse mundo tão fechado da música clássica, finalmente, possa incorporar agendas modernas de inclusão. Que possa finalmente entrar no século 21.

Mais Nocaute: 

“Querido Lula”

“Nunca houve tanto fim como agora”.

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