Cultura

Os irmãos Strugátski e seu piquenique na beira de alguma estrada cósmica

Nesse livro, os alienígenas vieram à Terra, fizeram um piquenique e largaram seus restos. E o que acontece? Esses restos são badulaques intergalácticos. Têm algumas propriedades que alteram as coisas aqui e ficam isolados em locais que são chamados de zonas.

Sempre que eu vejo manifestações de xenofobia de líderes atuais, e tem sido cada vez mais frequente, seja um Donald Trump, uma Marie Le Pen, agora um Matteo Salvini, na Itália. Eu não tenho como não me lembrar de uma certa literatura de ficção científica. Aquele jeito de encarar o alienígena com medo, o alienígena que vem para sequestrar, para roubar, para matar, para exterminar.

Obviamente, é uma maneira muito ruim de vivenciar a alteridade, uma maneira de não aceitar o diferente.

Por isso eu gosto muito desse livro russo da década de 70: Piquenique na Estrada. Porque ele parte de uma premissa inversa. Sim, existe vida no espaço. Sim, os alienígenas deram um rolezinho aqui na terra, e não se interessaram de jeito nenhum por nós, pelo o que viram.

O personagem esclarece aqui, personagem do livro diz:
“Imagine uma estrada no interior, uma clareira na mata, perto da estrada. Abrem-se as portas, e sai uma turma de jovens. Começam a tirar do porta-malas cestas com mantimentos, armam as tendas, acendem a fogueira. Churrasco, música, fotos… De manhã eles vão embora. Animais, pássaros e insetos da floresta, que assistiram horrorizados àquele evento noturno, saem de seus esconderijos. E o que eles encontram? Manchas do óleo que pingou do radiador, uma lata com um pouco de gasolina, velas e filtros usados. Do lado, estão jogados os panos sujos de óleo, as lâmpadas queimadas, uma chave de fenda que alguém esqueceu na grama. Nos rastros deixados pelo carro sobrou um pouco de lama que veio grudada de algum brejo no caminho… E, claro, há cinzas de fogueira, restos de comida, embalagens de chocolate, latas e garrafas de bebida, guardanapos amassados, bitucas, um lenço perdido, um velho jornal rasgado, um canivete de bolso derrubado por alguém, moedas, flores murchas do campo vizinho…”

Aí o outro personagem responde:
“Entendi – resumiu Noonan. – É um piquenique na beira da estrada. – Exatamente. Um piquenique na beira de alguma estrada cósmica”.

Nesse livro, os alienígenas vieram à Terra, fizeram um piquenique e largaram seus restos. E o que acontece? Esses restos são badulaques intergalácticos. Têm algumas propriedades que alteram as coisas aqui e ficam isolados em locais que são chamados de zonas.

E têm os personagens chamados Stalkers que, como a gente está na União Soviética dos anos 70, tem que ter um jeitinho de driblar, que vão para essa zona de acesso proibido e contrabandeiam esses badulaques para o lado de cá ou, eventualmente, levam um ou outro turista interessado em conhecer esse exotismo.

Então, é um livro de 1972 de dois escritores muito populares na União Soviética: Arkádi Strugátski e Boris Strugátski, eles era irmãos. O mais velho Arkádi era de 1925, morreu em 1991. O Boris era de 1933 e morreu em 2012.

Esse nome Stalkers talvez tenha alguma ressonância em quem acompanha a cultura russa. Os irmãos Strugátski colaboraram com o diretor Andrei Tarkovski para a partir da ideia desse livro, fazer um filme que se tornou um dos filmes mais importantes da carreira do Tarkovski. Um filme, justamente, chamado Stalkers.

O filme parte da ideia do livro, mas não filma exatamente essa trama. Tem todo aquele ritmo muito peculiar do Tarkovski, todo um caráter mais filosófico e reflexivo.

Eu diria, então, que aqui não é uma questão do filme ser melhor que o livro ou vice-versa. As duas experiências se complementam. O Piquenique na Estrada na edição brasileira, ainda se recomenda mais, porque a tradução foi feita por Tatiana Larkina, talvez seja a melhor professora de língua russa aqui no Brasil. Que é russa, mas adotou uma linguagem bastante brasileira, cheia de gírias e coloquialismos que aproxima o mundo dos irmãos Strugátski da gente.

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