Brasil

O Vietnã é na Maré

Coppola deveria filmar a Cavalgada das Valquírias nos morros do Rio de Janeiro, porque é isso que nós estamos vivendo aqui no Brasil.

Imaginem a cena.

Um helicóptero militar, com soldados armados até os dentes dentro dele, faz um sobrevoo rasante em uma área urbana densamente populacional. De repente esses soldados disparam suas metralhadoras sobre a população lá embaixo, população civil, e matam pelo menos oito pessoas. Inclusive um adolescente de 14 anos de idade que estava de uniforme e mochila, indo para a escola.

Que cena é essa?

Alguns poderão dizer que isso é uma releitura do filme Apocalypse Now, aquela famosa cena da Cavalgada das Valquírias, em que os helicópteros dos Estados Unidos disparam metralhadoras sobre vilas no Vietnã.

Outros poderão dizer que é uma releitura dessa cena mas reproduzida no Iraque, reproduzida na guerra civil da Síria, reproduzida no Afeganistão, ou em alguma outra guerra por aí.

Nada disso. Isso é uma cena real, verdadeira, que ocorreu no dia 20 de junho na Favela da Maré no Rio de Janeiro e a população atingida foi a população que habitava o local.

O garoto que morreu com 14 anos de idade chamava-se Marcos Vinícius da Silva. Um menino bonito, simpático, sorridente, e a última coisa que ele disse pra mãe dele, já ensanguentado – porque uma bala entrou pela sua costa e saiu pela barriga do moleque – foi: “mamãe, será que eles não viram que eu estava de uniforme e indo para a escola?”.

No dia seguinte, a Defensoria Pública entrou com um pedido de liminar na Justiça do Rio de Janeiro, pedindo para que a justiça impedisse o sobrevoo de helicópteros, com soldados armados dentro, disparando contra a população civil.

Essa liminar foi vetada pela juíza Ana Cecilia Argueso Gomes de Almeida, que alegou não haver motivos para conceder essa liminar porque não havia evidências de que houve abuso por parte da Polícia Militar e do Exército.

“Não houve abuso”.

Disparar metralhadoras sobre a população civil, inocente, numa favela não é abuso. Não é violação dos Direitos Humanos, segundo essa juíza. Isso é um absurdo, é um descalabro, nos deixa sem ter o que dizer.

Reparem o que o ministro da Justiça do Brasil, Torquato Jardim, disse ao se referir sobre o episódio:  “Você vê uma criança bonitinha, de 12 anos de idade, entrando em uma escola pública, e não sabe o que ela vai fazer depois da escola. É muito complicado.”

O ministro da Justiça falou isso. É lícito disparar em uma criança de 12 anos de idade, segundo ele, porque você não sabe o que ela vai fazer depois da escola. O ministro da Justiça falou isso.

Eu quero saber em que outro país do mundo o Exército e Polícia disparam contra a população civil e isso é considerado uma coisa normal. Nem na ditadura militar houve um negócio desse jeito.

Nem na ditadura militar houve um negócio desse jeito.

É claro que o Exército e a polícia estão tratando as populações dos morros do Rio de Janeiro como uma população inimiga e isso tem uma razão bastante clara, são pretos, são pobres, vivem na periferia e, portanto, são inimigos do povo brasileiro.

É assim que está sendo tratada essa questão por parte da Justiça, da Polícia Militar e do Exército. É um absurdo que um sujeito, ministro da Justiça, dê uma declaração dessa. Um garoto de 14 anos, sorridente, bonito, com uniforme para ir para a escola, com mochila, simpático, que morra nos braços da mãe dizendo: “mãe eles não viram que eu estava de uniforme?”.

A única conclusão que eu tiro é que o Vietnã é aqui. Coppola deveria filmar a Cavalgada das Valquírias nos morros do Rio de Janeiro, porque é isso que nós estamos vivendo aqui no Brasil.

 

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