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Persistem problemas levantados pelos caminhoneiros

Haroldo Lima*

As cinco medidas anunciadas na noite de ontem (27) por Temer, em resposta às reivindicações dos caminhoneiros em greve, podem levar à suspensão do movimento paredista, mas não resolvem o problema existente.

A atual política de preços de combustíveis da Petrobras não foi revogada, será mitigada. A Petrobras continuará como uma empresa que tem compromissos impreteríveis com seus acionistas privados, a quem tem de pagar dividendos, não com o Brasil, a quem teria que garantir abastecimento.

Os preços dos combustíveis, que estavam sendo reajustados diariamente, passarão a sê-los a cada 30 dias, depois do congelamento inicial de 60 dias. Pedro Parente, responsável pela imposição de uma política que provocou o caos no país e fez a Petrobras perder R$ 74,3 bilhões de valor de mercado, segue incólume, dirigindo-a segundo a concepção que tem de como deve ser essa empresa. É essa sua concepção: tratar a estatal como uma empresa privada. Aliás, essa concepção, que predomina no momento, não é só dele e está na raiz dos problemas aflorados. Senão, vejamos.

A variação dos preços internacionais do petróleo, durante o governo Dilma, era repassada ao consumidor brasileiro de três em três meses, garantindo-se certa estabilidade nos preços e nos negócios dos transportadores de mercadorias no país. Era também uma forma de controlar a inflação.

Esse mecanismo, em certas circunstâncias, causava prejuízo à Petrobras, que comprava óleo e derivados no exterior a um preço determinado e vendia os derivados no mercado interno por um valor menor. Isto era reflexo de um intricado problema de fundo: o consumidor brasileiro não poderia ser submetido a preços extorsivos de combustíveis, tampouco a Petrobras deveria arcar, sozinha, por tempo prolongado, sem compensações, por uma política de preços contidos.

Essa complexa questão demandava sem dúvida uma solução complexa, que envolvesse o comportamento de vários setores do ciclo do combustível, principalmente de dois dos mais importantes: o da produção, que a partir do pré-sal assumiu uma escala crescente que reduziu custos, e o da refinação, gravemente debilitado pela ociosidade das refinarias existentes e pela ausência de novas refinarias no país, onde a última inaugurada foi há 38 anos.

Sobretudo depois do pré-sal, parecia evidente a necessidade de construção de novas refinarias e de retirar as atuais da ociosidade. Isto porque, do ponto de vista nacional, o óleo abundante que passamos a ter deveria ser refinado para abastecer o mercado brasileiro e para exportar derivados, na medida das possibilidades.

Esse assunto começara a ser tratado na época do governo Lula, quando projetos de construção de refinarias passaram a ser examinados e capitais privados estavam sendo atraídos.

Eis que Temer, no governo federal, e Pedro Parente, na presidência da Petrobras, suspendem essas providências e o referido problema, que era complexo, foi “resolvido” de forma simplória. Em julho de 2017, anunciou-se que a Petrobras adotara “nova política de preços”, repassando ao consumidor brasileiro todas as oscilações internacionais dos preços do petróleo e as variações do dólar. Ditos repasses seriam feitos com rapidez, e de fato passaram a ser feitos “diariamente”.

Essa “nova” política nada tem de nova, é aplicada em alguns países e é chamada de Paridade de Preços Internacionais, PPI. Contudo, os países que a adotam têm características distintas das brasileiras, têm estoques reguladores, como os Estados Unidos e moedas mais ou menos estáveis. Aqui, se coincidissem variações maiores do preço do petróleo com alterações significativas do câmbio, o resultado elevaria desproporcionalmente os preços dos combustíveis. E não deu outra.

De 3 de julho de 2017 para cá, com reajustes diários em certos períodos, a Petrobras elevou o preço do óleo diesel em suas refinarias 121 vezes, totalizando uma alta de 56,5%.

Em 2016, Pedro Parente assumiu a presidência da Petrobras afirmando que “a política de preços passaria a ser guiada pelos interesses da empresa, sem influência do governo”. Como o governo representa os interesses do Estado brasileiro, o anúncio do Parente significava que os interesses do Estado brasileiro não iriam influenciar na companhia, que levaria em conta outros interesses, os dos acionistas privados. Uma rápida apreciação sobre a situação dos acionistas da Petrobras ilumina mais essa questão.

Em 2010, a participação estatal no capital social da empresa era de 39,8% (32,1% da União e 7,7% do BNDESPar). O restante 60,2% era de capital privado.

Desse capital privado, 38% estava em mãos estrangeiras (pessoas físicas, instituições financeiras e especuladores), dos quais 29,7% eram de propriedade americana (os ADRs, American Depositary Receipts, negociados na Bolsa de Valores de Nova York, a partir do governo de FHC).

Resumindo, perto de 40% dos lucros das operações da Petrobras, resultantes da produção do pré-sal e outras atividades, são remetidos ao exterior.

A União tem o controle acionário da companhia porque detém 55,6% das ações ordinárias, que tem direito a voto. Portanto, controla a empresa com uma folga de 5,6% do total das ações ordinárias.

Em 2010 houve uma variação nesse quadro: durante o governo Lula, na chamada “cessão onerosa”, a Petrobras “pagou” em ações à União, os 5 bilhões de barris de petróleo a ela cedidos, localizados pela ANP em Franco, no pré-sal. A União passou a ter então 42% no capital social da Petrobras (eram 32,1%). Somando com os 7,7% do BNDESPar, significa que no capital social da Petrobras, hoje, 49,7% são de capital estatal.

Quando a Petrobras, sob o comando de Pedro Parente, decide aplicar uma política de preços, “sem ingerência do Governo”, está anunciando que só haverá ingerência dos seus acionistas privados, em sua maioria americanos, enquanto os interesses da Nação brasileira estariam sobrestados. A “nova política de preços”, tão lardeada, é expressão dessa visão.

Por onde se vê que temos muito caminho ainda a percorrer.

Haroldo Lima* é engenheiro, membro da Comissão Política do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil e ex-diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. 

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Damous estreia no Nocaute: "Alteração diária no preço do combustível é algo absolutamente inaceitável".


 

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  1. Avatar
    José Eduardo Garcia de Souza says:

    Novamente, não tentem se apossar desta pauta, já que não vai funcionar e, caso funcionasse, seria o fim da esquerda no Brasil por bom tempo. Em primeiro lugar, os caminhoneiros não estão nem aí para a CUT e quejandos, e há grupos dentro deles que a rejeitam liminarmente e não a querem ver associada a eles. Por trás desta “greve” há, na verdade, uma tentativa de golpe de estado – desejado por grupos de extrema direita e alguns sites ditos “jornalísticos” (alguns mesmo associados a empresas financeiras) que só querem usá-la para tentar forçar uma intervenção militar que atinja o Executivo, o Legislativo e o STF, bem como altas astronômicas do dólar – de mãos dadas com um locaute gerado por patrões inescrupulosos, Ou seja, caso ela vingue, não vai ser só o governo que cai, mas sim todos os três poderes e o país vai parar na mão de brucutus e hidrófobos entre cujas primeiras providências estará, garanto, a eliminação das esquerdas, seja por censura seja por métodos conhecidos e que ninguém em sã consciência deseja.

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