Brasil

Greve nos transportes detona bomba de desinformação e pânico


Eu sei que é difícil acreditar, porque, afinal, já faz muito tempo.
Mas houve uma época no Brasil em que o jornalismo profissional, a grande imprensa, a mídia corporativa, a imprensa burguesa, como se queira chamá-la, tinha algum senso de responsabilidade.
Você pode pasmar à vontade, mas isso valia até para a TV Globo, esse oráculo onde a opinião pública majoritária busca a razão de todas as coisas, a verdade revelada.
Eu ainda ouço o Armando Nogueira, fundador do telejornalismo global e seu diretor por mais de vinte anos, recomendando cautela a todos nós da redação, os pauteiros, repórteres e editores.
“O Jornal Nacional é uma arma atômica”, dizia o Armando. “O nosso noticiário tem de ser feito com extremo cuidado, porque as nossas palavras desencadeiam reações monumentais no país. Temos de pesar muito bem cada coisa que fazemos”.
Esse cuidado não impediu que, inúmeras vezes, mesmo com Armando Nogueira no comando dos botões, a arma atômica fosse disparada, no interesse político ou empresarial da Globo.
Mas não era rotina e, quando acontecia, dava pano para muita manga, muito debate interno, muito tensionamento dos limites da liberdade editorial e das responsabilidades no jornalismo.
É importante evocar essa tensão entre a responsabilidade jornalística e os interesses da mídia, neste momento em que ela praticamente desapareceu, engolida por eles.
A mistura de informação precária e parcial com a cobertura excitada e alarmista dos fatos – agora indistintamente transmitidos ao vivo por qualquer mídia eletrônica, seja TV, rádio ou portal de notícias -. é o plutônio que faz explodir a bomba na opinião pública.
Acontece uma paralisação no setor de transporte rodoviário e, antes que se saiba sequer se é uma greve de caminhoneiros ou um locaute de empresas transportadoras, se quem está no comando são trabalhadores ou patrões, se a pauta é econômica ou política, ou as duas coisas, a bomba já explode a sua radiação pestilenta de pânico e caos.
A paralisação não atinge nem dois dias e a população já corre aos supermercados, para se precaver de um suposto desabastecimento, fortemente especulado.
Um setor radicalizado dos grevistas pede intervenção militar no país e as pessoas já sentem a iminência dos tanques saindo às ruas.
Os danos reais da greve são elevados à enésima potência e a percepção distorcida deles gera um dano político e psicossocial ainda maior, produzindo uma espiral de insensatez.
Esse é o preço do jornalismo de campanha, por alguns chamado jornalismo de guerra, não por acaso.
Esse jornalismo que milita em favor de teses e causas, e põe o noticiário a seu favor, apurando os fatos e angulando a sua difusão por critérios políticos e empresariais, não os da busca da verdade e do equilíbrio editorial.
Quando é preciso defender a Petrobras em rota de privatização, e a política de livre mercado para o preço dos combustíveis, tudo que atrapalhe isso deve ser demonizado. Mesmo ao custo de espalhar a desinformação e o terror.
Aí os caminhoneiros gritam que a Globo é comunista e o jornalismo corporativo fica perplexo. Tanta cobertura, tanta notícia, e ninguém entendendo nada….
Mais Nocaute:

Temer põe Exército contra caminhoneiros e prefeito de SP decreta “estado de emergência”.

Caixa-Preta: Ana e Fernando discutem a greve dos caminhoneiros

Os Bodes – 165: Greve dos caminhoneiros

Câmbio, presidente!?


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