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Por isso pergunto: a quem interessa que sejamos corruptos?


Poucos preceitos são tão universalmente aceitos quanto a falácia de que a principal causa do subdesenvolvimento do Sul global é a corrupção. Poucos preceitos reduzem tanto o debate. E poucos preceitos servem tão bem aos interesses de atores específicos. Não é à toa que a cruzada anticorrupção segue sendo um dos principais carros-chefes da política externa dos Estados Unidos. Não é à toa que o suposto combate à corrupção está na raiz das mudanças forçadas de regime que vemos se espalhar pela América Latina e pelo mundo.
Mas há corrupções e corrupções. E é justamente essa moralidade seletiva que empobrece o debate. Poucas pautas são tão perniciosas para o Estado Democrático de Direito quanto a cruzada anticorrupção, especialmente quando o debate é colocado propositalmente fora do contexto sistêmico em que se insere.
Apenas uma parte ínfima do fluxo global de dinheiro ilícito é proveniente da corrupção estatal. E a maior parte desses recursos ilícitos é processada e usufruída em cidades como Londres e Nova York. Enquanto somos bombardeados com notícias que favorecem a perseguição e criminalização de certos setores e atores da sociedade, a corrupção institucionalizada, como os bilhões que perdemos todos os anos em sonegação fiscal e com a dívida pública não auditada, por exemplo, não passam de uma nota de rodapé. Somos levados a crer que vivemos em uma sociedade inerentemente corrupta, e, para superar esse “fato incontestável” – muitas aspas aqui -, precisamos abrir mão dos nossos direitos mais fundamentais.
Frente à impossibilidade de avançar a agenda neoliberal através das urnas, impõe-se a falácia de que os governos progressistas são invariavelmente corruptos e precisam ser tutelados justamente para avançar a presença imperialista e preservar certos interesses e privilégios. Se nas décadas de 80 e 90 o combate ao narcotráfico foi o principal motor para avançar a presença dos Estados Unidos na América Latina, hoje o suposto combate à corrupção é o que justifica esse avanço. Um avanço talvez ainda mais pernicioso, uma vez que, ao invés da ameaça tangível das bases militares, o que vemos agora é um ataque silencioso às nossas próprias instituições nacionais.

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  1. Avatar
    José Eduardo Garcia de Souza says:

    Perdão mas, como de hábito, a articulista não pensa antes de escrever e, ao entrar nesta linha de argumento dá “razão” ao discurso de mitómanos como Deltan “Mahatma Gandhi” Dallagnol e farsantes como Marcelo “Dois Auxílios Bretas”, na medida em que o problema não vem de fora, mas sim de dentro:
    1. Dallagnol, Bretas e parte da imprensa histérica focam a sua sanha exclusivamente no combate à corrupção estatal, como se isto – sem jamais relativizar a sua extensão, como a articulista irresponsavelmente faz – fosse a solução universal pra os problemas do Brasil. Resolve em parte, é claro, e jamais deve ser descurada, por óbvio e à luz dos desastres que foram causados na Petrobrás e outras empresas por culpa da corrupção que grassava por lá.
    2. Mas este foco exclusivo na corrupção de tais “iluminados da retidão” nada tem a ver com o “imperialismo norte-americano” e chavões semelhantes que datam de meados do século passado, mas sim de um desejo de estabelecerem-se como uma “elite despótica governante onde poderão fazer tábua rasa da política e da Constituição, como tentam diariamente, seja por atos ou mensagens. Eles querem “refundar a República”, mas só aceitam uma feita à sua imagem e semelhança e onde poderão:
    a. Manter o estatismo absurdo que ainda vigora na economia e evitar reformas fundamentais – como, por exemplo a da Previdência, que se não for iniciada no ano que vem levará ao colapso das contas públicas em menos de cinco anos levará a uma situação como a da Grécia, onde simplesmente não havia dinheiro para pagar as pensões.
    b. Preservar os seus privilégios de “fat cats” do funcionalismo, onde abundam “auxílios-moradia”, “lanche”, “paletó”, “livro” e outras coisas mais, bem como – e voltamos ao ponto acima – as suas pensões integrais, algo que destoa absurdamente do que ocorre com as massas cujos anseios dizem representar.
    Em suma, o problema não “vem dos americanos” mas sim de dentro de nós. É claro que é necessário combater a corrupção, e nenhuma desculpa endógena ou exógena de qualquer coloração política serve para impedir ou arrefecer isto. Mas é necessário ir além e ver que na sanha dos Napoleões de hospício do Ministério Público e do Judiciário esconde-se o desejo de manter uma massa estatal ineficiente, falida e cada vez mais propensa à corrupção – moral, financeira e profissional. E aí a articulista cai numa armadilha que ela mesma monta e que os Napoleões engatilham e dispoaram com a maior alegria: para manter o estatismo obsoleto que arrasta o Brasil para baixo, preservar moedas de troca de poder político ,abides de emprego e privilégios absurdos e, portanto, evitar as tais “agendas neoliberais” é preciso justamente preservar os Dallagnols, Bretas e outros iguais e o seu fogo purificador…

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