Brasil

Ele, o Supremo

Da série: crônicas do andar de cima

Por Claudio Guedes (*)

É natural de Vassouras (RJ), a “cidade dos barões”, designação recebida quando o município era o mais destacado produtor de café no país. Tempos do Império. Jovem, tem apenas 59 anos. Possui extensa atividade acadêmica na área do direito público, especialmente teoria constitucional, no Brasil e no exterior. Andou por Yale e Harvard.

Seu nome é Luís Roberto Barroso, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Antes foi um advogado destacado. Esteve à frente de causas polêmicas, de cunho progressista e libertário.

Tinha tudo para ser um juiz de primeira grandeza no medíocre STF da atual safra. Por que não o é?

“Nós, o Supremo” é o título do artigo que sua excelência publicou na Ilustríssima, da Folha de S. Paulo, de 22/02. Título que denuncia algo próximo à prepotência. Eles, os poderosos. O ministro, carioca de forte sotaque, é um tipo que se encanta, fácil, fácil, com o som da própria voz. Um ser que se julga Superior (com s maiúsculo, claro). E muito mais. Se vaidade matasse seria um forte candidato ao suicídio. Não mata.

Lá pelas tantas, após uma defesa desavergonhada do nosso atual STF, afirma Barroso, sem qualquer constrangimento:
“Cortes Constitucionais, porém, desempenham também uma função representativa, quando atendem demandas sociais que não foram satisfeitas a tempo pelo Legislativo.”

Uau!

Só restou ao sábio ministro demonstrar onde se encontra tal formulação na Constituição da República Federativa do Brasil. Onde está escrito, na Constituição em vigência, que cabe ao STF desempenhar função representativa. E mais, onde, na Carta Magna, se encontra a função do STF de atender demandas sociais não satisfeitas pelo Legislativo. A tempo. A tempo de quê? Qual o tempo? Dois dias, dois meses, duas décadas?

Li e reli o Artigo 102° da Constituição sobre a competência do STF. Nada parecido, nem próximo, da formulação de Barroso. Pelo contrário. No Artigo 1°, não à toa o que abre o estatuto do estado de direito brasileiro, está lá, de forma simples e objetiva: “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio dos seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Como o STF não possui seus membros eleitos pelo povo, nem é o povo em si, não pode, em nenhuma hipótese, se arvorar em representá-lo. Não lhe é permitido.

Defende também o constitucionalista de Vassouras que, além da função representativa, o STF teria função iluminista. Foi ao século XVIII buscar argumentos à sua lógica inconstitucional e voltou, à quase velocidade da luz, ao século XX, ao citar, como exemplo de decisão iluminista de uma corte constitucional, a da Suprema Corte Americana em decretar o fim da segregação racial nas escolas públicas do EUA. Sei não.

Acho, e claro que posso estar enganado, que a decisão da Corte Americana, foi apenas uma resposta tardia à Décima Terceira Emenda à Constituição dos Estados Unidos (The Thirteenth Amendment to the United States Constitution) que aboliu, em 1865, oficialmente em território americano a escravatura. Em 1954, o então presidente do tribunal, Earl Warren, escreveu em seu veredicto que “instalações educacionais [para brancos e negros] separadas são inerentemente desiguais”. Em seguida, determinou-se que as escolas públicas deveriam receber alunos negros e brancos já em 1955. Ou seja, nada de iluminismo, mas apenas racionalidade anglo-saxônica. O que a Corte Americana afirmou foi: se negros e brancos são cidadãos livres, em todo o território americano, e pagam impostos iguais, não podem ser diferenciados em instalações mantidas com dinheiro público.

Na mesma linha, o reconhecimento das uniões homoafetivas, no Brasil, pelo nosso STF, nada possuiu de inspiração iluminista. Com o entendimento, o STF apenas interpretou a lei civil conforme a Constituição, no que diz respeito à aplicação da união estável entre pessoas do mesmo sexo, tendo em vista que tanto o § 3º do Artigo 226° da CF, regulamentada pela Lei Federal nº 9.728/96 (lei que rege as uniões estáveis), assim como o Artigo 1723° do Código Civil, jamais proibiram o reconhecimento destas relações, seja por omissão, seja porque nem mesmo poderiam fazê-lo se considerasse a proibição em confronto com os direitos fundamentais insculpidos na lei constitucional. Tão simples quanto. Nesse caso, o STF apenas cumpriu sua função.

Na continuidade de sua longa defesa da atuação do STF, nem uma palavra sobre a omissão deliberada quando no caso Eduardo Cunha X Dilma Rousseff. Por que a Corte, tão ciosa, segundo Barroso, de seus deveres na luta contra a corrupção, permitiu que um corrupto declarado conduzisse o processo de impeachment contra a ex-presidente? O ministro se recusa a apontar contradições nos próprios entendimentos que defende.

Barroso também defende a decisão, da qual foi um dos articuladores, do STF em permitir a execução de condenações penais após o segundo grau. Segundo ele o impacto dessa mudança foi “expressivo e abrangente” no país. Eu pergunto: é essa observação que esperamos de um constitucionalista? O ministro Barroso leu e entendeu o Artigo 5°, inciso LVII, da Constituição? Não está lá, literalmente, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”. Se ninguém será considerado culpado até o final do processo como pode ter a sentença executada antes do final do processo? O que vale, o que está escrito na Constituição ou o que o ministro Barroso acha que deveria estar escrito na Constituição?

Ora, ora, como o ministro Barroso entende que a Corte da qual faz parte possui também uma função representativa, entende que ele não é apenas um ministro do STF, é também legislador e, não apenas, é legislador universal, supremo (que está acima de qualquer coisa) e que portanto não precisa respeitar e garantir o que determina a Constituição. A Constituição, essa coisa elaborada por mortais comuns eleitos pelo povo.

É isso.

O ministro Luís Roberto Barroso foi apenas uma promessa. De duração efêmera. Hoje é mais um a fragilizar a já desprestigiada justiça nacional. Uma lástima.

*Claudio Guedes, 62, é natural de Salvador, Bahia. Bacharel em Física, pós-graduado em Geofísica e Energia, é empresário

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