Brasil

Piada de Haddad vira fake news na Folha


 
A Folha de S.Paulo é recordista de preocupação com a acuidade jornalística, entre os veículos da imprensa tradicional.
Uma pesquisa simples na internet, que fiz há duas semanas para um estudo, indicou que a Folha citou 755 vezes as expressões “pós-verdade”, “fake news” e “notícias falsas”, contra 631 citações do Estadão, 503 da Veja e 278 do Globo.
A Folha também lidera com folga, entre os seus coleguinhas da imprensa dita “profissional”, a publicação de reportagens e análises sobre esse tema.
Um excelente material para reflexão, diga-se, obrado por pesquisadores nativos e estrangeiros da comunicação, sociologia, psicologia social e ciência política.
Ainda é difícil dizer se a tal pós-verdade configura mesmo um novo fenômeno da mídia, mas certamente ela é um modismo do discurso jornalístico e a Folha, a sua principal enunciadora.
A pós-verdade, como sabemos, eclodiu como assunto mundial depois das vitórias consecutivas do Brexit, na Grã-Bretanha, e de Donald Trump, nos Estados Unidos.
Foi tema de capa da revista The Economist, de onde saltou para toda a mídia corporativa do planeta, para designar um tipo de situação, ou um espírito do tempo, em que a verdade factual já não interessaria ao cidadão comum.
Seria indiferente se os fatos são verdadeiros ou falsos, porque as pessoas só estariam interessadas em confirmar os seus pontos de vista e fariam uso deles tão somente para essa finalidade.
Por isso mesmo, elas votaram a favor do Brexit e elegeram Trump, a despeito de tudo que foi publicado para derrubar a muralha de mentiras erguidas nas duas votações.
E fizeram isso, segundo a imprensa tradicional, por obra e graça da internet e seus lendários algoritmos, usados tanto nos buscadores quanto nas redes sociais.
Onde, indiscutivelmente, abundam as informações duvidosas e os sites dedicados a apimentar manchetes alheias, apenas para atrair otários e faturar grosso com a enxurrada de “cliques” em suas páginas.
Fake news, portanto, seria coisa exclusiva do Google, do Facebook, do Twitter, dessa gentalha desclassificada das mídias digitais, que nem mídia reconhecem que são, dizendo-se apenas empresas de tecnologia.
Qualquer leitor minimamente atento e com a consciência crítica ainda preservada está cansado de ver notícia falsa, manipulação, sensacionalismo e edição mal intencionada na imprensa tradicional.
Mas ela jura inocência de pés juntos e aponta o dedinho imaculado para os seus principais concorrentes comerciais do momento, os gigantes digitais.
Nesta semana mesmo, a própria Folha publica que Em debate, Haddad diz que só é mestre em economia porque ‘colou’.
O ex-prefeito de São Paulo seria um farsante que se pós-graduou graças à fraude e ao plágio da sabedoria alheia – informa o jornal sobre um possível postulante à presidência da República.
Ocorre que a declaração foi dada durante um debate acadêmico em São Paulo, em claro tom de piada. É o que Haddad justifica na matéria e as testemunhas confirmam.
O próprio texto reconhece que foi uma piada, ao dizer que ela “não caiu bem nas redes sociais” e que “alguns economistas” a consideraram “infeliz”.
Mas isso não impediu que o não-fato, o não-plágio, a não-fraude de Haddad fosse parar na capa da Folha.
Lá esteve, disputando atenção com a nova condenação de José Dirceu a 30 anos de prisão, em fulgurante fake news destinada a reiterar o antipetismo do público do jornal.
Pós-verdade, devemos então anotar, é aquela coisa degenerada da internet.
Se surgir em jornalão tradicional, será apenas informação de utilidade pública, para nos lembrar que a canalhice da imprensa é coisa muito antiga – e nasceu xifópaga com a hipocrisia.

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