Brasil

Filmes nacionais mostram as tensões encobertas pelo mito dos "valores familiares"


Bom, quem diria que em pleno 2017 veríamos pessoas defendendo o boicote e a censura a exposições e manifestações artísticas e culturais em nome dos valores familiares.
Para quem se pergunta para onde o Brasil está indo, até onde essa onda reacionária conservadora vai nos levar – que é uma onda na verdade mundial e que estamos vendo estourar em várias partes do mundo – é muito difícil buscar a resposta mas eu me arrisco a dizer que o nosso problema não é o excesso de manifestações artísticas de liberdade de criação e sim a falta delas, a ausência delas, a falta de democratização do acesso de manifestações artísticas mesmo, para que as pessoas tenham cada vez mais um espelho para pensar, para se pensar, para se ver como ser humano, e repensar suas próprias relações, suas naturalidades, seus vícios e seus dogmas. As pessoas se contestarem aprenderem a se contestar aprenderem a se ver ao espelho.
Vendo o cinema nacional dois bons exemplos que discutiram essa idéia de família tradicional um deles é o “Como Nosso Pais” da Laís Bodansky. O filme trata com uma naturalidade muito bem construída, muito bem pensada para tratar das relações mais próximas nossas, parece que a gente está dentro daquele quarto como se estivesse assistindo um documentário mesmo.
O filme que conta a história da Rosa interpretada pela Maria Ribeiro que é uma mulher perto dos 40 anos ela se vê sobrecarregada por todos os papéis que ela tem que exercer e o marido é um ambientalista um sujeito que viaja muito que é o cara que vai salvar o planeta mas quem salva a casa é a mulher, é quem leva os filhos para escola quem faz as compras, quem segura o rojão enquanto o marido vai salvar o planeta é ela e isso obviamente vai criar uma tensão muito grande e o que é curioso é que se a gente assistisse esse filme a uns 5 ou 10 anos a gente falaria: mas qual que é o problema desse marido dela?
Interpretado pelo ator Paulinho Vilhena, ele parece ser um pai atencioso, um sujeito que tenta que se esforça, aparentemente tenta fazer o melhor que ele pode, ele até oferece ajuda, a gente demora para perceber que oferecer ajuda já é um indício de que você considera a obrigação de um e nao de outro, mas é um personagem que não é agressivo ele não bate em ninguém ele não tem um discurso viciado, não tem um discurso machista mas é alguém que pisa muito na bola, ele coloca o casamento em risco e coloca muitas dúvidas na cabeça da protagonista para de alguma forma se ver livre disso. Ao mesmo tempo que ela passa por um processo de rompimento de uma herança paterna e materna também
O filme ele traz a lógica da música do Belchior que “apesar de termos feito tudo que fizemos ainda somos os mesmo e vivemos “Como nossos Pais” o filme na verdade fala sobre rompimentos em algum momento a filha vai jogar alguma coisa que era muito – preciosa e tinha alguns valores há alguns anos na geração passada e vai jogar no lixo, ela vai tentar criar as próprias narrativas e novos engajamentos. No filme isso é muito claro na questão dos brinquedos em algum momento ela se livra dos brinquedos para entrar no mundo adulto e ao entrar no mundo adulto ela passa a ser parceira da mãe nesse mundo e não mais uma realação de quem cuida e de quem é cuidado as responsabilidades mudam então entra outro tipo de tensão por que sao dois adulto.
E ao mesmo tempo que ela espera uma postura mais serena mais adulta mais sábia dos pais da história, tanto do marido quanto do pai e o pai biológico de quem ela vai em busca. Inclusive ao buscar o pai biológico ela descobre que ele virou um grande político, – uma grande liderança da política tradicional e ela fala: eu não me importo com a política, essa geração realmente ela está preocupada com outro tipo de engajamento acho que um pouco representado tanto pela ideia da luta dentro de casa dos movimentos igualitários como do meio ambiente que acaba atravessando no papel do marido que é o ambientalista ligado às questões de sustentabilidade e tudo mais então tem um movimento de uma geração para outra do que era o engajamento político há alguns anos dos pais desses personagens e os movimentos de agora.
Um outro filme que me chamou muito a atenção que entrou em cartaz na última 5a feira dia 14 é “As duas Irenes”, também conta a história de uma filha que olha para os pais e de alguma forma passa por um processo de desencanto dessa família, dessa narrativa de uma família certinha, da família tradicional da família que tem papai e mamãe e todo mundo preocupado com vestido de debutante da irmã mais velha que vai fazer 15 anos e aquele vestido é um grande assunto, e ela começa a desconfiar por que o pai demora tanto para chegar em casa, por que que aquele pai viaja tanto, porque que aquele pai vive em um outro mundo, em um mundo fora das preocupações diárias e que tipo de estrutura é essa que permite com que os homens vivam neste mundo paralelo e não no dia-a-dia ali de cuidar da casa.
Ela começa a desconfiar e descobre que o pai na verdade tem uma outra família e não só tem uma outra família, ela tem uma irmã que tem a mesma idade dela mais ou menos ali seus 13 anos e mesmo nome dela e aí está a grande sacada do diretor Fábio Meira que é mostrar essa irmã como uma igual a ela, num momento que você espera rivalidade, ciúmes, possessões vira uma grande história de alteridade também que se coloca no lugar daquela irmã que apesar daquela família ter de alguma forma desorganizado aquela idéia de família tradicional, fiel, monogâmica é aquela família que sofre porque é aquela família que espera, que não vai entrar de mão dada com o pai na igreja, que não vai entrar de mão dada com pai na festa de debutante quando for a vez dela, então aquelas crianças já entrando na adolescência acabam se descobrindo ali amadurecendo pela solidariedade e também por esse processo de desencanto dessa mitologias da família tradicional que é baseada em um série de contradições, tensões e neuroses que não cabem na caixinha que a gente tenta forçar, olha essa é a bordinha bem definida do que é uma família tradicional e na verdade nessa caixa ela é muito mais larga ela abriga muito mais tensões do que supõe a nossa religiosidade.
Precisamos aprender a repensar os nossos valores e o cinema, as obras de arte e exposições, nos ajudam a repensar e a construir algumas imagens para que a gente possa pensar em saídas fora dessas “caixas”. Eu acho que o cinema brasileiro tem dois bons exemplos para a gente observar, e se observar também, a partir dessas duas grandes personagens. A primeira, uma menina e a outra uma mulher ali perto dos 40 anos com todas as crises desencadeadas com que aquela garota de 13 anos de um filme que é de época “As duas Irenes” é um filme de época, ela já passava aquele tempo então assim qual é a herança, o título: “Como Nossos Pais” o que é que a gente conseguiu realmente romper dessa estrutura que poderia ser até de certa forma libertária acaba carregando muitas injustiças, muita desigualdade e muita dissimetria nessas relações, são dois grandes filmes são minhas duas dicas desta semana.
Até a semana que vem um abraço e até lá.

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