Brasil

O cala-boca já morreu, mas vive em Porto Alegre e toda parte


 
O episódio da censura a uma exposição de arte em Porto Alegre, que conflagra as redes sociais nos últimos dias, é apenas aquela ponta de iceberg que ficou fora d’água, no vasto oceano do autoritarismo brasileiro.
 
A todo instante, alguma manifestação do pensamento colide com ele e vai a pique, afundada por sentenças judiciais ou decisões burocráticas.
 
Veja-se o que aconteceu apenas nas últimas semanas.
 
O governo federal censurou manifestações de “Fora Temer”, na parada de 7 de setembro, em Brasília.
 
Uma juíza do Distrito Federal proibiu o “Diário do Centro do Mundo a associar o termo “helicoca” ao senador Zezé Perrela.
 
Outra juíza do Piauí proibiu o portal 180 Graus de se referir a uma construtora, que é investigada pelo tribunal de contas do estado.
 
O prefeito de Salvador censurou referência a ele no programa político do PCdoB.
 
O prefeito de São Paulo censurou ONGs conveniadas com a administração municipal, que foram proibidas de falar à imprensa sem autorização dele.
 
A TV Record censurou cenas de sexo, brigas e palavrões no reality-show “A Casa”.
 
E o Facebook pressionou o sambista Neguinho da Beija-Flor, porque considera a expressão “neguinho” uma ofensa racial.
 
Na mídia que entende a regulação do seu setor como uma forma de censura, há tanta proibição atualmente quanto notícias veiculadas. Senão mais.
 
Há incontáveis eventos que não chegam ao conhecimento do grande público porque os donos dos veículos, e seus editores, não gostam deles e de quem os organiza.
 
Há uma lista interminável de nomes da política e da cultura que jamais são ouvidos e sequer podem ser citados na mídia, salvo se o contexto for negativo a eles. Aí, viram manchete.
 
A censura é a mãe da Escola Sem Partido, dos ataques à Lei Rouanet, do macartismo contra pensadores e artistas.
 
A censura é irmã do desapreço às eleições, dos mandatos que não são respeitados, dos golpes parlamentares, da justiça de exceção.
 
A censura é um pilar da democracia brasileira, essa que nunca passou de uma democracia relativa, como diziam os generais da ditadura militar.
 
Ditadura que, aliás, nunca existiu, como nos ensina um politizadíssimo cantor de música caipira, que defende uma “depuração” no país, com o “militarismo” no poder.
 
Há um ano, no julgamento que liberou as biografias não-autorizadas, o Supremo Tribunal Federal reiterou que a censura é inconstitucional.
 
A presidente do STF chegou a dizer que “o cala a boca já morreu”.
 
Pena que o cadáver esteja por aí lépido e fagueiro, calando bocas do Oiapoque ao Chuí.
 
Ele não consegue perfumar o cheiro da podridão, mas age à vontade, cada vez mais solto, para matar o que resta de pensamento crítico e liberdade no país.
 

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