Cultura

O Brasil é um grande país a ser descoberto e a música pode ser o caminho

Na semana passada, eu acompanhei uma sessão debate do filme “Música pelos Poros”, um documentário musical exibido no último festival de cinema latino-americano de São Paulo, e que foi eleito pelo público o melhor filme do festival.

Nesse documentário, o diretor Marcelo Machado acompanha uma residência artística que durou dez dias durante o Festival de Artes Serrinha e reuniu músicos de diversos lugares. Gente do Azerbaidjão, da Colômbia, Cabo Verde, Coreia do Sul e músicos brasileiros ligados ao jazz, à música instrumental. Como, por exemplo, o Benjamin Taubkin e o Carlos Malta, vários músicos brasileiros também que tinham como proposta tentar fazer uma reunião de talentos, de sons, instrumentos e ver o que é que dava.

A proposta do filme é justamente acompanhar essa criação, esse procedimento dando espaço para o improviso. O filme tem a proposta de aceitar os erros nesse improviso, sem um plano inicial de filmagem e deixando a música fluir, saindo dos próprios corpos, dos próprios instrumentos nessa grande reunião de talentos em uma fazenda no interior de São Paulo, que é este Festival de Serrinha.

Depois do filme teve o debate, tanto com o Benjamin como com o Marcelo Machado, e um amigo que acompanhava a projeção comigo falou “Como é que um país como o Brasil, que permite esse tipo de encontro, de reunião, de tanta gente de tanta diversidade, como um país desse pode não dar certo?”.

Isso deu margem para uma longa discussão, inclusive com os debatedores sobre quem disse que o país não deu certo? Será que o som que a gente está buscando não estão sobrepostos aos ruídos, a essa gritaria, a essa suposta possessão entre o que é meu e o que a gente não está disposto a perder? E a nossa própria lógica de condomínio, pensando como uma situação física, de muro, de impossibilidades de encontro e de compartilhamento, mas também como alegoria, será que a gente não está dando ouvido demais a esse tipo de ruído, e dando ouvido de menos para o que está sendo de fato produzido nas franjas da cidade, no interior? Enfim, o que os nossos talentos têm a dizer sobre isso?

A nossa conclusão é que a gente precisa ouvir mais música. Uma possível saída é justamente que a gente precisa de mais músicas como essas que o documentário acabou captando. Essa música como exercício de escuta para a gente compreender os sons que vêm da gente mesmo, que a gente consiga raptar, pegar para a gente, compartilhar e de alguma forma absorver a música do outro para criar uma nova harmonia, um novo tipo de composição.

Uma música que é capaz de atravessar esses muros, de pular esses muros conceituais em que a gente tem se fixado. E pensar que a gente tem saídas mesmo, alternativas em momentos de grandes ruídos como este que o país está vivendo agora.

O diretor, o Marcelo Machado, já tinha feito “Tropicália”, um filme lançado em 2012, que tem uma outra proposta.

Apesar de a gente ter resultados muito parecidos sobre como os movimentos dialogam com a gente mesmo nos dias atuais, um movimento como a Tropicália, ele parte de imagens de arquivo, de acervo, tenta montar uma espécie de bricolagem para dizer como esses sons dialogam com a gente ainda hoje.

Neste novo documentário, “Música pelos poros”, olha que título, como tem uma poética já no título, é um filme que parte justamente do improviso de algo que não existe e que a gente ainda não sabe no que vai dar. E é exatamente do que a gente precisa como um exercício de escuta e de alteridade. Para onde a gente está indo? Que tipo de som que está dentro da gente e a gente ainda pode transcrever para tentar compreender como uma forma de autocompreensão também.

Esse filme está sendo exibido no Canal Curta, ele não vai para o circuito comercial, mas ele já existe em DVD e também o CD desse festival já está à venda na Internet. Tem a fan page do filme “Música pelos Poros” no Facebook. E tem o site, que ali você pode ter acesso a esse filme.

É um filme que traz uma grande riqueza, praticamente escondida neste Brasil de ruídos, que está ali e a gente precisa ir ao encontro. É um filme que rende muita inspiração para a gente que está pensando em saídas para esse recesso de grandes ideias e manifestações originais que virou o Brasil de uns tempos para cá.

Tem um grande país a ser descoberto e esse grande país está muito aberto ao que vem de fora. A música ensina isso e é disso que a gente precisa para pensar em soluções e em saídas para a crise. Essa é minha dica dessa semana. Um abraço e até a próxima.

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