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Zé Dirceu: bola de neve dos juros da dívida alimenta concentração de renda

O senado da República autorizou o TCU a auditar a dívida pública brasileira. Os resultados mostram que, de 2010 a 2015, pagamos R$ 1,287 trilhão de juros da dívida interna. Começamos a pagar R$ 125 bilhões de juros em 2010 e continuamos pagando cada vez mais – R$ 181 bilhões em 2011, R$ 147 bilhões em 2012, R$ 186 bilhões em 2013, R$ 251 bilhões em 2014 e R$ 397 bilhões em 2015.
Para se ter uma ideia da gravidade desse custo da dívida pública brasileira, em 2015 gastamos R$ 100 bilhões em educação, R$110 bilhões com a área da saúde e R$ 27 bilhões com o Bolsa Família. Outro dado significativo é o de que, entre 1995 e 2004, gastávamos R$ 725 bilhões, pelo orçamento realizado, de R$ 884 bilhões em educação, saúde, segurança e infraestrutura!
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Mais um fato marcante: fizemos superávit fiscal para pagar juros da dívida e mantê-la estabilizada de 1999 até 2015 — 16 anos de ajustes financeiros –, mas a dívida só cresceu e dobrou na era FHC. Em 1993 representava 33,2% do PIB, 30% no ano seguinte e saltou para 60% em 2002. A principal razão causa do crescimento da dívida foram os juros. A taxa Selic média entre 1995 e 98 foi 33,1% em juros nominais com um IPCA médio de 9,4%. Logo, os juros reais médios foram de 25,7% ao ano, enquanto, no período de 99/2007, foram de 10,1%.
É fácil entender. A verdade é que pagamos juros sobre juros e o principal da dívida não cresceu em termos reais. Não fazemos novas dívidas para investir ou gastar. Fazemos novas dívidas para pagar juros. Tomamos empréstimos de cidadãos, empresas, fundos previdenciários e de investimentos, instituições financeiras segmentadas, governos, não residentes. Mas, atenção, quem pode participar dos leilões que o Tesouro Nacional lança e o BC vende são só 12. Isso mesmo: 12 instituições onde estão os maiores bancos do mundo como Citibank, Itaú, HSBC, Bradesco e Santander.
Se examinarmos quem foram os maiores participantes do Forex, mercado de câmbio internacional, vamos encontrar a mesma situação, o mesmo quadro, onde nove bancos, entre eles HSBC, Goldman Sachs, JP Morgan, Barclays, Deutsche Bank (quase falindo), Bank Of America -Merrill Linch, BNP Paribas, Royal Bank of Scotland e Citibank controlam esse mercado que movimentou US$ 5,3 trilhões por dia em 2013!

Apresento esses dados comparativos para afirmar que não há fronteiras entre a dívida interna e externa, entre dívida, juros e câmbio e mostrar que seus reais detentores são os mesmos, ainda que dividam seus rendimentos com os credores dos títulos de dívida.

E quem são os credores? Não sabemos. O BC não informa e, alegando sigilo bancário, negou a informação até para a CPI da dívida que foi instalada no Congresso Nacional. Acreditem se quiserem. O máximo de informação que temos da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) é que os não residentes detêm 20,3% da Dívida Pública Mobiliária Federal interna. A fatia das instituições financeiras é de 27,7%; os fundos de investimentos ficam com 20,4%; os fundos da previdência, com 17,4%; governos, com 5,8 %; seguradoras, com 4%; e 4,4% são outros.
Outra informação importante e assustadora é que os títulos são remunerados não só pela Selic, mas também pelo índice de preços, a inflação. Eles podem ser prefixados com prazos de vencimento de até um ano, entre um e três anos, entre três e cinco e com mais de 5 anos. Por exemplo, as instituições financeiras mantêm, em suas carteiras, 26% dos títulos em Selic, 51% prefixados, 26% pelo índice de preços e 22% pela Selic. Já os fundos de previdência mantêm 31% pelo índice de preços, 17% prefixados e apenas 12% pela Selic.

Isso significa que não pagamos juros da Selic, mas sim uma cesta com índices como a inflação, prefixado, Selic e outros índices. Logo, não necessariamente basta colocar a Selic e calcular o juros da dívida interna.

Dessa forma, o retorno médio dos títulos públicos entre 2005 e 2012 (índice do mercado Andima-Ima) foi, para diferentes títulos, em 12,9% a 20,3%!
Desmentindo dogmas
A auditoria da dívida pelo TCU desmente afirmações de que a dívida cresceu até 2015 por causa do déficit público, que gastávamos mais do que arrecadávamos. O próprio BC nos informa que fizemos superávit de 3,3% em 2003, de 3,7% em 2004, 3,8% em 2005, 3,2% em 2006, 3,3 % em 2007, 3,4 % em 2008, 2% em 2009, 2,7% em 2010, 3,1% em 2011, 2,4% em 2012, 1,9% em 2013 e – 0,6% em 2014 — o único déficit em 13 anos.
Mas acumulamos déficits nominais todos os anos após o pagamento dos juros da dívida interna (-5,2% em 2003, -2,9% em 2004, – 3,6% em 2005, -3,6% em 2006, -2,8% em 2007, – 2% em 2008 , -3,3% em 2009, -2,5% em 2010, -2,6% em 2011, -2,5% em 2012, – 3,3% em 2013 e, por fim, -6,7% em 2014).
Foram os juros altíssimos pagos, mesmo descontando a inflação, que aumentaram o custo do serviço – pagamento dos juros e o principal da dívida interna. E isso sem que o governo tomasse empréstimos para investir ou gastar.

E assim cresce a bola de neve. Passamos automaticamente a aumentar nossa dívida, os juros viram capital e sobre esse novo capital vamos pagar, de novo, juros. Assim juros viram títulos e títulos viram juros!

Quanto de nossa dívida é juros sobre juros?
Sabemos que a situação não é legal, nem constitucional. O setor público não pode pagar juros sobre juros e o STF (Súmula 121) decidiu que essa situação é inconstitucional.
Para reforçar a inconstitucionalidade do que vem ocorrendo, vamos analisar nossos gastos com pessoal, geralmente usados como argumento para explicar a dívida pública. Entre 2002 e 2013, esses gastos caíram de 4,86% do PIB para 4,24%. E é bom lembrar que em 2008/2009 enfrentamos a crise mundial dos “subprime”, da bolha imobiliária e, mesmo sem termos responsabilidade, pagamos parte do preço dessa crise.
Outro argumento que desmonta com a análise racional dos números. O déficit da Previdência Social, tido como o bicho papão do déficit público. De acordo com a SNT, caiu de 1,7% do PIB em 2007 para até 1%, em 2013, quando se estabilizou.
Já para os juros da dívida…
São eles que explicam o déficit nominal que faz a dívida crescer, sem novos empréstimos: 8,5% do PIB em 2003, 6,6% em 2004, 7,4% em 2005, 6,8% em 2006, 6,1% em 2007, 5,5% em 2008, 5,3% em 2009, 5,2% em 2010, 5,7% em 2011, 4,9% em 2012, 5,1% em 2013 com projeções para 2014 de 5% e para 2015 de 4,6%.
Temos que levar em consideração que os anos de 2014 a 2016 foram impactados pela crise política e, na prática, por um locaute de investimentos e crédito promovido por razões políticas que agravaram a recessão que passou de 0,1%, em 2014, para 3,8%, em 2015 e 2016. Se compararmos com 2009, em plena crise mundial, a recessão foi de 0,1%, com crescimento de 7,5% em 2010 e 3,9% em 2011.
Os dados reais explicam a brutal queda entre 2015 e 2016 que, repito, foi produto da crise política. Assim, o saldo do déficit primário para 18% do PIB em 2015 é resultado da queda do PIB e da arrecadação, do aumento das despesas, por exemplo, benefícios da Previdência e seguro-desemprego e queda das receitas das contribuições previdenciárias e dos impostos vinculados à seguridade social, PIS-Cofins e CSLL. Isso explica o déficit brutal da Previdência, mas não o aumento da dívida pública total.
Juros, de novo
O aumento da dívida pública total é produto da combinação de ausência de superavit fiscal e aumento do juros entre 2012 e 2014, ano em que os juros chegaram a 14,25% e o déficit nominal a R$ 271.5 bilhões em 2014, quando sua média entre 2010 e 2013 era de cerca de R$ 80 bilhões.

Assim, até 2014 a dívida aumentou sempre por conta dos juros e não do déficit primário.

Entre 2002 e 2012, a dívida praticamente se manteve estável, abaixo dos 50% do PIB, com exceção dos anos da crise mundial, quando superou os 50%. No entanto, nos anos entre 2013 a 2015, a dívida cresceu, pelas razões que já expusemos, e atingiu 55,7% do PIB em 2015 com uma trajetória crescente alarmante, junto à recessão brutal produzida pela crise política induzida para justificar o golpe.
O relatório do TCU que analisou as contas do exercício de 2014 não deixou de sinalizar que “a taxa de juros da economia impacta de forma significativa a dívida pública”.
Outro factoide a ser sempre combatido é a inflação no período de 2002 a 2014. Só para esclarecer, a inflação foi de 3,4% em 2006, chegou a 4,46%, em 2007, registrou 5,90% em 2008, 4,31% em 2009, 5,91%, em 2010, 6,50%, em 2011, 5,84% em 2012, 5,91% em 2013, 6,40 % em 2014 para, somente em 2015, chegar a 10,67%.

Se compararmos com o período do plano Real, veremos como é falaciosa a afirmação de que os governos Lula e Dilma abandonaram o sistema de metas de inflação.

Vamos aos dados estatísticos: segundo o BC e IBGE, entre 1995-1998, a Selic nominal foi de 33,10%, o IPC de 9,4% e a Selic real de 21,7%; e no período 1999/2002 foram de 19, 8%, 8,4% e 10,1%, respectivamente.
Assim, a taxa média de juros nos dois mandatos de FHC  ficou acima de 10%, 21,7% e 10,1% para um IPC médio de 9,4% e 8,8%. Ou seja, nem a inflação, nem os juros foram maiores nos governos Lula — 6,4% e 11,3% no primeiro; e 5,0% e 5,7% no segundo. Também as despesas com juros nominais no setor público foram praticamente as mesmas, 4,3% do PIB em média entre 1996 e 2000, 4,3% do PIB entre 2001 e 2005 e 3,9% entre 2006 e 2009.
Nada prova que, no período de 2010 e 2014, o governo Dilma, antes da crise política que agravou a recessão, praticou taxas de juros acima da média de FHC-Lula ou que a inflação passou as médias da era FHC. Como já vimos e provamos, a taxa média de inflação no período 2011-2015 foi de 7,06%. No governo Dilma, as taxas Selic foram de 11,8% em 2011, 8,6% em 2012, 8,3% em 2014, e 11% em seguida, mesmo assim inferior aos 21.7% e 10,1% da era FHC.
Fiz esse giro pelos governo Lula e Dilma, comparando os dois com os de FHC, para provar que a dívida pública federal impacta o déficit nominal independentemente do maior ou menor déficit da Previdência e de pessoal com relação ao PIB. O principal fator do déficit nominal e do aumento da dívida pública são os juros médios pagos pelos títulos da dívida pública seja pela Selic, pela inflação ou pelos títulos pré-fixados.
Nós que pagamos, em cinco anos, R$ 1,287 trilhão de juros, merecemos saber porque são tão altos, quando, no mundo, vivem um ciclo em que são negativos ou não passam de 2%. Como é possível essa inacreditável concentração e expropriação da renda nacional pelo capital rentista e financeiro? Quem são os beneficiários dessa extorsão e quem realmente controla e decide a taxa de juros?
Quem detém os títulos públicos controla as taxas de juros. Essa é a realidade. O 1% dos mais ricos e o sistema bancário-financeiro são os detentores da maior parte da dívida pública, com o agravante de que eles, os bancos, são também os principais beneficiados dos altos juros do crediário!
É verdade que alguns milhões de aposentados participantes dos fundos de pensão e previdenciário e os investidores em fundos de investimentos são beneficiados. Mas são sócios menores, rentistas das centenas de bilhões de reais em juros da dívida interna, pagos principalmente para o cartel, o oligopólio dos bancos e financeiras.
É a maior e mais escandalosa concentração de renda, apropriada de 90% de brasileiros pelos bancos e financeiras.

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  1. Avatar
    LUIZ CARLOS ROCHA GASPAR says:

    IMPORTANTE ANALISE DE CONJUNTURA FEITA POR DIRCEU. A ANOS VENHO LUTANDO DENTRO DA MINHA ESFERA CONTRA A TAXA DE JUROS ABSURDAS. TEMOS TAMBÉM QUE ASSUMIR UMA PARTE DE CULPA NESTA SITUAÇÃO QUE O GOVERNO ELEITO POR NOS, (LULA/DILMA) TAMBÉM NÃO TIVERAM UMA MÃO DE FERRO CONTRA ESTES ESPECULADORES. TEMOS QUE SER BEM CLARO, OU LEVAMOS A BATALHA PARA ACABAR COM ESTE ESCÂNDALO FINANCEIRO OU VAMOS DESTRUIR O BRASIL E TRANSFORMAR SEU POVO EM ESCRAVOS A SERVIÇO DO CAPITAL FINANCEIRO. O ESCÂNDALO NÃO SE LIMITA AO QUE O GOVERNO PAGA, O CREDITO AS EMPRESAS E PESSOAS FÍSICAS SÃO OS MAIORES DO MUNDO, ROUBO DESCARADO, OS MAFIOSOS SÃO BEBES PERTO DESTES BANDIDOS. ESTA GENTE TEM QUE IR PARA A CADEIA E DEVOLVER TUDO QUE ROUBARAM DO POVO BRASILEIRO.

    • Avatar

      Boa noite Sr Gaspar
      sou filha do Pedro de Oliveira de Ubatuba
      e meu pai me contava muitas historias,mas como acreditei na eternidade dos pais,nunca juntei todos os fatos de maneira cronológica e detalhada.
      Como ele sempre me pedia pra procurar por você na internet,pra ter noticias, gostaria de um dia poder conversar pessoalmente com o Sr.
      Saudações
      Adriana

  2. Avatar

    A anállise parece em sua maior parte correta e de certo modo “choveu no molhado”. Alguns e onomistas já alertavam, especialmente no governo Dilma, que essa era um dos principais componente (acho seguramente que era o principal) do descontrole da inflação. Portanto, disseste o óbvio, mas não disse que o setor rentista provocou deliberadamente essa situação imaginando que a controlaria depois que o PT fosse apeado do poder. Criaram uma crise e passaram do ponto de retorno. Agora não têm mais força para segurar a boiada que está passando a porteira e querem passar a conta da irresponsabilidade deles para o povão pagar. Por fim, engana-se ao dizer que milhões de aposentados/aposentandos de fundos de pensão se beneficiaram dessa sacanagem toda, pois os fundos de pensão das estatais estão todos com rombos bilionários e seus participantes estão todos sendo chamados a pagar por eles. Rombos em muitos casos causados por gestão temerária desses fundos. Se a tese do Dirceu estivesse correta, mesmo tendo tantos ganhos com o rentismo, ainda assim eles não foram suficientes para cobrrir os prejuízos causados pela má gestão dos recursos desses fundos de pensão. Pena que o PT, talvez pela arrogância de alguns de seus caciques, tenham se apercebido tarde demais. Infelizmente. PS, sou petista e não sou economista.

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    Pedro A. Figueira says:

    Acho que não tem solução. Desculpe começar assim meu comentário. Mas, ao contrário, acredito que não existe nada mais além de uma solução. Para a primeira afirmação, quero deixar claro que acredito que, em termos capitalistas, não existe mesmo mais solução. Esse modo de produção encalacrou na financeirização e não vai sair dela senão com seu óbito definitivo. Como essa é uma questão histórica, a suprema questão histórica, a que, agora, decide a respeito da vida de todos nós, ela não tem data precisa para se realizar. Ou melhor, está se realizando. Os seus principais protagonistas neste preciso momento são os rentistas, raça de parasitas que está realizando a tarefa de acabar com o capital produtivo.
    O seu trabalho, Dirceu, é valioso ao nos mostrar, com estatísticas irrefutáveis, o montante da tragédia capitalista. A tragédia atinge a todos nós, mas, como na tragédia grega, ela revela que a necessidade já cumpriu todas as etapas históricas que lhe cabia cumprir. Agora é o desenlace.
    O que nos cabe fazer? Tudo. Quando se abre uma época de revolução social, como esta que estamos vivendo, alguém afirmou que nossa tarefa é abreviar as dores do parto.
    Penso que o Dirceu tem procurado exatamente cumprir o que lhe cabe.

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    Pedro A. Figueira says:

    Gostaria de acrescentar ao meu comentário uma questão, ou a questão, que é fundamental para entender o nosso mundo, o mundo do capital.
    Em sua tentativa de se eternizar, o capital, ao preferir a forma financeira à produtiva, se envolve em sua suprema contradição, que é sua autodestruição.

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