Brasil

O caradurismo risível do embate da Globo com a Folha


Acompanhar o noticiário com visão crítica não tem sido nada prazeroso, sobretudo quando se tem uma perspectiva interna de como a produção jornalística é feita.
Mas, de vez em quando, a imprensa brasileira oferece momentos de puro deleite. Pode ser divertidíssima, se o freguês abstrai o profundo cinismo que ela pratica.
Outro dia, o colunista Nélson de Sá analisou na Folha de S.Paulo a cobertura que a TV Globo deu ao salvamento de Michel Temer na Câmara Federal, na votação que o livrou de um processo por corrupção e obstrução de justiça.
Observou que a Globo foi a única emissora aberta a trocar a programação regular pela transmissão ao vivo da Câmara, o que seria mais uma prova de que ela “atira sem intervalo contra Temer”, desde 17 de maio, quando veio a público a conhecida gravação de Joesley Batista no Palácio do Jaburu.
Completou o comentário duvidando que a Globo consiga manter a participação nos gastos publicitários do governo, que seriam declinantes desde 2014.
O colunista não fez qualquer referência ao fato de que a Folha desacreditou da gravação de Joesley assim que a Globo a divulgou. Primeiro, o jornal disse que era inconclusiva nos pontos-chave e, depois, que ela foi editada.
Consta que Temer, aturdido inicialmente, teria tomado a decisão de renunciar, diante do furor nacional que o fato provocou.
Mas voltou atrás quando a Folha lhe ofereceu a oportuna boia de salvação. Aferrou-se ao discurso de que era tudo armação e chegou à praia com ele.
O diretor de jornalismo da Globo, Ali Kamel, deu-se ao trabalho de responder o comentário de Nélson de Sá e foi condescendente com a Folha.
Não lembrou da sua “perícia-tabajara” na gravação de Joesley, nem da clara posição “Fica Temer” que o jornal sustentou por longo tempo, antes de sentir o vento da opinião pública e também virar os canhões contra o Usurpador.
Kamel preferiu exercitar o seu insuspeitado talento de humorista.
Argumentou que a eventual redução de investimentos publicitários do governo não tem impacto na Globo.
Disse que a emissora não depende de nenhum anunciante, “muito menos de governos, a quem nada deve, em nenhuma circunstância”.
E, cereja do bolo, sentenciou que “a Globo faz jornalismo; não faz campanha, nem contra nem a favor”.
Só num país muito ignorante, com uma cidadania tão frágil e tolerante, é possível exibir um caradurismo dessa proporção.
O jornal apontando o dedo sujo para a TV e a TV chapa-branca se dizendo independente, sendo ambos – jornal e TV – notórios cultores do mais deslavado jornalismo de campanha que o país já conheceu, nos 209 anos de sua imprensa.
O papel, de fato, aceita qualquer coisa. Difícil é aceitar o papel ridículo de alguns que lidam com os fatos e fazem do jornalismo uma coisa qualquer.

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