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Morre Piauí, testemunha do assassinato de carroceiro pela PM em São Paulo

Foto: Julia Dias e Mundano


Gilvan Artur Leal, conhecido como Piauí, morreu nesta quinta-feira (20), vítima de um AVC (Acidente Vascular Cerebral). Ele era o melhor amigo do carroceiro Ricardo do Nascimento, assassinado pela Polícia Militar em 12 de junho no bairro de Pinheiros, na zona oeste de São Paulo, e foi uma das testemunhas do crime.
Assim como Ricardo do Nascimento, Piauí não tinha casa e ficava nas calçadas de Pinheiros. Outras testemunhas relataram que, no dia da morte do carroceiro, Ricardo gritou depois do primeiro tiro. “Piauí, me ajuda, irmão, me machucaram”.
Moradores de Pinheiros contam que Piauí se aproximou, os policiais pediram para ele colocar a mão na sarjeta e pisaram nos dedos dele. Com a arma apontada disseram: “sai que vai sobrar pra você”. Na sequência, Piauí presenciou mais dois tiros na cabeça do Ricardo.
“Ao lado da carroça do Ricardo, dizia mataram meu irmão, e eu sou o próximo“, relataram os moradores. “Piauí foi mais uma vítima da PM, ainda que indiretamente. A morte dele tem relação direta com o assassinato do Ricardo. Ele foi torturado em frente a muita gente”, opinam.
Veja também:
Assassinato de catador pela PM evidencia pena de morte no Brasil

Leia abaixo a íntegra da nota de Moradores de Pinheiros:
Uma semana após o assassinato do carroceiro Ricardo do Nascimento, morre seu amigo e testemunha central do crime
Vítima de AVC possivelmente decorrente de hipertensão prolongada, Piauí foi agredido e ameaçado pela PM na cena do crime.
Na última quarta-feira (12), São Paulo assistiu a mais uma ação brutal da Polícia Militar. Vários moradores da região e pessoas que saíam do trabalho assistiram à cena: um policial matou com três tiros – TRÊS – um catador de material reciclável que morava e trabalhava na região de Pinheiros. Depois do primeiro tiro, no peito, com ele já caído no chão, o policial deu outros dois na cabeça, num ato de evidente execução sumária.
Diferentemente do que costuma acontecer todos os dias nas periferias da cidade, o crime ocorreu sob os olhos da classe média, que reagiu indignada. Da comoção resultaram dois grandes atos, um protesto na própria rua e outro ontem (19), na Catedral da Sé, com a participação de movimentos de juventude contra o genocídio da juventude negra, de população em situação de rua, catadores e diversos ativistas dos direitos humanos.

Foto: Julia Dias e Mundano


Uma semana depois morre, vítima de um AVC fulminante, Gilvan Artur Leal, o Piauí, principal testemunha do crime e amigo próximo de Ricardo. Ele também, em situação de rua, pobre e periférico.
No dia do assassinato, quando levou o primeiro tiro da polícia, Ricardo gritou: “Piauí, me ajuda, irmão, me machucaram”. Piauí se aproximou, os policiais pediram para ele colocar a mão na sarjeta e pisaram nos dedos dele. Com a arma apontada disseram: “sai que vai sobrar pra você”. Na sequência, Piauí presenciou mais dois tiros na cabeça do Ricardo e, chorando, abraçou o irmão que já estava morto. Piauí contava essa história para todos os que passavam. Ao lado da carroça do Ricardo, dizia “mataram meu irmão, e eu sou o próximo”.
No dia seguinte, reclamando que a mão latejava de dor devido às agressões da polícia, Piauí foi levado ao Pronto Socorro da Lapa. O médico disse que não havia fraturas, mas que a “porrada tinha sido muito forte”. No hospital, cada vez que chamavam seu nome para a triagem, para a consulta com o ortopedista, para o raio-x ele respondia, gritando: “morreu”.
Para todos os moradores que passavam na rua, depois de contar a história do Ricardo, ele dizia: “eu sou o próximo”. Piauí estava muito abalado, chorava e relatava estar com medo das ameaças que tinha sofrido da polícia. Com a repercussão que o caso tinha ganhado e seu rosto em diversas reportagens, dizia que se dormisse na rua de novo “não amanhecia”. Por isso, na sexta-feira o CRAS de Pinheiros conseguiu para ele uma vaga fixa em um abrigo que aceitava seu cachorro, Barbinha.
Ontem (19), dia da missa de sétimo dia de Ricardo, a assistente social do abrigo disse que ele havia acordado bem, mas achou melhor ele não comparecer e não saber da missa pois ainda estava muito abalado. Perto do horário da missa, ele começou a ter convulsões e foi levado para a Santa Casa. Teve novas convulsões e foi entubado. Os resultados da tomografia diagnosticaram um AVC esquêmico, possivelmente causado por um período prolongado de hipertensão e stress. Cerca de 19h de hoje, 20/07, foi registrada a morte cerebral de Piauí.
Piauí foi mais uma vítima da PM, ainda que indiretamente. A morte dele tem relação direta com o assassinato do Ricardo. Ele foi torturado em frente a muita gente, “porrada forte” e estava sob ameaça “eu vou ser o próximo”. Com problemas de pressão – pela dor, pelo que testemunhou e pelo medo – não aguentou.
Piauí e Ricardo, se fossem brancos e de classe média como a maioria dos moradores de Pinheiros, não teriam morrido por ação da polícia militar. As balas da polícia têm direção: a população pobre, preta, marginalizada, que para o Estado é tida como descartável. A truculência policial e seu extermínio não são casos isolados, mas praticamente a única política pública que o Estado lhes reserva.
Uma semana depois da morte do Ricardo, as calçadas da Mourato Coelho, antes ocupadas por diversas pessoas em situação de rua, estão vazias. Abriram ainda mais espaço para a política de valorização do bairro, na qual Ricardos e Piauis não têm lugar.
Denunciamos as barbaridades que têm sido cometidas por um Estado que mata a sua população de fome, de frio ou à bala e exigimos do Governo do Estado de São Paulo, do Ministério Público, da Polícia Civil (DHPP) e da Corregedoria da Polícia Militar a apuração imediata, com ampla transparência das investigações, e a responsabilização dos crimes cometidos pela polícia.
Pela vida, por justiça e pelo fim da polícia militar. Em luto e em luta, não silenciaremos.

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  1. Avatar

    De um lado, um homem forte, fardado, armado, pago pelo Estado pra defender a população. Do outro, um homem pobre, periférico, sem teto, doente, sem nenhum status, sobrevivendo de restos que a cidade lança fora. Este, no entanto, teve a ousadia de tentar socorrer um campanheiro que tinha sido alvejado pelo homem da lei. Resultado, duas mortes. Uma em consequência da outra. Aí…

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