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A Síria no centro do xadrez geopolítico


 
Por Aline Piva
 
Trump acaba de bombardear a já combalida Síria. A intervenção acontece depois de um ataque com armas químicas, cuja autoria ainda é incerta, ter deixado ao menos 80 civis mortos e centenas de feridos.
Ainda que bombardeios à região não sejam novidade, essa intervenção traz alguns elementos importantes para compreendermos a nova dinâmica geopolítica que começa a se consolidar.
Um primeiro aspecto que se sobressai: essa é a primeira vez, desde que os conflitos na Síria se iniciaram, que o alvo do ataque é uma estrutura do governo. Até então, os alvos eram, supostamente, espaços dominados por “milícias radicais”. Segundo: se é verdade que decisões de política externa são largamente influenciadas por conjunturas internas, também é verdade que nunca antes a política externa estadunidense foi tão impulsionada pela polarização doméstica como vemos agora.
Problemas complexos exigem, obviamente, análises complexas. Nesse sentido, três eixos são fundamentais ao debate.
Como eu disse, o primeiro é a conjuntura interna dos EUA. Desde sua eleição, a mídia tem feito uma dura oposição ao governo de Trump. Alguns efeitos de suas propostas começam a ser sentidos, abalando a sua popularidade. Com os ataques à Síria, Trump não só conseguiu angariar apoio em todo o espectro político – a maioria dos Democratas, por exemplo, criticou a falta de aprovação do Congresso para os ataques, mas celebraram os ataques em si, os quais aconteceram apenas um dia depois de Hillary Clinton defender a tese de que os Estados Unidos deveriam bombardear a Síria. O ataque também angariou o apoio da grande mídia, que noticiou o bombardeio como um grande espetáculo de fogos de artifício – ignorando o saldo de mortos e feridos. Por fim, esse ataque, além de ser uma incontestável demonstração de força, também serve para desviar a atenção do público dos recentes ataques perpetrados pelos Estados Unidos à cidade de Mosul, que vitimaram ao menos 100 civis.
Outro ponto a ser analisado é o papel geopolítico da Síria: o que começou com manifestações inspiradas – guardadas as devidas proporções – no espírito da chamada “Primavera Árabe”, acabou se tornando o campo de batalha de diversos interesses regionais e internacionais. Dados de 2013 mostravam que pelo menos 13 grupos rebeldes de maior expressividade estavam operando na Síria, além de centenas de grupos menores. O número de países envolvidos de alguma forma no conflito também tem crescido. Os Estados Unidos lideram uma coalisão para atacar supostas bases rebeldes na Síria, e a Rússia está conduzindo seu próprio bombardeio contra o Estado Islâmico e outros grupos rebeldes, em coordenação com operações terrestres de combatentes iranianos.
E isso leva ao terceiro elemento: o jogo de poder que aparentemente está sendo levado a cabo por Rússia e Estados Unidos. Por um lado, temos o espetáculo midiático, com Estados Unidos desafiando abertamente declarações feita pelo governo russo e Rússia, por sua vez, levantando o acordo de cooperação militar com os EUA para evitar incidentes aéreos na região. De outro, tudo indica que os russos foram avisados de antemão sobre o bombardeio, o que coloca em xeque a tese de que haveria um escalonamento das tensões entre os dois países.
Ou seja, com um só movimento Trump pode, ao mesmo tempo, ser capaz de distanciar-se do isolacionismo interno, aplacar os rumores de que a Rússia pode estar influenciado os rumos das últimas eleições, e manter uma suposta aliança com o governo de Putin.
O ataque à base área síria tem sido entendido com um ato simbólico. Porém, não podemos perder de vista que, uma vez que a engrenagem bélica dos Estados Unidos é colocada em marcha, as forças do Estado profundo farão tudo a seu alcance para mantê-la nesse estado. Uma coisa é certa: intervenção nunca resulta em alívio humanitário. Pelo contrário, os ataques de Bush ao Iraque e de Obama à Líbia só demonstram que esse tipo de intervenção só leva a mais violência e caos.
 

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  1. Avatar

    Não podemos esquecer que os mais letais ataques químicos contra civis na história da humanidade foram os bombardeios de Hiroshima e Nagasaki com bombas atômicas. Mas esse fato incontestável pouco é lembrado.

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