Por Víctor David López*
Três anos depois, a Justiça ordena reabrir a investigação pelas mortes de pelos menos catorze imigrantes em uma praia de Ceuta depois dos disparos da polícia espanhola.
Não é só o Donald Trump que gosta de muros assassinos, de fronteiras desumanas. A Europa tem muita experiência nisso. A Espanha tem grades metálicas contra imigrantes inclusive em território africano, na costa do Marrocos, onde ficam as cidades espanholas de Ceuta e Melilla.
Mas hoje vamos falar de muros aquáticos. Muros aquáticos temos no Estreito de Gibraltar –que separa a Europa e a África, o oceano Atlântico e o mar Mediterrâneo– e temos também nas praias dessas cidades: Ceuta e Melilla. Ficam tão perto das outras praias do Marrocos que os imigrantes africanos tentam chegar até lá a nado, pela noite, arriscando a vida como sempre.
Há três anos aconteceu a tragédia do Tarajal, que é uma das praias de Ceuta. Catorze imigrantes morreram afogados e outro ainda está desaparecido. Os sobreviventes denunciaram que a polícia espanhola, a Guardia Civil, disparou contra eles balas de borracha e gás lacrimogêneo no mar. Pelo menos catorze deles, quinze se contamos a pessoa desaparecida, não puderam suportar o ataque. O Governo sempre apoiou e defendeu a atuação policial. Dezesseis policiais foram investigados, julgados e absolvidos por falta de provas.
Agora, três anos depois, a Justiça ordena reabrir a investigação. Hoje, en Madri, houve manifestação pelos quinze imigrantes do Tarajal.
Os movimentos sociais exigem uma comissão de investigação internacional. Com toda razão, aqui na Espanha a gente já conhece a sensibilidade do Governo. Colonização, sim, solidariedade, nunca.
Segundo testemunhas, naquela noite de fevereiro de dos mil e catorze na praia do Tarajal chegavam cem pessoas a nado; o número de mortos pode ser ainda maior. Além disso, a Cruz Vermelha e Salvamento Marítimo de Ceuta não foram avisados pela polícia, procedimento de praxe nesses casos.
As ONGs espanholas e africanas denunciam que o Mar Mediterrâneo se transformou há muito tempo num cemitério a céu aberto. Com toda razão, as instituições olham para o outro lado: o povo não. O povo olha pra Câmara dos Deputados. Alguém vai ter que se responsabilizar pelos mortos porque, como bem gritavam os manifestantes, os imigrantes do Tarajal “não se afogaram, foram assassinados”.
* Víctor David López (Valladolid, Espanha, 1979). Jornalista, editor literário e escritor. Colabora na Radio Nacional da Espanha e escreve no jornal El Español. Trabalhou nos jornais espanhóis As, Marca e La Razón. É co-diretor da editora madrilena Ediciones Ambulantes, especializada em literatura brasileira e sobre o Brasil. É autor dos livros “Maracanã, territorio sagrado” (2014), “¿Yo soy tu madre o tú eres la mía?” (2016), “Brasil salta a la cancha” (prólogo) (2016) y “Brasil, Golpe de 2016” (prólogo). (@VictorDavLopez)

eric nepomuceno says:
belíssima estreia!
que vengan más crónicas de españa!
Gilberto de Azevedo Neto says:
Europa resumida em uma frase: “colonização, sim; solidariedade, nunca!”
Excelente.