Comportamento Cultura

BocaLivre: tradição e modernidade se encontram nas ruas da Mooca.


 
 
Hoje estamos aqui na Mooca. Nós vamos inicialmente visitar a Di Cunto, que é uma doceria tradicional de São Paulo. Ela teve origem a partir de uma padaria fundada ainda no final do século XIX, pela família Di Cunto. E produz uma linha enorme de doces que são vendidos pra São Paulo inteira. Depois nós vamos atravessar a rua e vamos entrar no Hospedaria que representa a nova Mooca. Uma Mooca que se quer renovar e se inserir na São Paulo moderna.
 
Dória para atendente: Eu quero um de ricota.
 
Esse aqui é um doce típico siciliano, o cannolo, cujo plural é cannoli, no italiano “o” o plural é “i”. Mas aqui na Mooca ele chama cannoli no singular também, dois cannolis. Esse é o moquense em ação.
 
Dória: Seu nome, onde nasceu e quando veio.
 
Gianni: Meu nome é Giovani Nasso, só que me chamam de Gianni Nasso e Gian Nasso também. Eu nasci em Reims na França, de pai e mãe calabreses. Estou trabalhando junto aqui para renascer a Di Cunto. Está renascendo, o menino está com a cabeça fora.
 
Paolo: Do sul da Itália: fusili. Manualmente, um por um.
 
Dória: Então, você disse que está montando uma escola de gastronomia aqui dentro.
 
Paolo: Nós estamos mandando os profissionais da Di Cunto, são vários profissionais de tempo antigo, de dez, quinze anos, alguns de vinte ou vinte e cinco anos que foram todos aprendendo aqui. Agora, nós estamos reciclando esse pessoal e mandando fazer escola de gastronomia, escola de confeitaria, escola de padaria. Ou seja, nós estamos investindo no pessoal que nós temos, para dar a base, não só da prática, porque a prática eles tem aqui.
 
Dória: Você faz o seu fermento aqui?
 
Paolo: Fazemos fermento desde 1935.
 
Dória: Vocês fazem fermento desde 1935 e agora que está essa moda de levain. É uma moda e vocês fazem em silêncio.
 
Gianni: Fazemos desde sempre.
 
Paolo: Nós temos fermento desde 1935 que é renovado diariamente e alimentado diariamente. Então, a moda do levain é pro jovem, que infelizmente não sabe, mas os velhos, os antigos sabiam muito bem que quando se fazia o pão em casa precisava ter o fermento natural dos nossos avós, bisavós.
 
Dória: Me diga uma coisa, o fermento para o panetone é outro?
 
Paolo: Não, é fermento natural. O fermento é o mesmo, o que muda são os ingredientes para fazer o panetone. O momento de levitação, dois ‘empastos’, empasta um, depois empasta no dia seguinte com outra farinha, depois põe pra levitar.
 
Dória: Deixa eu te fazer uma pergunta. Vocês começaram a fazer o panetone do Fasano, isso faz o que vinte anos?
 
Paolo: Foi em 1988. A Di Cunto passou por esta fase que não se modernizou, nem com maquinário, nem com forno. Ou seja, nós trocamos agora os fornos. Tínhamos fornos de 1960. Só nessa troca a economia de energia em um ano se paga um forno a gás rotatório. Então, a tecnologia vem então pra isso aí.
 
Dória: Essa aqui é a torta Regina, um dos doces mais vendidos aqui na Di Cunto. Segundo consta, uma invenção deles. Mas para quem conhece confeitaria ela é uma variação de um gateau Saint Honore, mas é muito boa.
 
Dória: Quantas dessas vocês vendem por mês mais ou menos?
 
Paolo: Por mês a gente faz mais ou menos, mil e quinhentas, duas mil por mês.
 
Dória: Você falou que vende uns cem mil doces por mês, então um por cento é isso aí.
 
Paolo: Sim um por cento é essa aí.
 
Dória: E esse senhor é o especialista, ou todo mundo faz?
 
Paolo: Olha, tem os especialistas que têm uma mão mais caprichada.
 
Dória: Como é a mão dele?
 
Paolo: A mão dele tem que ser firme.
 
Dória: Quem é o melhor torteiro aqui? É você?
 
Funcionário: Aqui todo mundo faz bem.
 
Dória: Não vem com essa, ele acabou de falar que tem quem faz melhor.
 
Paolo: É a equipe.
 
Dória: Olha a demagogia, esse pessoal de cozinha é demagógico pra danar, viu.
 
Dória: Mas chega de falar dos doces dele que não tem nenhum jabá nessa história aqui.
 
Dória: Depois de visitarmos a Di Cunto, ou seja, esse polo que representa a melhor tradição culinária da Mooca, agora nós vamos entrar aqui no polo da modernidade, da nova Mooca que fica justamente em frente a Di Cunto.
 
Dória: Oi, tem gente?
 
Felipe: Tem, oi tudo bem Dória? Beleza?
 
Dória: Esse é o Felipe, nós vamos conversar com ele. Ele é o proprietário aqui. E ele diz que é um autêntico moquense, vamos ver.
 
Dória: Estou aqui com o Felipe, que é proprietário de duas casas aqui na Mooca. A Pizza da Mooca, que é bastante boa e aqui o Hospedaria, que abriu faz pouco tempo. O que eu queria saber Felipe é o seguinte, você é empresário da Mooca, você é um moquense, é isso?
 
Felipe: Sou moquense, nascido e criado aqui no bairro. Morei um pouquinho no interior de São Paulo. Em Vinhedo, mas era bem pequeno, dos três aos cinco anos de idade. Então, foi o único momento que eu saí do bairro.
 
Dória: Sua família é italiana?
 
Felipe: Sim, família italiana. Meus bisavós, todos. A parte da minha família de pai é do norte da Itália e de mãe é do sul da Itália.
 
Dória: E vieram direto aqui pra Mooca quando chegaram?
 
Felipe: Eles vieram pra Hospedaria dos Imigrantes. E dali eles foram pro interior.
 
Dória: Então já eram clientes da Di Cunto?
 
Felipe: Provavelmente, a Di Cunto é de 1935.
 
Dória: Seu restaurante é cliente da Di Cunto? O que vocês compram lá?
 
Felipe: A gente pega o pão italiano deles, é muito bom. Eles estão fazendo um pão sensacional italiano. E a gente está tentando fazer com que eles produzam a nossa massa. Estamos tentando acertar uma parceria de receita, então a gente tem a nossa receita e estamos vendo se eles acertam. A gente produz aqui, então a gente quer ver se eles produzem lá pra gente. Estamos passando a receita, só que é a nossa receita, e eles estão trabalhando em cima disso lá.
 
Dória: E daí você descobriu esse ponto aqui na frente da Di Cunto e tornou isso um desafio de fazer a Mooca moderna, na frente da Mooca tradicional?
 
Felipe: Isso. Na verdade, isso é parte de um projeto que a gente está trabalhado há uns três anos já, que é esse projeto de revitalização daqui da região. Principalmente dessa área que a gente está aqui, que é essa Mooca baixa.
Dória: Eu queria saber um pouco dessa… Como é que você imagina que você transpõe essa coisa neo-moquense na culinária? É o caderno de receita da vovó?
 
Felipe: É o caderno de receita da vovó que é a cozinha que eu acredito que a cozinha paulistana, que é essa cozinha dos imigrantes. Eu acredito que é a forma que eu tenho de traduzir e segurança pra fazer uma cozinha que eu me sinta feliz e ache que vai ser uma comida muito gostosa. Vem de família.
 
Dória: E o que tem da sua avó no seu cardápio?
 
Felipe: A gente tem o arroz e feijão da minha avó que é um clássico, eu como desde pequeno e não podia deixar de fora. Que vem com uma carne de panela uma salada de repolho, é um ritual. Tirando isso tem a parte do porco que é do interior, tem a família do Lucas que é chef . Uma família também caipira, mas de italianos. A gente começou a mesclar um pouquinho de cada família dos funcionários, da equipe, coisas que eles se sentissem a vontade fazendo. E aí nasceu esse mesclado de receitas de família, que é o nosso cardápio. Quanto mais você fuça, mais você acha. A gente achou, inclusive no seu livro, no seu blog achei bastante coisa.
 
Dória: Eu? O que eu fiz?
 
Felipe: No seu livro tinha… A gente abre a cabeça. Então, começa a olhar conceitos diferentes. As receitas começam a aparecer e você fala: essa é uma receita clássica paulistana e ninguém dá valor, sabe? Um exemplo é o arroz de forno. Ninguém quer fazer, é muito simples. Então, a gente queria colocar isso, foi uma curadoria mesmo. Acordar às seis da manhã e ver como minha avó fazia o arroz, quantas vezes ela ia lavar o arroz o feijão, quanto tempo deixava o repolho na água. E o vinho merecia essa homenagem do nacional. O Brasil ganha medalhas em degustação às cegas. Eu sempre tomei vinho italiano, agora aqui no Hospedaria eu venho aprendendo a tomar o nacional e venho valorizando muito.
 
Dória: E o futuro da nova Mooca? Vai ser igual o resto da cidade?
 
Felipe: Não, nada contra São Paulo. Mas alguém essa semana veio me falar: eu sou paulistano, mas São Paulo é uma cidade chata. Vieram me falar isso essa semana, um cara artista plástico, cabeça aberta, sensacional. Eu falei: como assim? Ele falou sempre que a gente olha os formadores de opinião, eles estão sempre nos mesmos lugares. Você olha Instagram, eles estão sempre nos mesmos lugares Os caras comem todo dia sempre nos mesmos cinco lugares? Tanta coisa pra descobrir, tanto lugarzinho diferente. Então, a Mooca vem como essa opção diferente, abrindo cores diferentes. Valores de aluguel são menores aqui, então a gente consegue oferecer um cardápio legal, agente vende comida boa por um preço honesto. Nosso restaurante vende trinta por cento mais barato do que um restaurante na zona sul. A gente coloca isso em prática de fato para as pessoas virem. Fora a história do bairro que é gigante e é um lugar que a gente pode fazer coisas culturais bacanas.
 
Dória: Acabamos de conversar aqui com o Felipe que é um moquense pós-moderno e um empreendedor de presente e futuro aqui na nossa Mooca. Obrigado Felipe.
 
Felipe: Obrigado Dória. Fico feliz com sua visita e obrigado pela oportunidade de falar um pouquinho.
 
 
 
 
 
 

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