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Cartas de Curitiba – IV Dirceu: a PF virou carcereira do MPF e capitão-do-mato do Judiciário.

 
Cartas de Curitiba – IV
 
Em entrevista às Páginas Amarelas da revista Veja (edição 2513, de 18/01/17), o delegado Mauricio Moscardi Grillo fez, na prática, uma grave denúncia sobre a Lava Jato. Sob a capa de uma entrevista para falar de Lula e de sua ilegal, abusiva condução coercitiva – que ele desconhece – deita falação sobre o erro do local de condução de Lula, passa por cima do abuso de autoridade e ainda lamenta que “perdemos o timming” para, anotem, a prisão preventiva de Lula.
 
Nas entrelinhas, o culpado: o ministro Teori Zavascki, que avocou para o STF tudo… referente a ele (Lula). Nem uma palavra sobre outro abuso de autoridade, gravíssimo, sobre a divulgação de um telefonema da Presidente da República com Lula (ex-presidente), da quebra de sigilo pelo juiz Moro, restaurado em boa hora pelo ministro relator. Que, ao contrário do delegado, advertiu o juiz Moro. Em qualquer país ele seria afastado do processo.
 
O verdadeiro objetivo do delegado não era Lula e nem mesmo a Lava Jato. Era o MPF – que excluiu a PF da delação da Odebrecht -, e, mais do que isso a PGR, que proibiu a PF de participar, como ele mesmo admite! O motivo? Riscos de vazamentos. O anexo vazou, lembra o delegado, causando “enormes prejuízos às investigações, ficamos desapontados.”
 
Podemos concluir que o vazamento então é de responsabilidade do MPF. Mais especificamente da PGR. O delegado não afirma, nos dá um caminho, diz “…e se alguém proibisse o MP de participar de uma colaboração feita pela Polícia…”. O grave vem em seguida: respondendo a pergunta da revista, sobre se ele vê ”problema nas delações feitas só com o MP”, o delegado não vacila e desqualifica totalmente o MPF. Diz que “preocupa muito a metodologia empregada em algumas colaborações, temos que evitar colaborações que pareçam ter caráter político”, e pergunta: “…se todos os criminosos fizerem colaboração [delação] quem ficará preso…?”
 
Perguntado se “há colaborações de caráter meramente político”, o delegado não vacila e dá nome aos bois: “As delações do ex-diretor da Transpetro, Sérgio Machado, do ex-senador Delcídio Amaral e do Nestor Cerveró me parecem exemplos de delações sem embasamentos jurídicos sustentáveis.” Para depois afirmar que [tais delações], encaminhadas à PF eram imprestáveis, não havendo nelas elementos indicadores de prática de crime e mais: muito do que consta nessas três delações não passa de disse-me-disse. O delegado prossegue: “há uma personificação de parte de alguns procuradores como heróis na força tarefa” e que é “um erro (…) nomeá-los representantes da operação.”
 
Moscardi Grillo toma fôlego, faz autocrítica por ter processado um blog que o acusava de ter privilégios na PF, mas logo volta à carga: defende a autonomia da PF, critica a hipótese de mudança do Diretor Geral da PF (“isso atingiria em cheio a coordenação da operação…”); autonomia que ele prioriza como “total” (”…não há como um ministro da Justiça interferir numa investigação policial”). Salvo, digo eu, nos casos do Alexandre Moraes anunciar antecipadamente as operações, como ficou provado na prisão do Palocci.
 
Os brios do delegado ao defender a autonomia da PF são puro corporativismo e escondem verdades: a PF perdeu sua função constitucional de Polícia Judiciária da União quando o STF autorizou o MPF a investigar; converteu-se em polícia do MPF sem autonomia, sem protestar com ênfase junto à atual cúpula da PF, abandonou a corporação na luta por sua mais importante conquista na Constituinte: ser a Polícia Judiciária da União e o MP o fiscal da lei, a acusação, no máximo com poder de controle externo da Polícia e portanto do MP.
 
A partir da decisão do STF, o MPF investiga, acusa, denuncia… Só falta julgar – o que hoje, com o apoio da mídia, já acontece, dado o temor de inúmeros juízes de decidir contra pedido do MPF.
 
O delegado falou que não há interferência nas operações mesmo se elas são de conhecimento prévio da mídia – as organizações Globo à frente –, se há vazamentos seletivos, se o sigilo é violado, se os investigados são pressionados a delatar. Um escárnio.
 
Não há interferência maior em um processo que a violação da presunção de inocência, do devido processo legal, do contraditório, do direito de responder em liberdade. Interferência para o delegado é o ministro Eugenio Aragão coibir e exigir o fim das ilegalidades da (e na) operação…
 
No final patético, o delegado nega a afirmação da própria revista de que “delegados (…) foram flagrados na rua em atos políticos da direita”, o que dá uma medida do tamanho da farsa de que ele participa e coordena pela PF.
 
Melhor para o delegado Grillo seria que ele apoiasse a demanda dos agentes e demais funcionários – cargos e funções – da PF pela progressão na função. Hoje 10% dos membros da PF (os delegados) controlam a Polícia e ainda querem autonomia e o poder de indicar o Diretor Geral numa lista tríplice.
 
A pergunta sem resposta é: a quem serve a autonomia e independência da PF, a partir da experiência do MP? A resposta é fácil: serve ao corporativismo, aos privilégios e regalias, à politização e partidarização da PF como foi no MP.
 
São lágrimas de crocodilo, a única e legítima luta da PF é a reconquista de seu papel e lugar na Constituição e no Estado de Polícia Judiciária da União, função usurpada e sequestrada pelo MPF/PGR sob os auspícios da Suprema Corte.
 
Hoje por hoje a PF é a carcereira do MPF e capitão-do-mato do Judiciário. Eis a verdade que não cala.
 
 

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  1. Avatar

    Gostaria de manter contato com o monstro sagrado da nossa história. Tenho tanto a perguntar! Como gostaria de saber mais sobre suas lutas. Uma das maiores frustrações da minha vida é pensar que uma pessoa que lutou tanto por liberdade, hoje tem a sua tolhida por um psicopata.
    Um psicopata é caracterizado por um desvio de caráter, ausência de sentimentos, frieza, insensibilidade aos sentimentos alheios, manipulação, narcisismo, egocentrismo, falta de remorso e de culpa para atos cruéis e inflexibilidade com castigos e punições. Tendo em conta algumas das características de psicopatas, como a capacidade de manipulação e de conquistarem facilmente a simpatia das pessoas, muitas vezes ocupam cargos relevantes onde exercem o poder. Quem tem estas características?

  2. Avatar

    Se não estou enganada, a PF é partidarizada na prática, pois FHC partidarizou os postos-chave.
    PF independente é piada, tal qual BC independente. Eles se acham elite (até que os salários parecem ser) e querem privilégios. A Lei do Abuso de Autoridade que já existe, mas seria ampliada, saiu no acordão do Renan. E tome polka!!!
    Abs,
    Thais

  3. Avatar

    Esqueci-me de falar que o que eles querem mesmo são leis de exceção e aval para adotar práticas ditatoriais sem serem questionados. Mais do que já veem fazendo. Onde já se viu PF independente.
    Conhece algum país assim?
    Mas José Dirceu resumiu tudo.
    Como diz o Milton Temer – vida que segue
    Mas está seguindo tão triste.
    Abs,
    Thais

  4. Avatar

    Excelente análise que mostra claramente a que ponto chegamos na total irresponsabilidade e falta de compromisso com a verdadeira justiça por parte deste membros da PF/MPF/PGR claramente partidarizados e parciais ao extremo nas suas atuações prestando um verdadeiro desserviço à Justiça ao deixarem os maiores corruptos (leia-se Tucanos, Demos, PMDB e seus aliados) impunes!

  5. Avatar

    Fernando Morais tem feito o que muitos outros jornalistas deveriam há tempos estar fazendo: ouvindo, dando voz ao preso político José Dirceu de Oliveira e Silva.
    Mais do que publicar os artigos/cartas de José Dirceu é fundamental fazer longas entrevistas com ele, para que se possa registrar em livro, quiçá num filme-documentário – com a devida autorização dele, obviamente – para que as futuras gerações tenham acesso ao que pensa esse cidadão que lutou pela democracia, contra uma ditadura militar-civil-empresarial e que foi privado de liberdade por ser uma inteligência política que não encontra rival nesse Brasil que se transformou numa república bananeira.

  6. Avatar

    Seria muito conhecer uma análise do Zé Dirceu sobre a campanha internacional dos MPFs de combate à corrupção.
    Transcrevo aqui trecho que peguei no site http://corrupcaonao.mpf.mp.br/: “Segundo o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pesquisas recentes da Transparência Internacional apontam que os jovens [me lembrei daquele movimento maldito o MBL*], são os mais incomodados com a corrupção. “Eles também são os mais dispostos a encarar as mudanças culturais [leia-se trair, delatar sem provas, valorizar preconceitos, exaltar a violência*], necessárias ao enfrentamento da corrupção”, explicou. Ele ressaltou, ainda, que esta é uma oportunidade para reforçar o papel do Ministério Público brasileiro no combate à corrupção nas esferas cível, criminal e, ainda, na recuperação de ativos.”
    Parece que a Justiça e o Direito Nacional e Internacional, juntamente com a grande mídia representante da elite reacionária (não é nem mais conservadora já que está defendendo um processo de destruição) estão capturados pelo desejo de destruir todos os valores éticos que nortearam até aqui a luta pelos Direitos Humanos e a Democracia.
    É a treva.
    (*)acréscimos meus.

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